quinta-feira, 24 de março de 2011

Discussão sobre Ficha Limpa deve continuar em 2012, dizem especialistas





extraído do blog SUL21, de 24/03/11
Decisão foi tomada pelo STF na última quarta-feira (23) | Foto: Gervásio Baptista/SCO/STF



Felipe Prestes
A decisão de ontem (23) do STF, de que a Lei da Ficha Limpa não pode ser aplicada para as eleições do ano passado, não deve encerrar as discussões sobre a polêmica legislação. Pelo contrário: segundo especialistas, as questões mais polêmicas ainda vão gerar muito pano para manga em 2012. “O que foi deliberado foi o mínimo. Há uma série de questões que ainda serão objeto de deliberação”, afirma o ex-ministro do TSE, Luiz Carlos Madeira. O advogado eleitoralista Antonio Augusto Meyer dos Santos tem opinião semelhante à do magistrado aposentado. Para ele, a aplicação de inelegibilidade para candidatos cujos processos que sofreram ainda não transitaram em julgado é o ponto mais polêmico da Lei da Ficha Limpa. “Vai dar muito mais discussão que o debate atual. Este será o grande assunto da eleição de 2012, em matéria de impugnação”, diz.
Mayer aposta que em 2012 muitos candidatos terão seus registros deferidos pelo STF, caso suas condenações não tenham transitado em julgado. Ele aposta que a maioria dos ministros do Supremo entenderá como inconstitucional este ponto da Lei da Ficha Limpa. Luiz Carlos Madeira também acredita que o entendimento dos ministros será contrário a esta parte da legislação. “Vai dar muito o que falar. Não foi objeto de deliberação, mas os votos já estão anunciados. O Supremo, no ano de 1979, disse que o princípio de presunção da inocência era universal e eterno”.
Para Jovita José Rosa, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (entidade que capitaneou a luta pela Lei da Ficha Limpa), a presunção da inocência não é afetada pela lei. Ela argumenta que há um dispositivo legal para que os candidatos enquadrados na lei possam ter prioridade para recorrer, caso se sintam injustiçados.
Outro ponto da lei que deve ser discutido em 2012 é o da retroatividade. A lei fixa que, para estarem aptos a concorrer, os candidatos precisam estar com a ficha limpa nos oito anos anteriores ao pleito eleitoral. É possível que aqueles que tiveram condenações anteriores à existência da Lei da Ficha Limpa afirmem que a lei não pode retroagir. Antonio Augusto Mayer dos Santos acredita que, quanto a este ponto, deve haver entendimentos diversos. Neste ano, por exemplo, o TSE considerou que candidatos que já haviam cumprido inelegibilidade não poderiam sofrer esta sanção novamente.
Jovita José Rosa acredita que a lei pode e deve retroagir. “Um item da Constituição fala que uma lei complementar deve dispor sobre casos de inelegibilidade que considere a vida pregressa, para proteger o bem comum. A vida pregressa não é de agora para a frente, é a partir da lei para trás também”, diz.
Para juristas, STF acertou
De acordo com seis dos onze ministros do STF, a Lei da Ficha Limpa não pode ser aplicada nas eleições de 2010 porque a Constituição diz que alterações na legislação precisam ser feitas um ano antes das eleições para poderem ser aplicadas (princípio da anualidade). Entre os principais argumentos favoráveis à aplicação da lei, estavam o de que a lei foi sancionada antes das convenções partidárias e que, portanto, não interferira no processo eleitoral e também o de que a Constituição também prevê a busca pela probidade do processo eleitoral e de que isto se sobreporia ao princípio da anualidade.
Para o ex-ministro do TSE, Luiz Carlos Madeira, os seis ministros que votaram pela não aplicabilidade acertaram. “O Supremo exerceu sua função de guarda da Constituição e seguiu a tradição de defender a democracia. Há um equívoco de pretender que o processo eleitoral tenha início apenas nas convenções. Porque as convenções se realizam a seis meses da eleição, e a norma constitucional estabelece um ano”, afirma.
Antonio Augusto Mayer dos Santos diz que considerava tão evidente que a lei não deveria ser aplicada em 2010 que ficou surpreso quando houve o empate em cinco a cinco no STF, no ano passado. “Antes do primeiro julgamento, tinha a expectativa de que a decisão que rejeitou o Ficha Limpa fosse unânime. É tão evidente que esta lei não poderia ser aplicada que me causou surpresa aquele empate”. Por outro lado, o voto do ministro Luiz Fux, que desempatou a questão, não causou surpresa a Antônio Augusto. “Fux, como magistrado, sempre valorizou a Constituição Federal de forma linear, sem muito penduricalho”.
Ministro Gilmar Mendes foi um dos que votou contra a aplicação da Lei da Ficha Limpa nas últimas eleições | Foto: Gervásio Baptista/SCO/STF



Para o advogado eleitoralista, o princípio da anualidade se sobrepõe à busca pela probidade do processo eleitoral. “O dispositivo que exige a antecedência de um ano de qualquer lei relativa ao processo eleitoral tem uma finalidade muito maior que a probidade ou a improbidade: é proteger direitos individuais. E direitos individuais se sobrepõem a direitos administrativos”.
Jovita José Rosa, do MCCE, discorda do entendimento do Supremo. Para ela, a aprovação da Lei da Ficha Limpa não alterou o processo eleitoral de forma que impedisse a igualdade de condições entre os candidatos. “A gente respeita a decisão, mas concorda com os que votaram pela aplicabilidade da lei em 2010. Não vemos em que o processo eleitoral é alterado com a Lei da Ficha Limpa”, diz.
“Não nos sentimos derrotados”
Jovita afirma que o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral não se sente derrotado, uma vez que, seguindo o princípio da anualidade, já em junho de 2011 a Lei da Ficha Limpa passa a valer de fato. “A democracia se constrói de pouco em pouco”.
O movimento agora volta todas as suas atenções para outra batalha: a da reforma política. Como fez com a Ficha Limpa, o MCCE vai protocolar um projeto de reforma política por iniciativa popular e partir em busca de assinaturas. O lançamento do projeto deve ser na semana que vem. A proposta do MCCE tem como principais aspectos o financiamento público de campanha, o voto em lista e a democratização das instâncias partidárias. O movimento, que abriga 20 entidades, busca convergências para lançar o projeto em conjunto com instituições como a OAB, a CNBB e a Plataforma dos Movimentos Sociais para a Reforma Política.
Críticas ao Poder Executivo
A confusão sobre a lei, que agora fará com que ocorram alterações na Câmara, no Senado, e nos parlamentos estaduais, pode ter causado danos à imagem do STF, mas também não faltam críticas ao Executivo, especialmente ao ex-presidente Lula, pela demora na indicação de um ministro para a vaga de Eros Grau. “Entendo que foi ruim para a imagem do Supremo. Mas entendo que o principal responsável pela demora no é o Poder Executivo. Se tivessem nomeado o substituto do Eros Grau na semana seguinte não teria havido nenhum problema quanto a isto”, afirma Antonio Augusto Mayer dos Santos.
Luiz Carlos Madeira também critica a presidência da República e afirma que o STF não pode se preocupar com o clamor das ruas. “A imagem do Supremo para mim continua sendo a melhor possível. A demora se deve à falta do preenchimento de uma vaga no Supremo, que cabia ao presidente da República preencher. Se a população não entende, o tempo vai levar que entendam. Um Tribunal não pode decidir em função do clamor das ruas, que tem quem decidir assim são as casas legislativas, não as casas judiciárias”, diz.
Jovina José Rosa acredita que a imagem do Supremo não deve ser a melhor possível, e que os ministros devem estar sofrendo pressão popular. “Creio que o Supremo não está com a melhor imagem perante a sociedade. Hoje, com a facilidade que tem a internet, creio que os ministros devem ter recebido muitos emails, devem ter recebido a pressão popular”.
Como ficará o Congresso
Foi indicado pelo Supremo que a decisão de ontem (23) deve ter repercussão geral, ou seja, os outros casos de candidatos que haviam sido enquadrados na Lei da Ficha Limpa também deverão ter a mesma decisão. Os ministros do STF estão agora com 27 recursos em suas mãos. Segundo o presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, há mais 30 processos na Justiça eleitoral. Ele acredita que ainda deve demorar para que os ex-fichas sujas, que agora estão eleitos, assumam seus mandatos, porque a Justiça precisa concluir esta pauta de processos, depois ainda é preciso que o TSE faça a recontagem dos votos das coligações no caso dos deputados e fazer a diplomação dos eleitos. Os casos não são todos no Congresso, mas também nos parlamentos estaduais.
O único caso de decisão complicada é o do candidato ao Senado, Jader Barbalho (PMDB-PA), que já foi julgado. Na ocasião, seu julgamento deu empate, e os ministros entenderam que, diante do empate, a Lei da Ficha Limpa deveria ser mantida. Porém, o mais provável é que seja deferida a candidatura de Barbalho, que ficou na segunda colocação na disputa ao Senado. O próprio peemedebista esbanja confiança, após a decisão de ontem (23) do STF: “Foram os 1,8 milhão de votos que eu recebi do povo do Pará que me devolveram ao Senado Federal para representar os interesses do nosso estado”, disse em nota. Quem não gostou nada foi Marinor Brito (PSOL), que havia ficado com a vaga de Barbalho. “Essa decisão é um retrocesso e um estímulo à impunidade”, declarou em seu blog.
Há, por sua vez, um senador que entende que, legalmente, não deve sair do Senado. É que pode haver candidatos que, mesmo sem a aplicação da Lei da Ficha Limpa, podem passar a ser enquadrados na legislação anterior. O senador Vicentinho Alves (PR-TO) entende que seu adversário Marcelo Miranda (PMDB-TO), que teve mandato cassado em agosto de 2009, deve ser enquadrado na legislação antiga, que previa inelegibilidade de três anos a contar da data da decisão.
Confira quem pode sair, ficar ou entrar no Congresso (Dados do site Congresso Em Foco)
QUEM FICA
Deputados atingidos pela ficha limpa que já tinham tomado posse sob efeito de liminar
Pedro Henry (PP-MT)
José Augusto Maia (PTB-PE)
Natan Donadon (PMDB-RO)
Paulo Maluf (PP-SP)
Beto Mansur (PP-SP)
Manoel Salviano (PSDB-CE)
QUEM ENTRA
Deputados e senadores atingidos pela ficha limpa que não tiveram seus votos contados e que agora tomarão posse
Deputada Janete Capiberibe (PSB-AP)
Deputado João Pizzolatti (PP-SC)
Senador Jader Barbalho (PMDB-PA)
Senador João Capiberibe (PSB-AP)
Senador Cassio Cunha Lima (PSDB-PB)
Senador Marcelo Miranda (PMDB-TO)
QUEM SAI
Deputados e senadores que sairão para dar lugar aos antes barrados pela ficha limpa
Deputada Professora Marcivânia (PT-AP)
Deputado Odacir Zonta (PP-SC)
Senadora Marinor Brito (Psol-PA)
Senador Gilvan Borges (PMDB-AP)
Senador Wilson Santiago (PMDB-PB)
Senador Vicentinho Alves (PR-TO)

nota do Ferreiro da Política - A decisão do STF contém a sanha moralista contra os políticos. Esses, se errarem, devem ser punidos, mas a punição não pode ser ao arrepio da Constituição.

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