quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Virtuosa ou besta-fera, por José Reis*


 
Passada a perplexidade causada por conta da coluna de Eliane Catanhede, publicada no último dia 26 de agosto no jornal Folha de São Paulo, que ousou, isto mesmo, ousou comparar o avião que trouxe os médicos cubanos a um “navio negreiro”, procurei entender o que a fez praticar essa absurda comparação.

Por evidente, nem eu, nem a citada colunista, conhecemos na prática um navio negreiro, há não ser por descrições históricas, gravuras, desenhos ou algumas recriações vistas em filmes. Mesmo assim, é de supor-se que o pior avião existente na face da terra é incomparável com o apresentado, transcrito e relatado do que foram os tais navios negreiros.

Se essa é uma premissa válida, o que nos foi apresentado na coluna é fruto de dois tipos de preconceito.

O primeiro preconceito, estamos acostumados e está sempre evidente em suas opiniões. Estamos falando de uma opositora e crítica ferrenha aos governos petistas e de todas as propostas advindas dos mesmos. Assim, é possível entender que ela tenha usado a expressão em causa para marcar a ferro e fogo, aliás, como conta a história um tema afeito à escravidão, mais uma ação do governo federal, de forma a tentar criar mais antipatias contra a Presidenta Dilma.

O segundo preconceito, é menos evidente, mas é mais revelador de um pensamento, que muitas vezes fica escondido, recluso. Muito mais que um preconceito ele transparece a face do racismo e da discriminação racial. E, certamente, despertou quando a dita colunista viu a foto dos médicos e médicas que chegavam, deparando-se com uma realidade que não esperava e que, por óbvio, ela abomina. A imagem revelou-lhe uma verdade inconcebível e inadmissível para uma representante de uma elite conservadora e herdeira da casa grande. A imensa maioria daqueles especialistas tinha uma etnia a que ela só admite ver em posições e ocupações menos dignas, subalternas. Como poderia ela conviver com tantos médicos negros e médicas negras? Este é um cenário novo para ela. Tão impactante e tão devastador para sua forma de ver e encarar a vida, que a única imagem que lhe restou foi lembrar-se dos navios negreiros. Só naquelas lembranças históricas, ela via tantos negros e tantas negras aportando no Brasil. É possível, que tal qual aquelas sessões de regressão, a mesma tenha se visto em algum porto do período colonial, vendo a chegada de escravos e escravas, nesse caso sim em navios negreiros. A provável regressão pode, inclusive, ter lhe provocado um transe tão longo e intenso, que não é impossível que tenha escrito a tal coluna, ainda sentindo-se a poucos passos de um navio negreiro.

Há outra explicação para a lavra daquele bestialógico. Ao ver as imagens da chegada dos afrodescentes cubanos, médicos e médicas, que tenha havido uma luta feérica entre as duas personalidades que habitam seu ser. Uma virtuosa, outra uma besta- fera. Pelo visto, a besta-fera venceu a batalha e liberou a face racista, nem tão inconsciente, da colunista, a qual redigiu o libelo raivoso, caindo-lhe todas as máscaras.

Em qualquer das situações, foi mais um desserviço dominical praticado pela dita jornalista e pela Folha. Lamentável.

*Cientista Político e Secretário-Geral do PT de Porto Alegre
 

sábado, 20 de abril de 2013

Obras privadas querem investimentos de infraestrutura públicos, por Zé Reis*



Uma notícia publicada no sábado, dia 2004/13, na coluna do Jornalista Diogo Olivier, na Zero Hora,  da conta de que estaria havendo um impasse entre Prefeitura de Porto Alegre, Internacional e Andrade Gutierrez, por conta da pavimentação da área interna do Complexo Beira-Rio. Nas palavras do jornalista:

“O ponto de discórdia que opõe Inter, BRio (empresa criada para gerenciar a remodelação) e o poder público é a pavimentação do setor interno do Complexo. Nada consta no contrato assinado entre Inter e empreiteira, conforme revelei ontem na coluna. Está criado um impasse.
  O Inter não tem dinheiro. A construtora afirma que não há parágrafo algum que a obrigue a pavimentar a área, embora sejam de sua responsabilidade as máquinas que destruíram o piso para tocar a obra. A prefeitura, agora, oficializa a sua posição: não pode colocar dinheiro a fundo perdido em uma obra privada, sob pena de responsabilização judicial do prefeito José Fortunati.”.

 Esse impasse revela um traço comum das negociações dos clubes gaúchos com as empreiteiras responsáveis pelas obras: a tentativa de repassar aos cofres públicos, as obras de infraestrutura que envolvem os complexos esportivos.
O presente caso envolvendo o estádio Beira-Rio é ainda mais grave, pois envolve a questão da pavimentação interna do Complexo. Não dá para acreditar que alguém pense em repassar este custo para a Prefeitura de Porto Alegre.  
O Internacional e seus parceiros que tratem de repactuar o contrato e assumam o complemento das obras.
Age muito bem, o Município, ao comunicar que não carreará recursos para tal necessidade privada. Deveria, também, comunicar a gestora da Arena que a responsabilidade sobre as obras do entorno daquele empreendimento, igualmente, cabe aos investidores privados e não aos cofres públicos.

*Cientista político e Secretário Geral do Partido dos Trabalhadores de Porto Alegre


quarta-feira, 17 de abril de 2013

Não contavam com minha astúcia, por Zé Reis*



           A população de Porto Alegre foi surpreendida na manhã, desta terça-feira, dia 16/04/13, com a notícia que o ator mexicano Carlos Villagrán, popularizado através do personagem Kiko, do seriado “Chaves” será designado como “Embaixador de Porto Alegre para a Copa de 2014”.
Imediatamente, a notícia foi divulgada nas redes sociais e, concomitantemente, multiplicaram-se críticas, piadas, brincadeiras e, até, defesas do ato.
O próprio titular da Secretaria Extraordinária da Copa (SECOPA), se disse surpreso com a notícia, manifestando que não fora consultado, explicitando que se o fosse não teria concordado.
Mais adiante, foi esclarecido que a ideia partiu de consultor, ligado a SECOPA, da filha desse consultor e do produtor do show que o ator fará em Porto Alegre, com o intuito de prestar uma homenagem ao mesmo por seu “amor ao Brasil”. Além disso, disseram que Villagrán/Kiko havia torcido pela seleção brasileira, na Copa do México, em 1970, e demonstrado seu “amor” pelo futebol brasileiro, dando o nome de Edson, a um de seus filhos em homenagem a Pelé (Edson Arantes do Nascimento).
Posteriormente, o próprio prefeito, em seu blog, publicou nota defendendo a homenagem e a concessão do título honorífico. Sua argumentação está baseada nos seguintes pontos:
1.      O seriado Chaves é um dos mais assistidos na América Latina,
2.      Villagrán, que interpreta o personagem “Kiko”, é um amante do futebol, adora o futebol brasileiro, torceu pela seleção canarinho na Copa do México e, como prova deste amor, deu o nome ao seu segundo filho de Édson, em homenagem ao Pelé, pois o nascimento foi em meio à Copa de 70,
3.      O ator protagonizou o filme de maior bilheteria do cinema mexicano, “El Chanfle”, no qual interpretava um centroavante que jogava no América do México, chamado Valentino. E o personagem “Kiko” era um aficionado pelo futebol.
Como tem sido hábito, o prefeito atacou os contrários à homenagem. Neste caso, alcunhou os discordantes, de “caranguejos” e “preconceituosos”, lembrando os “micuins” de um ex-governador do RS.
Infelizmente, o alcaide porto-alegrense, esqueceu-se de trazer os argumentos que justifiquem a distinção de acordo com o propósito a que a mesma foi criada, conforme publicado, no site da SECOPA:
“Embaixador da Copa - Personalidades representativas que de alguma maneira contribuíram para a evolução, desenvolvimento, divulgação e visibilidade do futebol brasileiro em nível mundial.”.
Como vemos nenhum dos argumentos apresentados, pelo prefeito, atendem a definição acima. Aliás, destaquemos algumas das personalidades que já receberam a distinção: Carlos Simon (ex-árbitro), Lúcio (ex-zagueiro da Seleção), Taffarel (ex-goleiro da Seleção, Campeão do Mundo), Alcindo (ex-jogador da seleção e do Grêmio), Mano Menezes (ex-treinador da Seleção e Grêmio). Percebe-se, sem questionamentos, que quaisquer desses agraciados se enquadram no objetivo e na definição do título concedido.
As qualidades do ator, o fato de ser conhecido em toda América Latina e seu amor pelo Brasil não estão em questão. Entretanto, nenhum desses méritos justificam o título de Embaixador da Copa.
Sem querer querendo, o prefeito desvirtuou o objetivo da menção honorífica criada por ele mesmo. Ou, parafraseando Chaves, personagem do seriado em tela, “não contava com a astúcia da população de Porto Alegre”.
*Secretário Geral do Partido dos Trabalhadores de Porto Alegre.

domingo, 17 de março de 2013

As Especulações sobre a Próxima Eleição



por Marcos Coimbra, Carta Capital
As eleições de 2014 ainda estão, para a vasta maioria da população, a uma distância colossal. Nas pesquisas, é só depois de algum esforço que as pessoas se recordam que elas ocorrem daqui a um ano e meio. Enquanto isso, nos meios políticos e na “grande imprensa”, é como se fossem acontecer amanhã.
Será nossa terceira eleição nacional em que o presidente em exercício é candidato. Antes de Dilma, Fernando Henrique, em 1998, e Lula, em 2006, passaram pela experiência. Ambos tiveram sucesso, mas de maneiras diferentes.
A que temos no horizonte se assemelha à do tucano. Nada indica que Dilma terá que lidar com turbulências tão fortes quanto as que atingiram Lula, seu governo e o PT em 2005 e 2006. Nem o mais exaltado oposicionista imagina que ela venha a enfrentar situação análoga à que seu antecessor viveu no meses de auge das denúncias contra o “mensalão”.
Como FHC, Dilma deve disputar seu novo mandato em momento mais marcado pela normalidade que pela excepcionalidade: sem crises agudas na economia, na política ou no cotidiano da sociedade. Não que o País estivesse no melhor dos mundos em 1998, como vimos imediatamente após as eleições, mas nada que impedisse a vitória relativamente tranquila do então presidente.
Apesar dessa semelhança, é grande o contraste entre o ambiente de opinião que vivíamos em 1997 e o de agora.
A partir de junho daquele ano, quando foi promulgada a emenda que permitiu a Fernando Henrique concorrer a um novo mandato, entramos em período de calmaria. O escândalo da compra de votos para aprovar a mudança constitucional havia amainado, a tropa de choque governista impedira a constituição de qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito e a Procuradoria-Geral da União, dirigida por alguém escalado para tudo engavetar, mantinha-se inerte. Os ministros da Suprema Corte preferiam se entreter com outras coisas.
Nesse clima de tranquilidade, ninguém se pôs a especular a respeito de nomes e cenários. Dir-se-ia que, uma vez estabelecido que FHC seria candidato - independentemente dos meios utilizados -, os comentaristas e analistas ficaram satisfeitos com a perspectiva de que ele viesse a vencer as eleições seguintes. É como se achassem que não era somente natural, mas desejável que o peessedebista permanecesse no Planalto por mais quatro anos.
Bom sintoma dessa pasmaceira é que sequer se fizeram pesquisas sobre a eleição até o final de 1997, pelo menos que fossem divulgadas. Apenas uma foi publicada, já em novembro. Ninguém se mostrava ansioso a respeito de quem tinha condições de ganhá-la.O jogo havia sido jogado e o PSDB parecia imbatível.
A vantagem de FHC sobre seus oponentes era, no entanto, muito menor que a de Dilma hoje. Naquela pesquisa de novembro de 1997, realizada pelo Ibope, obtinha 41%, seguido por Lula com 16% e Sarney com 9%.
Sua liderança permaneceu modesta nos primeiros meses de 1998: em março, segundo o Datafolha, repetiu os 41% (com Lula alcançando 25% e sem Sarney). Caiu a pouco mais de 30% entre abril e junho, e voltou aos 40% daí em diante. Na véspera da eleição, atingiu o pico, com 49%.
Nas muitas pesquisas sobre a próxima eleição feitas ao longo de 2012, Dilma nunca obteve menos que 55% e muitas vezes chegou aos 60%. Mesmo quando se colocaram na lista nomes apenas para fazer barulho, como o de Joaquim Barbosa.
Quem achou, em 1997, que FHC iria ganhar com seus 40%, não errou. Um presidente bem avaliado, em um momento em que o País vai bem (ou parece andar bem), tem tudo para vencer.De onde, então, tiram os analistas da “grande imprensa” seu ceticismo em relação às chances de reeleição de Dilma? De onde vem seu afã em identificar os “formidáveis adversários” que poderiam derrotá-la?

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil, por Emir Sader

Em primeiro de janeiro de 2013, se cumprem 10 anos desde a posse do governo Lula, que teve continuidade na sua reeleição em 2006 e na eleição da Dilma em 2010. Dessa maneira se completa uma década de governos que buscam superar os modelos centrados no mercado, no Estado mínimo nas relações externas prioritariamente voltadas para os Estados Unidos e os países do centro do sistema.

São governos que, para superar a pesada herança econômica, social e política recebida, priorizam, ao contrário, um modelo de desenvolvimento intrinsecamente articulado com políticas sociais redistributivas, colocando a ênfase nos direitos sociais e não nos mecanismos de mercado. Buscam o resgate do Estado como indutor do crescimento econômico e garantia dos direitos sociais de todos. Colocam em prática políticas externas que dirigem seu centro para os processos de integração regional e os intercâmbios Sul-Sul e não para Tratados de Livres Comércio com os EUA.

Os resultados são evidentes. O Brasil, marcado por ser o país mais desigual do continente mais desigual do mundo, vive, pela primeira vez com a intensidade e extensão atuais, profundos processos de combate à pobreza, à miséria e à desigualdade, que já lograram transformar de maneira significativa a estrutura social do país, promovendo formas maciças de ascensão econômica e social, com acesso a direitos fundamentais, de dezenas de milhões de brasileiros.

Dotando o Estado brasileiro de capacidade de ação, estamos podendo reagir aos efeitos recessivos da mais forte crise econômica internacional das ultimas oito décadas, mantendo – mesmo se diminuído – o crescimento da economia e estendendo, mesmo em situações econômicas adversas, as políticas sociais redistributivas.

Por outro lado, políticas externas soberanas projetaram o Brasil como uma das lideranças emergentes em um mundo em crise de hegemonia, com iniciativas coletivas e solidárias, com propostas que apontam para um mundo multipolar, centrado em resoluções políticas pacíficas dos focos de conflitos e em formas de cooperação solidária para o desenvolvimento das regiões mais atrasadas.

No entanto, esses governos recebem uma pesada herança de um passado recente de enormes retrocessos de todo tipo. O Brasil – assim como a América Latina – passou pela crise da dívida, que encerrou o mais longo ciclo de crescimento econômico da nossa história, iniciado nos anos 1930 com a reação à crise de 1929. Sofreu os efeitos da ditadura militar, de mais de duas décadas, que quebrou a capacidade de resistência do movimento popular, preparando as condições para o outro fenômeno regressivo. Os governos neoliberais, de mais de uma década – de Collor a FHC – completaram esse processo regressivo do ponto de vista econômico, social e ideológico.

Assim, Lula não retoma o processo de desenvolvimento econômico e social onde ele havia sido estancado, mas recebe uma herança que inclui não apenas uma profunda e prolongada recessão, mas um Estado desarticulado, uma economia penetrada pelo capital estrangeiro, um mercado interno escancarado para o mercado internacional, uma sociedade fragmentada, com a maior parte dos trabalhadores sem contrato de trabalho.

O segredo do sucesso do governo Lula, seguido pelo de Dilma, está na ruptura em três aspectos essenciais do modelo neoliberal:

- a prioridade das políticas sociais e não do ajuste fiscal, mantido em funções dessas políticas

- a prioridade dos processos de integração regional e das alianças Sul-Sul e não de Tratado de Livre Comércio com os EUA

- a retomada do papel do Estado como indutor do crescimento econômico e garantia dos direitos sociais, deslocando a centralidade do mercado pregada e praticada pelo neoliberalismo.

Essas características constituem o eixo do modelo posneoliberal – comum a todos os governos progressistas latino-americanos -, que faz do continente um caso particular de única região do mundo que apresenta um conjunto de governos que pretendem superar o neoliberalismo e que desenvolvem projetos de integração regional autônomos em relação aos EUA.

Foi uma década essencial no Brasil, não apenas pelas transformações essenciais que o país sofreu, mas também porque ela reverteu tendências históricas, especialmente à desigualdade, que tinham feito do Brasil o país mais desigual do continente mais desigual do mundo.

A década merece uma reflexão profunda e sistemática, que parta da herança recebida, analise os avanços realizados e projete as perspectivas, os problemas e o futuro do Brasil nesta década. Um livro com textos de 21 dos melhores pensadores da esquerda, que está sendo organizado por mim, deve ser lançado num seminário geral por volta de abril e, a partir desse momento, fazer várias dezenas de lançamentos e debates por todo o ano.

O projeto pretende promover discussões estratégicas sobre o Brasil, elevando a reflexão sobre os problemas que enfrentamos e projetando o futuro da construção de uma alternativa ao neoliberalismo.