terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Dilma coleciona vitórias no Congresso; 2012 terá oposição acuada

publicado no blog Carta Maior, em 27/12/11

Em seu primeiro ano, Dilma Rousseff vale-se de base parlamentar inédita para aprovar o que quis e barrar as CPIs que não quis. Econômica nas MPs como Lula e FHC não foram, favorecida por desidratação extra de adversários pelo PSD e com a "sorte" da saída de Antonio Palocci, que contribuía para tensão com aliados, Dilma entrará em 2012 vendo oposição acuada pelo fantasma da CPI da Privataria.

BRASÍLIA – Com uma base de apoio parlamentar de tamanho inédito desde o fim da ditadura militar, em 1985, o governo Dilma Rousseff teve, em seu primeiro ano, uma vitoriosa relação com o Congresso. Ganhou quase todas as votações, viu sair das entranhas adversárias um partido "independente" que esvazia ainda mais a oposição, conteve o apetite inimigo por CPIs contra o governo, resistiu ao forte lobby do judiciário por aumente de salário.

Um sucesso que a presidenta deixou passar sem registros no pronunciamento de fim de ano em cadeia de rádio e TV que fez na última sexta-feira (23).

Uma coincidência delimita o caminho vencedor do governo no Congresso em 2011. Em cada uma das extremidades, encontra-se a palavra “salário”.

O primeiro grande desafio da recém-empossada presidenta foi a definição, em fevereiro, do salário mínimo de 2011, que teve reajuste pouco generoso (7%) por causa do crescimento zero de 2009 – uma regra de correção do piso tornada permanente até 2015 prevê aumento com base no crescimento econômico de dois anos antes. Dilma não cedeu a apelos de aliados por reajuste maior.

Teve a mesma postura na última votação do ano, que aprovou orçamento federal de 2012 faltando dez minutos para o início do recesso parlamentar. Não aceitou nem dar aumento real para aposentado que recebe mais de um salário mínimo, nem para juízes e trabalhadores de tribunais pelo país, que tiveram no presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso, um atuante "sindicalista" durante o ano.

O jogo duro de Dilma com Judiciário e aposentados tinha exatamente o objetivo de garantir que o governo conseguiria bancar em 2012 um reajuste de 14% do salário mínimo sem comprometer recursos destinados a outras áreas.

Para o governo, um piso mais robusto no ano que chega será fundamental para o país atravessar a crise econômica global sustentando uma trajetória de crescimento que levou o país ao posto de sexto maior produto interno bruto (PIB) do planeta em 2011. Mais salário deve alavancar o consumo.

As medidas que o governo chamou de anti-crise são uma boa ilustração da força e do sucesso que Dilma conquistou na relação com o Congresso. E isso fica ainda mais evidente, quando se pensa no que passaram países ricos atolados da crise.

O presidente norte-americano Barack Obama lutou – e sangrou – para aumentar o teto da dívida doméstica. Na Europa governos ditos progressistas sucumbiram e foram substituídos por tecnocratas, pacotes de austeridade fiscal foram aprovados com muito custo, plebiscitos morreram no nascedouro.

Enquanto isso, no Brasil, o governo aprovava um pacote de incentivo fiscal à indústria. Arrancava autorização para controlar a especulação com dólar no chamado “mercado de derivativos”. Renovava até 2015 mecanismo que, se existe há bem mais bem mais tempo do que a crise global, é considerado essencial agora - ajuda a pagar a dívida pública sem levantar desconfiança no “mercado” de que o país vai se “europeizar”, a chamada Desvinculação das Receitas da União.

“O Congresso teve maturidade política", disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em café de fim de ano com jornalistas no último dia 22. Em pronunciamento de fim de ano levado ao ar por emissoras de rádio e TV na véspera, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), fez questão de registrar a cooperação com o governo, ao contrário de Dilma, que não mencionou o assunto. “Trabalhamos em sintonia com o governo federal para evitar que essa turbulência freie o crescimento”, afirmou.

Palocci sai: inflexão
Entre as duas coincidências temáticas que demarcam o bem sucedido ano parlamentar do governo, uma mudança no coração do governo contribuiu para melhorar essas mesmas relações. A substituição daquele que, no início da gestão Dilma, era visto como uma espécie de primeiro-ministro todo poderoso, Antonio Palocci, ex-chefe da Casa Civil.

Alvejado por denúncia de enriquecimento ilícito, Palocci balançou por três semanas no cargo, até deixá-lo – porque “quis sair”, Dilma fez questão de dizer também em café da manhã de fim de ano com jornalistas, dia 16. Até aquele momento, Palocci era o operador de uma estratégia de “jogo duro” político do governo com o Congresso, combinada com Dilma.

Uma estratégia que previa liberação a conta-gotas de dinheiro para obras incluídas no orçamento a pedido de deputados e senadores, as emendas. Que implicava usar ao máximo todos os instrumentos internos do governo para mudar a legislação sem depender do Congresso – e, portanto, de votações que sempre custam algum tipo de negociação (e concessão) política.

Dilma recorreria o mínimo possível às medidas provisórias (MPs), para reduzir ao máximo o número de votações. Não por acaso, Dilma encerra o ano tendo assinado uma comparativamente baixa quantidade de MPs. Até esta segunda-feira (26), tinha baixado 34. O ex-presidente Lula abriu o primeiro mandato com 157 e o segundo, com 69. No último ano da gestão Fernando Henrique, o primeiro com as MPs obedecendo às regras atuais, foram assinadas 81.

Palocci também foi protagonista em uma votação complicada não pode exatamente entrar na conta das vitórias do governo, embora também não possa ser considerada uma derrota. O novo Código Florestal, para cujo debate o governo foi arrastado por sua numerosa fatia de aliados ruralistas, só será votado em definitivo no ano que vem.

Como sabe que não tem nada a ganhar, do ponto de vista da imagem pública, com a aprovação da nova lei bem no ano em que o país sediará um grande encontro planetário sobre desenvolvimento sustentável, a Rio+20, Dilma preferia sancioná-la ainda este ano e livrar-se de vez do assunto. Não poderá porque a votação enroscou na Câmara, ainda sob a articulação de Palocci, precisou de seis meses para “desenrolar” no Senado, e o resultado é que os deputados só vão voltar a mexer no projeto na volta das férias.

O mesmo acontecerá com outro projeto que o governo queria começar a votar na Câmara ainda em 2011 mas terá de se contentar em discuti-lo após o recesso. É o que estabelece novas regras para aposentadorias de funcionários públicos. O governo deve realizar concursos públicos em 2012 e gostaria de contratar os servidores já dentro das novas regras. Não conseguirá.

CPIs, não
Palocci inaugurou uma longa série de ministros que viriam a ser denunciados por desvio ético em reportagens da imprensa, numa escalada que animaria os adversários do governo Dilma a adotar a mesma postura vista com o antecessor dela, Lula.

A cada acusação nova, um pedido novo de CPI, às vezes sob um batismo genérico de “CPI da Corrupção”. Seis ministros caíram por suposta corrupção, mas nenhuma comissão parlamentar de inquérito foi instalada.

Anêmica, a oposição a Dilma não consegue aglutinar um terço dos deputados ou dos senadores para emplacar uma CPI. O ano termina com os três principais partidos anti-Dilma com 88 deputados, mais ou menos a metade do tamanho que precisariam ter para abrir uma CPI. Juntos, PSDB, DEM e PPS perderam 21 deputados desde a eleição de 2010.

No Senado, os três têm 15 parlamentares - teriam de ser ao menos 27 para abrir CPIs, algo que não conseguem nem contando com dissidentes entre partidos governistas.

Desfalcada desde as urnas em 2010, no enfrentamento com o popularíssimo Lula, a oposição sofreum um baque adicional onze meses depois, quando, em setembro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou a criação do Partido Social Democrático, o PSD do prefeito paulistano Gilberto Kassab.

A sigla nasceu como a quarta maior do Congresso, atrás apenas de PT e PMDB, que dividem o governo com Dilma e o vice dela, Michel Temer, e os tucanos.

Tucanos que terminam o ano na mira da CPI que tanto cobraram contra Dilma, uma comissão destinada a apurar se houve mesmo bandalheira em privatizações da administração Fernando Henrique, como diz o livro-denúncia A Privataria Tucana.

Com o principal adversário acuado pela expectativa de uma CPI, o governo Dilma tem tudo para começar o ano legislativo mais forte do que o vitorioso 2011.

sábado, 24 de dezembro de 2011

A fúria do acuado

publicado no blog tijolaco.com, de Brizola Neto.




José Serra sentiu o livro, embora diga que o que há o “A Privataria Tucana” seja “lixo, lixo, lixo”
O artigo que publica hoje em O Globo (restrito aos assinantes, mas reproduzido aqui), embora não lhe fuja da tradição “bolinha de papel” serrista de imputar autoritarismo  a quem o aponta como partícipe – e, nas palavras de FHC, um dos principais artífices – do criminoso processo de privatização brasileiro,  adquire um tom megalômano que só aos que estão submetidos a situações transtornantes podem ter, sobretudo quando estão tão fracos como está o ex-líder tucano.
Aponta uma conspiração continental – não sei o que me faz lembrar do “comunismo internacional” a quem se acusava de estar por trás da maré nacionalista dos anos 60, da qual Serra participava – como pretendendo calar os adversários, intimidá-los, devassá-los e aniquilá-los:
“O PT e seus aliados continentais têm tratado do tema (de supostas restrições à liberdade de imprensa) de modo bastante claro, em todos os fóruns possíveis. Seria a luta contra o “imperialismo midiático”, conceito que atribui toda crítica e contestação a interesses espúrios de potências estrangeiras associadas a “elites” locais. Um arcabouço mental que busca legitimar as pressões liberticidas. Um fascismo (mal)disfarçado”.
Não imagino o que o senhor José Serra possa chamar de “fascismo (mal) disfarçado senão, por exemplo, fatos como o jornal em que ele escreve ter omitido a seus leitores a informação, fática, de que ontem se protocolizou um pedido de CPI sobre o processo de privatização do qual ele foi um dos “big men”.
Ele ataca, por exemplo, a decisão soberana do legislativo (eleito) argentino de aprovar projeto da presidenta (recém-reeleita, por larga margem) daquele país estabelecendo que a produção de papel de imprensa é de interesse social, sem dar um pio sobre o fato de que o Estado argentino, durante anos e anos, subsidiou com sua participação acionária a produção deste papel os grupos privados mais lucrativos de comunicação.
Se o PT merece críticas é justo pelo contrário, por ser leniente e temeroso com a responsabilização dos que lesaram o Brasil, dissipando, em troca de nada (nada público, ao menos), patrimônio que gerações de nossos antepassados construíram.
A liberdade de imprensa não pode ser para massacrar uns e silenciar sobre outros. Se descaminhos no atual Governo merecem ser apontados, não há razão legítima para que não se os aponte em outros, dos quais o Sr. Serra foi elemento central e seu representante eleitoral.
Em matéria de investir contra empresas de comunicação, o Sr. José Serra não tem do que falar e, ao contrário, a independência de um colunista, no mesmo O Globo, o aponta como feroz atacante de um, “O Estado de Minas”, que não lhes “dá a cabeça”, como outros veículos o fazem, dos que se atrevem a desagradá-lo.
Ou a disputar-lhe, como fez o Sr. Aécio Neves, a posição de príncipe tucano, condição da qual Serra se considera, por direito hereditário, detentor sempre legítimo. Mesmo já destronado, o banzo da coroação que jamais teve domina sua mente ressentida.
A coluna de Ilimar Franco vai no post reproduzida, para que se possa ser como os atos de Serra desmentem as palavras de Serra.
O senhor José Serra, intolerante por natureza e autoritário pelo poder político que um dia representou, está acuado e, por isso, feroz.
Não precisa sequer ser provocado por uma imprensa que não lhe é hostil, não o questiona e não apura os fatos aos quais  está- como relata o “A Privataria Tucana” – envolvido.
O desespero que lhe aflige é o do rei ao qual o menino grita estar nu.

Um piso regional modesto


publicado originalmenmte no blog RSURGENTE.


por Paulo Muzell

O significativo aumento do salário mínimo ocorrido no Brasil nos últimos anos teve fundamental importância como fator de consolidação do mercado interno e da valorização do trabalho no país. Somos um país que sempre privilegiou juros, lucros e aluguéis em detrimento dos salários. Nossas elites têm uma tradição “casa grande & senzala” secular, da qual ainda não conseguiu se libertar: com raras exceções é pré-fordista. Taxas de lucro elevadas, juros exorbitantes convivendo com os salários miseráveis da grande maioria.
Desde a deposição de Getúlio Vargas (1954) se acentuou o processo de corrosão do salário mínimo, por ele criado. Nestes últimos cinqüenta anos as sucessivas lideranças das entidades patronais da área industrial e comercial (as FIERGS, FEDERASUL, CDL da vida) não cansaram de repetir à exaustão que elevar salários seria alimentar o “dragão da inflação” que levaria o país ao caos. A ditadura militar através do seu guru e porta-voz econômico, Delfim Neto defendeu e difundiu a tese da necessidade de primeiro “aumentar o bolo” para depois dividir. Realmente aumentaram, mas nunca dividiram.
O Plano Real (1994) contribuiu decisivamente para o processo de recuperação dos salários no Brasil. O controle da inflação – que corroía violentamente o seu poder de compra – teve papel fundamental no seu processo de recuperação que se consolida e acelera nos últimos dez anos, especialmente nos governos Lula e Dilma.
A lei complementar 103, de 2000 criou a possibilidades dos estados instituírem pisos salariais baseados em critérios específicos e que incorporassem a inflação passada e aumentos de produtividade medidos através das variações do PIB. O Rio Grande do Sul foi o segundo estado do país a instituir o piso regional, fixado em 2001, penúltimo ano do governo Olívio Dutra num valor 28% acima do mínimo nacional. Nos três anos seguintes, de 2002 a 2004, o último de Olívio e os dois primeiros do governo Rigotto, o piso regional gaúcho se manteve 30% acima do mínimo do país, alcançando o “pico” da sua série histórica.
A partir de 2005 o piso regional inicia sua trajetória de descendente: baixa para 25% acima do mínimo em 2005 e no ano seguinte, o último do governo Rigotto caiu para apenas 16%. Ainda assim o piso regional se manteve no governo Rigotto, em média, 25% acima do mínimo brasileiro. Entre 2007 e 2010 tivemos no desastroso governo Yeda Crusius, a “destruição” do piso regional gaúcho. No seu primeiro ano (2007) a diferença caiu para apenas 13% e no seu último ano – 2010 – atingiu seu nível mais baixo: 7,2%, o “fundo do poço”. No quadriênio 2007/2010 o piso regional médio/RS esteve apenas 11,4% acima do mínimo.
Tarso Genro assume em 2011 e reajusta o piso regional em 11,6%, mas o avanço é ainda modesto: o piso gaúcho ficou apenas 11,9% acima do mínimo nacional. Neste final de 2011, depois de inúmeras discussões o governo estadual anunciou o novo piso: será de 624,05 reais em janeiro e fevereiro, passando para 700,00 a partir de primeiro de março. Como o mínimo nacional de 622,73 reais entra em vigor a partir de 1º de janeiro, teremos em janeiro e fevereiro o piso regional praticamente igual ao minímo: o piso será no primeiro bimestre apenas 0,2% maior. Um trabalhador que perceber o piso durante o exercício de 2012 ganhará apenas 12,9% mais do que o remunerado com um mínimo. Assim, o reajuste de Tarso para 2012 é, na prática, inferior aumento do mínimo que vigorará no ano que vem. O salário médio real de 2012 do trabalhador que perceber o piso/RS será 687,30 reais, apenas 10,3% acima do mínimo do país, percentual, ressalve-se abaixo da média dos quatro anos do governo Yeda Crusius.
O governo Tarso terá nos próximos três anos a difícil tarefa de reajustar o piso regional em percentuais sensivelmente mais elevados do que o dos aumentos do mínimo, o que, infelizmente, não ocorreu na fixação do piso 2012. Terá que elevar o piso regional 15,6% acima do atual nível do mínimo para que no último ano de seu governo o piso gaúcho corresponda, pelo menos, a 1,3 vezes o valor do mínimo nacional, patamar que se encontrava em 2002, último ano do governo Olívio Dutra.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Entre os Brics, só o Brasil reduz a desigualdade, diz OCDE

publicado em 14/12/11 no Estadão. 

Silvio Guedes Crespo
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Por Alcides Leite*

A OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que reúne 34 países, em sua  maioria desenvolvidos, lançou um documento intitulado “Divided We Stand: Why Inequality Keeps Rising” (“Estamos Divididos: Por que a Desigualdade Continua Crescendo”), analisando as principais causas do crescimento da desigualdade de renda no mundo.
Em um capítulo dedicado aos principais países em desenvolvimento, o documento compara o desempenho de Brasil, Argentina, China, Índia, África do Sul, Rússia e Indonésia nas duas últimas décadas, em relação aos resultados das políticas de redução da concentração de renda. O documento ressalta que, dos chamados Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), somente o Brasil conseguiu reduzir a desigualdade de renda da população durante os últimos 20 anos. Nos demais, o problema cresceu. Mesmo assim, a desigualdade  de renda no Brasil ainda é maior do que na Rússia, na China e na Índia. Já a África do Sul está em situação pior que o Brasil.
O principal motivo da redução da desigualdade no Brasil, apontado pelo relatório, é o investimento que o setor público tem feito nos principais programas sociais. Segundo o documento, o País é o que tem mais gastos sociais como proporção do PIB, entre os Brics.


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* Alcides Leite, professor de economia da Trevisan Escola de Negócios e analista-inspetor concursado do Banco Central, é colaborador do Radar Econômico.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Tucanos se complicam após lançamento de livro sobre esquema de corrupção no governo FHC

publicado no Correio do Brasil, de 10/12/11.


Privataria
Privataria Tucana revela esquema bilionário de corrupção


A situação nacional do maior partido da direita brasileira, o PSDB, fica ainda mais complicada diante do lançamento de A Privataria Tucana, livro do jornalista Amaury Ribeiro Junior. Disponível nas livrarias desde a noite passada, a obra reúne, em 343 páginas, todo o processo de privatização realizado ao longo do governo de Fernando Henrique Cardoso, nos anos 90, que dilapidou patrimônios públicos como a Vale do Rio Doce e a Companhia Siderúrgica Nacional. O livro revela, ainda, documentos inéditos sobre a transferência de bilhões de reais para esquemas de lavagem de dinheiro e pagamentos de propina aos altos escalões da República. O ex-governador de São Paulo, José Serra, que também é do PSDB, assim como o então presidente Fernando Henrique Cardoso são citados como cúmplices no ciclo de corrupção.
– O livro tem sido, de longe, o mais vendido aqui, até agora – resume um funcionário de uma das maiores livrarias na Zona Sul do Rio de Janeiro.
Amaury Jr. já previa que a compilação dos documentos reunidos em A Privataria Tucana renderia no conteúdo explosivo que os jornais conservadores ainda tentam abafar. Apenas um comentário, do ex-presidente FHC, foi consignado na edição deste sábado do diário conservador paulistano Folha de S. Paulo. Nele, o acusado de deixar passar um dos maiores crimes já cometidos contra o patrimônio público brasileiro preferiu apenas descredenciar o autor das denúncias. Citado como um dos vilões no episódio, o candidato tucano derrotado nas eleições presidenciais do ano passado, novamente preferiu o silêncio.
– Ficou bem claro durante as eleições passadas que Serra tinha medo de esse meu livro vir à tona. Quando se descobriu o que eu tinha em mãos, uma fonte do PSDB veio me contar que Serra ficou atormentado, começou a tratar mal todo mundo, até jornalistas que o apoiavam. Entrou em pânico – disse o jornalista à revista Carta Capital, em uma entrevista que reproduzimos a seguir.
Lavagem de dinheiro
À revista Carta Capital, Amaury revela que decidiu investigar o processo de privatização no governo Fernando Henrique Cardoso quando ainda era repórter do diário conservador carioca O Globo, nos idos de 2000.
– Antes, minha área da atuação era a de reportagens sobre direitos humanos e crimes da ditadura militar. Mas, no início do século, começaram a estourar os escândalos a envolver Ricardo Sérgio de Oliveira (ex-tesoureiro de campanha do PSDB e ex-diretor do Banco do Brasil). Então, comecei a investigar essa coisa de lavagem de dinheiro. Nunca mais abandonei esse tema. Minha vida profissional passou a ser sinônimo disso.
– Quem lhe pediu para investigar o envolvimento de José Serra nesse esquema de lavagem de dinheiro?
– Quando comecei, não tinha esse foco. Em 2007, depois de ter sido baleado em Brasília, voltei a trabalhar em Belo Horizonte, como repórter do (diário conservador mineiro) Estado de Minas. Então, me pediram para investigar como Serra estava colocando espiões para bisbilhotar Aécio Neves, que era o governador do Estado. Era uma informação que vinha de cima, do governo de Minas. Hoje, sabemos que isso era feito por uma empresa (a Fence, contratada por Serra), conforme eu explico no livro, que traz documentação mostrando que foi usado dinheiro público para isso.
Ficou surpreso com o resultado da investigação?
– A apuração demonstrou aquilo que todo mundo sempre soube que Serra fazia. Na verdade, são duas coisas que o PSDB sempre fez: investigação dos adversários e esquemas de contrainformação. Isso ficou bem evidenciado em muitas ocasiões, como no caso da Lunus (que derrubou a candidatura de Roseana Sarney, então do PFL, em 2002) e o núcleo de inteligência da Anvisa (montado por Serra no Ministério da Saúde), com os personagens de sempre, Marcelo Itagiba (ex-delegado da PF e ex-deputado federal tucano) à frente. Uma coisa que não está no livro é que esse mesmo pessoal trabalhou na campanha de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, mas sob o comando de um jornalista de Brasília, Mino Pedrosa. Era uma turma que tinha também Dadá (Idalísio dos Santos, araponga da Aeronáutica) e Onézimo Souza (ex-delegado da PF).
O que você foi fazer na campanha de Dilma Rousseff, em 2010?
– Um amigo, o jornalista Luiz Lanzetta, era o responsável pela assessoria de imprensa da campanha da Dilma. Ele me chamou porque estava preocupado com o vazamento geral de informações na casa onde se discutia a estratégia de campanha do PT, no Lago Sul de Brasília. Parecia claro que o pessoal do PSDB havia colocado gente para roubar informações. Mesmo em reuniões onde só estavam duas ou três pessoas, tudo aparecia na mídia no dia seguinte. Era uma situação totalmente complicada.
– Você foi chamado para acabar com os vazamentos?
– Eu fui chamado para dar uma orientação sobre o que fazer, intermediar um contrato com gente capaz de resolver o problema, o que acabou não acontecendo. Eu busquei ajuda com o Dadá, que me trouxe, em seguida, o ex-delegado Onézimo Souza. Não tinha nada de grampear ou investigar a vida de outros candidatos. Esse “núcleo de inteligência” que até Prêmio Esso deu nunca existiu, é uma mentira deliberada. Houve uma única reunião para se discutir o assunto, no restaurante Fritz (na Asa Sul de Brasília), mas logo depois eu percebi que tinha caído numa armadilha.
– Mas o que, exatamente, vocês pensavam em fazer com relação aos vazamentos?
– Havia dentro do grupo de Serra um agente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que tinha se desentendido com Marcelo Itagiba. O nome dele é Luiz Fernando Barcellos, conhecido na comunidade de informações como “agente Jardim”. A gente pensou em usá-lo como infiltrado, dentro do esquema de Serra, para chegar a quem, na campanha de Dilma, estava vazando informações. Mas essa ideia nunca foi posta em prática.
– Você é o responsável pela quebra de sigilo de tucanos e da filha de Serra, Verônica, na agência da Receita Federal de Mauá?
– Aquilo foi uma armação, pagaram a um despachante para me incriminar. Não conheço ninguém em Mauá, nunca estive lá. Aquilo faz parte do conhecido esquema de contrainformação, uma especialidade do PSDB.
– E por que o PSDB teria interesse em incriminá-lo?
– Ficou bem claro durante as eleições passadas que Serra tinha medo de esse meu livro vir à tona. Quando se descobriu o que eu tinha em mãos, uma fonte do PSDB veio me contar que Serra ficou atormentado, começou a tratar mal todo mundo, até jornalistas que o apoiavam. Entrou em pânico. Aí partiram para cima de mim, primeiro com a história de Eduardo Jorge Caldeira (vice-presidente do PSDB), depois, da filha do Serra, o que é uma piada, porque ela já estava incriminada, justamente por crime de quebra de sigilo. Eu acho, inclusive, que Eduardo Jorge estimulou essa coisa porque, no fundo, queria apavorar Serra. Ele nunca perdoou Serra por ter sido colocado de lado na campanha de 2010.
– Mas o fato é que José Serra conseguiu que sua matéria não fosse publicada no Estado de Minas...
– É verdade, a matéria não saiu. Ele ligou para o próprio Aécio para intervir no Estado de Minas e, de quebra, conseguiu um convite para ir à festa de 80 anos do jornal. Nenhuma novidade, porque todo mundo sabe que Serra tem mania de interferir em redações, que é um cara vingativo.
Daniel Dantas
As pistas deixadas por bilhões de reais movimentados nos esquemas fraudulentos revelados em Privataria Tucana, segundo Ribeiro Jr, levam ao banqueiro Daniel Dantas, condenado recentemente por uma série de crimes ligados à lavagem de dinheiro.
– Esses tucanos deram uma sofisticação à lavagem de dinheiro. Eram banqueiros, ligados ao PSDB. Quem estava conduzindo os consórcios das privatizações eram homens da confiança do Serra. É um saque (financeiro) que eles fizeram da privatização brasileira. Eles roubaram o patrimônio do país, e eu quero provar que são um bando de corruptos. A grande força desse livro é mostrar documentos que provam isso – afirmou, em conversa com jornalistas de um portal da internet.
O livro detalha o esquema de corrupção que teria, no comando, amigos e parentes de Serra e de outros líderes da direita brasileira, alguns ainda no Democráticos (DEM) e no recém-fundado Partido da Social Democracia (PSD).
– Há 20 anos, como diz o próprio livro, investido essas contas, rastreando tudo. Hoje sou um especialista (em lavagem de dinheiro). O tesoureiro do Serra, o Ricardo Sérgio, criou um modus operandi para gerir o dinheiro no exterior e eu descobri como funcionava o esquema. Eles mandavam todo o dinheiro, da propina, tudo, para as Ilhas Virgens, que é um paraíso fiscal, e depois simulavam operações de investimento, nada mais era do que a internação de dinheiro. Usavam umas off-shores, que simulavam investir dinheiro em empresas que eram dele mesmo no Brasil, numa ação muito amadora. A gente pegou isso tudo – afirmou.
Amaury Jr. nega que tenha cooptado alguém para realizar escutas telefônicas: “Não teve quebra de sigilo, como me acusaram”.
– São transações que estão em cartórios de títulos e documentos. Quando você nomeia um cara para fazer uma falcatrua dessa, você nomeia um procurador, você nomeia tudo. Rastreando nos cartórios de títulos e documentos, a gente achou tudo isso aí. Não tem essa história de que investiguei a Verônica Serra (filha do ex-governador), que investiguei qualquer pessoa ou teve quebra de sigilo. A minha investigação é de pessoa jurídica. Meu livro coloca documentos, não tem quebra de sigilo, comprova essa falcatrua que fizeram – resume.
– Segundo seu livro, esse esquema teria chegado a movimentar cifras bilionárias então?
– Bilionárias, bilionárias. (O esquema era realizado por) banqueiros ligados ao PSDB, formados na PUC do Rio de Janeiro e com pós-graduação em Harvard. A gente é muito simples, formado em jornalismo na Cásper Líbero, mas aprendi a rastrear o dinheiro deles. Eles inventaram um marco para lavar dinheiro que foi seguido por todos os criminosos, como Fernando Beira-Mar, Georgina (de Freitas que fraudou o INSS), e eu, modestamente, acabei com esse sistema. Temos condenações na Justiça brasileira para esse tipo de operações. Os discípulos da Georgina foram condenados por operações semelhantes às que o Serra fez, que o genro (dele, Alexandre Bourgeois) fez, que o (Gregório Marín) Preciado fez, que o Ricardo Sérgio fez.
– Está dito no seu livro que pessoas ligadas a Serra que teriam participado desse esquema?
– Ricardo Sérgio, a filha (Verônia Serra), o genro (Alexandre Bourgeois), Preciado, o primo da mulher dele, e, acima, (o banqueiro) Daniel Dantas, o cara que comandava todo esse esquema de corrupção – crava.
No livro, Amaury Jr. afirma que faria parte das operações uma sociedade entre Verônica Serra, filha do ex-governador Serra, e Verônica Dantas, irmã de Daniel Dantas.
– Conto como Verônica Serra e a Verônica Dantas se uniram para implementar um pagamento de propina muito evidente para o clã Serra. Inventaram essa sociedade entre elas em Miami. Quem investe nessa sociedade? Os consórcios que investiram e ganharam (na privatização): o Opportunity, o Citibank. Eles que dão o dinheiro, está no site deles próprios. Em 2002, quando Serra era candidato a presidente do Brasil, o Dantas quis chantagear. Quem revelou isso aí? Fui eu, o jornalista investigativo? Foi a própria revista IstoÉ Dinheiro que revelou a sociedade de Dantas e o clã Serra. Porque ele tinha dificuldade em compor a Previ, do governo, do Banco do Brasil. Ele estava chantageando os tucanos para compor com ele. Veja como o Dantas é manipulador nessa história toda. Primeiro veio a matéria para justificar o dinheiro dessa corrupção, dizendo que a Verônica Dantas havia enriquecido porque era uma mártir das telecomunicações. Depois, veio uma matéria fajuta… Quando não o satisfazia, (Dantas) chantageou o Serra. Para compor com a Previ, que estava com problemas com a Telecom, naquele processo todo – relembra.
O jornalista afirma, ainda ter descoberto que a sociedade de Verônica Dantas e Verônica Serra “não acabou, como disseram. Foi para as Ilhas Virgens, sendo operada pelo Ricardo Sérgio”.
– Para quê? Jogar dinheiro aonde? Para a própria filha do governador do Serra. Mapeei o fluxo do dinheiro, esses caras roubaram, receberam propina, e a propina está rastreada. O dia em que o Dantas deu a propina da privatização, peguei a ponta batendo no escritório da filha dele lá no (bairro paulistano do) Itaim-Bibi. O Dantas pagou pro Serra. A parte da propina do Serra está documentada – garante.
A propina seguia, então, das Ilhas Virgens para as contas dos donos do poder, naquela época, e quem conduzia o processo eram os consórcios das privatizações, diz o livro, “todos liderados por homens da confiança do Serra. (O líder) era o Ricardo Sérgio Oliveira. Foi caixa de campanha dele. Isso é um saque que eles fizeram da privatização brasileira”.
– Na condição de diretor internacional do Banco do Brasil, o Ricardo Sérgio assinou uma portaria que permitia a bancos brasileiros possuir contas em bancos correlatos no Paraguai, e vice versa. Essa medida tinha como pretexto facilitar a movimentação de dinheiro dos brasileiros que possuem comércio no Paraguai. No entanto, se transformou no maior duto para lavagem de dinheiro. Em vez do dinheiro vir para o Brasil, os doleiros passarama a usar esse mecanismo pra mandar todo o dinheiro para uma agência do Banestado em Nova York. Pode-se dizer que Ricardo Sérgio atuou nessa ponta da lavanderia do Banestado – disse.
E continuou: “Segundo ponto: Ricardo Sergio foi o grande artesão dos consórcios das empresas de telecomunicações durante as privatizações, no governo FHC. Ele conseguia manipular a formação dos grupos porque controlava o Fundo de Previdência dos funcionários do Banco do Brasil (Previ), e decidia a forma como o Previ participaria dos consórcios. Ele conseguia isso porque o presidente do Fundo era um aliado dele, o João Bosco Madeiro da Costa.
– Por fim, Ricardo Sérgio criou a metodologia de usar as offshores nas Ilhas Virgens Britânicas, principalmente no Citco. Essas offshores eram usadas pra internar (trazer de volta ao Brasil) dinheiro que saiu ilegalmente do país, por meio de uma rede de doleiros.
Quem indicou Ricardo Sergio para o Banco do Brasil, segundo Amaury Jr., foi “Clovis Carvalho, homem muito próximo de FHC (foi ministro da Casa Civil) e Serra”.
Fogo amigo
De acordo com o livro, o jogo pesado nas eleições também estava presente na equipe de campanha da presidenta Dilma Rousseff. O vazamento de informações sigilosas de dentro do comitê da candidata, segundo Amaury Jr., era uma ação coordenada de dentro do próprio partido.
– Eu achava que era coisa do (ex-delegado federal Marcelo) Itagiba ou do (candidato a vice-presidente, deputado do PMDB, Michel) Temer. Aí vem a surpresa: era o fogo-amigo do PT. Do Rui Falcão (atual presidente do PT e deputado estadual) – acusa.
O episódio rendeu ao autor de A Privataria Tucana um processo, ao qual responde na Polícia Federal, em que é acusado pela quebra do sigilo fiscal da filha de Serra para um suposto dossiê encomendado pela equipe de campanha da atual presidenta.
– Claro. Por quê? Quebra de sigilo fiscal. É um crime administrativo que só se imputa a funcionário público. O inquérito todo da Polícia Federal é uma fraude, não tem foco. Foi aberto para apurar quebra de sigilo fiscal e abrange tudo. Nunca vai atingir a mim. Mas precisavam ter um herói, e me jogar para o público. A imprensa (conservadora) queria o último factoide para jogar sobre a Dilma no segundo turno. O que fizeram? Deturpar meu depoimento na Polícia Federal. Eu nunca disse que quebrei sigilo de nenhuma pessoa, mas o cara da Folha (de S. Paulo) disse, ele deturpou, induziu todo mundo a dizer que confessei ter quebrado o sigilo fiscal. Ele mentiu sobre um depoimento na Polícia Federal, e a mídia toda espalhou isso. Era a única arma dessa imprensa carrasca, que mostrou seu lado. Eu nunca disse isso, meus quatro depoimentos são coerentes, têm uma lógica. A imprensa foi bandida – aponta.
Sem resposta
Procurado pelo Correio do Brasil, neste sábado, o ex-governador paulista José Serra não atendeu às ligações. Já o ex-presidente FHC, questionado em uma entrevista na FSP sobre os relatos feitos por Amaury Jr. preferiu desqualificar o jornalista.
– O autor desse livro está sendo processado. Está na Polícia Federal (PF). Até lá, quem está sub judice é ele – disse.
FHC aproveitou para defender Ricardo Sérgio, ex-diretor do Banco do Brasil, citado por Amaury no livro como o grande operador do esquema de corrupção.
– Eu não tenho nada que o desabone – afirmou.
Outro tucano, cotado para concorrer à Presidência da República nas eleições de 2014, o senador Aécio Neves também preferiu não comentar a obra na qual é citado pelo autor.
– Eu não li ainda, quando eu ler eu comento com vocês – concluiu, em conversa com repórteres em Salvador, onde esteve na noite passada, para uma série de compromissos partidários.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Bastidores da troca no “JN”



publicado por luisnassif, qui, 01/12/2011 
 
A Globo confirma a saída de Fátima Bernardes do “JN”. No lugar dela deve entrar Patrícia Poeta – atual apresentadora do “Fantástico”.
Fiz hoje pela manhã – no twitter e no facebook – algumas observações sobre a troca; observações que agora procurarei consolidar nesse post. Vejo que há leitores absolutamente céticos: “ah, essa troca não quer dizer nada”. Até um colunista de TV do UOL, aparentemente mal infomado, disse o mesmo. Discordo.
Primeiro ponto: a Patrícia Poeta é mulher de Amauri Soares. Nem todo mundo sabe, mas Amauri foi diretor da Globo/São Paulo nos anos 90. Em parceria com Evandro Carlos de Andrade (então diretor geral de jornalismo), comandou a tentativa de renovação do jornalismo global. Acompanhei isso de perto, trabalhei sob comando de Amauri. A Globo precisava se livrar do estigma (merecido) de manipulação – que vinha da ditadura, da tentativa de derrubar Brizola em 82, da cobertura lamentável das Diretas-Já em 84 (comício em São Paulo foi noticiado no “JN” como “festa pelo aniversário da cidade”), da manipulação do debate Collor-Lula em 89.
Amauri fez um trabalho muito bom. Havia liberdade pra trabalhar. Sou testemunha disso. Com a morte de Evandro, um rapaz que viera do jornal “O Globo”, chamado Ali Kamel, ganhou poder na TV. Em pouco tempo, derrubou Amauri da praça São Paulo.
Patrícia Poeta no “JN” significa que Kamel está (um pouco) mais fraco. E que Amauri recupera espaço. Se Amauri voltar a mandar pra valer na Globo, Kamel talvez consiga um bom emprego no escritório da Globo na Sibéria, ou pode escrever sobre racismo, instalado em Veneza ao lado do amigo (dele) Diogo Mainardi.
Conheço detalhes de uma conversa entre Amauri e Kamel, ocorrida em 2002, e que revelo agora em primeira mão. Amauri ligou a Kamel (chefe no Rio), pra reclamar que matérias de denúncias contra o governo, produzidas em São Paulo, não entravam no “JN”. Kamel respondeu: “a Globo está fragilizada economicamente, Amauri; não é hora de comprar briga com ninguém”. Amauri respondeu: “mas eu tenho um cartaz, com uma frase do Evandro aqui na minha sala, que diz – Não temos amigos pra proteger, nem inimigos para perseguir”. Sabem qual foi a resposta de Kamel? “Amaury, o Evandro está morto”.
Era a senha. Algumas semanas depois, Amauri foi derrubado.
Kamel foi o ideólogo da “retomada consevadora” na Globo durante os anos Lula. Amauri foi “exilado” num cargo em Nova Yorque. Patrícia Poeta partiu com ele. Os dois aproveitaram a fase de “baixa” pra fazer “do limão uma limonada”. Sobre isso, o Marco Aurélio escreveu, no “Doladodelá”.
Alguns anos depois, Amauri voltou ao Brasil para coordenar projetos especiais; Patrícia Poeta foi encaixada no “Fantástico”. Só que Amauri e Kamel não se falavam. Tenho informação segura de que, ainda hoje, quando se cruzam nos corredores do Jardim Botânico, os dois se ignoram. Quando são obrigados a sentar na mesma mesa, em almoços da direção, não dirigem a palavra um ao outro. Amauri sabe como Kamel tramou para derrubá-lo.
Pois bem. Já há alguns meses, logo depois da eleição de 2010, recebemos a informação de que Ali Kamel estava perdendo poder. Claro, manteria o cargo e o status de diretor, até porque prestou serviços à família Marinho – que pode ser acusada de muita coisa, mas não de ingratidão.
Otavio Florisbal, diretor geral da Globo, deu uma entrevista ao UOL no primeiro semestre de 2011 dizendo que a Globo não falava direito para a classe C (o Brasil do lulismo). Por isso, trocou apresentadores tidos como “elitistas” (Renato Machado saiu pra dar lugar ao ótimo Chico Pinheiro – aliás, também amigo de Amauri). A  Globo do Kamel não serve mais.
Lembremos que, desde o começo do governo Lula, a Globo de Kamel implicava com o “Bolsa-Família”. Kamel é um ideólogo conservador. Por isso, nós o chamávamos de “Ratzinger” na Globo. É contra quotas nas universidades, acha que racismo não existe no Brasil. Botou a Globo na oposição raivosa, promoveu a manipulação de 2006 na reeleição de Lula (por não concordar com isso, eu e mais três ou quatro colegas fomos expurgados da Globo em 2006/2007). E promoveu a inesquecível cobertura da “bolinha de papel” em 2010 – botando o perito Molina no “JN”. Nas reuniões internas do “comitê” global, ao lado de Merval Pereira, tentava convencer os irmãos Marinho dos “perigos” do lulismo.
Lula sabe o que Kamel aprontou. Tanto que no debate do segundo turno, em 2006, nem cumprimentou Kamel quando o viu no estúdio da Globo. Isso me contou uma amiga que estava lá.
Os irmãos Marinho parecem ter percebido que Kamel os enganou. O lulismo, em vez de perigo, mudou o Brasil pra melhor. Mais que isso: a Globo agora precisa de Dilma para enfrentar as teles, que chegam com muito dinheiro e apetite para disputar o mercado de comunicação. Kamel já não serve para os novos tempos. Assim como os “pitbulls” Diogo Mainardi e Mario Sabino não servem para a “Veja”.
Dilma buscou os donos da mídia, passada a eleição, e propôs a “normalização” de relações. O governo seguiu apanhando, na área “ética” – é verdade. O que não atrapalha a imagem de Dilma. Há quem veja na tal “faxina” um jogo combinado entre a presidenta e os donos da mídia. Será? Dilma tiraria as “denúncias” de letra (o custo ficaria para Lula e os aliados). Do outro lado, os “pitbulls” perderiam terreno na mídia. É a tal “normalização”. Considero um erro estratégico de Dilma. Mas quem sou eu pra achar alguma coisa. O fato é que a estratégia hoje é essa!
Patricia Poeta no “JN” parece indicar que a “normalização” passa por Ali Kamel longe do dia-a-dia na Globo (ele ainda tenta manobrar aqui e ali, mas já sem a mesma desenvoltura). Isso pode ser bom para o Brasil.
Não é coincidência que a Globo tenha permitido, há poucos dias, aquela entrevista do Boni admitindo manipulação do debate de 89. A entrevista (feita pelo excelente jornalista Geneton de Moraes Neto) foi ao ar na “Globo News”. Alguém acha que iria ao ar sem conhecimento da família Marinho? Isso não acontece na Globo!
Durante os anos de poder total de Kamel, a Globo tentou “reescrever” o passado – em vez de reconhecer os erros. Kamel chegou a escrever artigo hilário, tantando negar que a Globo tenha manipulado a cobertura das Diretas. Virou piada. Até o repórter que fez a “reportagem” em 84 contou pros colegas na redação (eu estava lá, e ouvi) – “o Ali é louco de tentar negar isso; todo mundo viu no ar”.
Ali Kamel nega o racismo, nega a manipulação, nega a realidade. Freud explica.
Agora, Boni reconhece que a Globo manipulou em 89. Isso faz parte do movimento de “normalização”. O enfraquecimento de Kamel também faz.
Tudo isso está nos bastidores da troca de apresentadores do “JN”. Mas claro que há mais. Há a estratégia televisiva, pura e simples. Fátima Bernardes deve comandar um programa matutino na Globo. As manhãs são hoje o principal calcanhar de aquiles da emissora carioca. A Record ganha ou empata todos os dias. Com o “Fala Brasil”, e com o “Hoje em Dia”. Ana Maria Braga não dá mais conta da briga – apesar de ainda trazer muita grana e patrocinadores.
Fátima deve ter um novo programa nas manhãs. Ana Maria será mantida. Até porque na Globo as mudanças são sempre lentas – como no Comitê Central do PC da China. A Globo é um transatlântico que se manobra lentamente.
Se a Fátima emplacar, pode virar uma nova Ana Maria. O programa dela deve contar com outras estrelas globais (Pedro Bial, quem sabe?).
A mudança de apresentadores tem esse duplo sentido: enfraquecimento de Kamel (que continuará a ter seu camarote no transatlântico global, mas talvez já não frequente tanto a cabine de comando); e estratégia pra recuperar audiência nas manhãs.
A conferir.


sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O SAMBA NO MONT' SERRAT


por Osvaldo Reis

No dia que se comemora no Brasil o SAMBA segue um registro fotográfico do álbum de fotografias, que o vô Julio Ferreira colecionou e deixou como legado histórico.
O Grupo de sambista é do início dos anos de 1940 faziam samba de morro, quando o Mont' Serrat, era bairro de negro e sambista.
Vejam que o Banjo já era utilizado e quem executa é o famoso Varejão, pai do músico Bia do Pandeiro, havia o acompanhamento de clarinete e na percussão Pretinho e seus amigos.









domingo, 27 de novembro de 2011

O que fazer com Serra?

publicado, originalmente, no blog do Noblat.

por Marcos Coimbra*

Como aqueles entes sobrenaturais incômodos que, às vezes, aparecem nas casas antigas, o ex-governador José Serra, volta e meia, se manifesta. Desde o início do ano, foram várias.
Em todas, causou embaraços e constrangimentos a seus correligionários. Quando, por exemplo, no primeiro semestre, resolveu pisar fundo nas críticas ao PT e a Dilma, em um texto que denunciava a “herança maldita de Lula” (vindo de quem havia se apresentado, em 2010, como o “Zé que vai continuar a obra de Lula”).
Justo na hora em que os governadores e parlamentares tucanos procuravam estabelecer um clima de diálogo com o governo.
Outro dia, se materializou, subitamente, no encontro peessedebista que estava sendo realizado no Rio de Janeiro, marcado - talvez por coincidência - para quando tinha dito que estaria indisponível. Voltou às pressas da Europa e lá surgiu.
Como a maior parte dos debatedores ali reunidos reprovava a campanha que fizera ano passado, teve que ouvir o que não queria.
Procurando acomodá-lo no arranjo partidário que emergiu da convenção de maio, arrumaram-lhe uma função para a qual se revelou inapto. Não faz sentido que o conselho político de um partido seja presidido por quem não dá mostras de querer ouvir os outros. Por quem quer apenas externar pontos de vista individuais.
Até agora, no entanto, Serra não tinha ido tão longe como foi na discussão da estratégia do PSDB para a sucessão da prefeitura de São Paulo. Na última terça feira, para espanto do meio político, saiu-se com a tese de que seu partido não deveria ter candidato a prefeito na maior cidade do país, a capital do estado que governa desde 1994 e o principal bastião tucano nacional.
Seu argumento é que o PSDB não tem “candidatos viáveis” e que, por isso, deveria se aliar ao PSD, cerrando fileiras em torno da candidatura de Guilherme Afif. Os quatro pré-candidatos tucanos que estão em campo - alguns intimamente ligados a ele -seriam perdedores.
Disputam a indicação os deputados José Aníbal, Ricardo Trípoli e Bruno Covas, assim como o secretário de Cultura do estado, Andrea Matarazzo. Todos, cada um a seu modo, estão qualificados para reivindicá-la – dois são deputados federais bem votados, um foi o campeão de votos para a Assembléia Legislativa (além de ser neto de Mário Covas), outro foi ministro de FHC e subprefeito na administração Serra.
Qualquer um deles é um “nome novo” para a prefeitura (especialmente Bruno Covas). O que não seria nada extraordinário na eleição que, provavelmente, teremos em São Paulo no ano que vem, pois vários dos possíveis candidatos de outros partidos também o são.
Seria nacionalmente relevante uma eleição em que os três maiores partidos apresentassem sua nova geração: Fernando Haddad, pelo PT, Gabriel Chalita, pelo PMDB, e um “nome novo” do PSDB. Ao invés do enésimo enfrentamento da “velha guarda”, nomes para o futuro.
Lula e Temer sabem que seus partidos precisam disso. Todas as movimentações de Alckmin sugerem que ele também. Os três raciocinam partidariamente (além de pensar, como a vasta maioria dos seres humanos, também em si mesmos). Serra, ao que parece, não. Sua aposta nunca é o novo. É o que ele considera “viável”.
A questão é como defini-lo. Em uma de suas frequentes amnésias seletivas, Serra se esquece de sua própria trajetória. Em 1988, quis ser candidato a prefeito e teve uma performance de nanico, com pouco mais que 5% dos votos (mas não se achava “inviável”). Em 1996, com Fernando Henrique no poder e o plano real nas alturas, voltou ao páreo e nem chegou ao segundo turno (mas continuou se acreditando “viável”).
Há quem ache que ele “não quer” ser candidato a prefeito em 2012, por ter medo de vencer e, assim, ser obrigado a abdicar de seu sonho presidencial. É improvável: o que tem é um fundado receio de perder, justificado pelo fraco desempenho nas pesquisas.
O que ele quer, mais uma vez, é que o PSDB faça o que ele quer. Se não é candidato, que ninguém o seja, assim permitindo que o partido seja usado na montagem da “estratégia nacional” que imaginou. E que só interessa a ele mesmo (e a seus amigos).
Os tucanos que resolvam. Às vezes, é melhor ter muitos adversários que um só companheiro assim. 

*Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Pop

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Porto Alegre, uma cidade com toque de recolher. Por Zé Reis*

A atual ofensiva da Prefeitura Municipal de Porto Alegre na fiscalização dos bares, especificamente, no Bairro Cidade Baixa, deve ser analisada para além dos aspectos legais que envolvem a questão e não devem ser secundarizados. É evidente que um bar, uma casa noturna, uma residência, um centro comercial devem respeitar a legislação municipal no que diz respeito às questões ambientais, técnicas, sociais e econômicas, para citar algumas.
Mas, sobejamente, esses aspectos não são os únicos neste debate. A noite do Bom Fim já foi referência, mas, agora não existe mais. A noite da Independência já foi referência, mas foi eliminada. Agora, chegou à vez da Cidade Baixa.
Uma cidade se constitui de diversos atores e culturas. E numa sociedade que se pretende cosmopolita, metrópole e democrática todos devem ser respeitados e conviverem harmonicamente.
O que está em questão é como Porto Alegre vai conviver com seus moradores que gostam de frequentar bares e casas noturnas, com os turistas que visitam a cidade e querem se divertir, com os empreendedores que investem neste segmento e com os trabalhadores que retiram seu sustento dessas atividades?
Será à base de um toque de recolher? Pois, a atual administração não quer permitir que bares funcionem após a meia-noite? Será tratando como marginais os frequentadores desses estabelecimentos? Sim, pois por alguns depoimentos parece que é a maioria dos frequentadores que tumultuam as imediações dos bares e restaurantes.
Todos nós temos direito ao lazer e ao descanso.  Criar formas de convivência entre os diversos interesses e motivações é tarefa de todos nós.  Se é necessário garantir o descanso, não é menos necessário garantir o direito ao lazer.
Atualizar as exigências sim, mas não se pode impedir o direito a diversão. O atual governo municipal prometeu agilizar a concessão de alvarás e licenças, mas, o que se sabe é que a morosidade e a burocracia continuam.  E como isso não se resolve, optou por tratar como caso de polícia a liberação ou não do funcionamento dos estabelecimentos. 
Se a situação não for resolvida com bom senso, talvez algum dirigente municipal proponha uma zona de exclusão dos frequentadores de bares e casas noturnas, o que seria um absurdo para uma cidade que pretende realizar uma Copa do Mundo e se diz a Capital do MERCOSUL.
*Zé Reis – Secretário-Geral do PT de Porto Alegre, Cientista Político.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Serra admite que PSDB não tem nome para 2012, tucanos insistem

puiblicado originalmente no blog Correio do Brasil, em 23/11/11


PSDB
PSBD deve apresentar o candidato à prefeitura de SP em janeiro e o partido ainda não decidiu um nome para as eleições 



Em janeiro de 2012, o PSDB deverá realizar prévias para escolher seu candidato a prefeito. Mas o impasse que tem dividido a opinião dos caciques tucanos e gerado novas polêmicas internas é falta de nomes conhecidos pelo eleitorado da capital.
Os quatro pré –candidatos que, até o momento, tiveram seus nomes citados entre as opções do partido para as eleições têm pouca representatividade entre o eleitorado da capital — o que tem gerado dúvidas e discórdias sobre a estratégia dos tucanos para 2012.
A investida de Serra contra a realização das prévias levou a cúpula do PSDB a reagir na última terça-feira com a publicação de uma nota em que o partido se declara disposto “de maneira inconteste” a disputar as eleições com candidato próprio.
O desgaste da relação de Serra com a cúpula do tucanato não é novidade. Os constantes desentendimentos entre o ex-governador e outras lideranças do partido como o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o governador de SP Geraldo Alckmin são uma mostra da divisão do tucanos e da luta interna por poder.
Discussão
Um dos mais recentes episódios envolvendo Serra aconteceu no último fim de semana, quando o ex-governador discutiu por telefone com o presidente do diretório estadual, Pedro Tobias. Segundo a Folha, Tobias teria se queixado a três pessoas de sua confiança da atitude de Serra.
O bate boca teria ocorrido depois que o presidente do diretório estadual disse a Serra que sua avaliação sobre a falta de competitividade dos candidatos tucanos era uma “bobagem completa” e que o partido não poderia abrir mão da candidatura própria em 2012.
Serra afirmou a Tobias que não se envolverá na campanha se o partido insistir em lançar candidato próprio e vetar a aliança com o PSD, o partido criado neste ano pelo prefeito Gilberto Kassab.
Derrotado nas eleições presidenciais de 2010, Serra tem recebido apelos para se candidatar a prefeito, por ser o tucano mais bem colocado nas pesquisas de intenção de voto. Mas ele nega ter interesse em participar da disputa.
A reação do PSDB de São Paulo teve apoio do presidente nacional da legenda, deputado Sérgio Guerra (PE). O governador Geraldo Alckmin foi informado do teor da nota e deu aval à sua divulgação.
Mesmo tucanos próximos a Serra, como o secretário estadual da Cultura, Andrea Matarazzo, um dos quatro pré-candidatos do partido, discordam da tese de que o PSDB deveria abrir mão da candidatura e apoiar o PSD.
Mais desentendimentos
A discussão com Tobias não foi o único atrito em que Serra se envolveu nos últimos dias. No último sábado, como informou ontem o Painel da Folha, ele questionou o presidente da Juventude do PSDB paulista, Paulo Mathias, 20, sobre a omissão de seu nome numa publicação do movimento.
Segundo relatos de pessoas presentes, Serra disse ao estudante que a Juventude Tucana era “um bando de pelegos” e que ele não deveria “se intrometer em questões nacionais e municipais”.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

"Eu tenho um sonho": o discurso de Martin Luther King



publicado no blog Política para Políticos


Um dos mais importantes textos na luta pela igualdade racial nos Estados Unidos
Martin Luther King foi um dos maiores oradores políticos do século XX. Seu estilo adaptou a oratória sacra das Igrejas negras do Sul dos EUA, com suas canções e diálogos entre o pastor e os fiéis, à luta pela igualdade racial, na década de 60, até que foi assassinado em 1968.

o famoso discurso de Martin Luther King foi feito por ocasião da Marcha sobre Washington, em 28 de agosto de 1963



O ponto mais elevado desta oratória foi o discurso pronunciado por ocasião da Marcha sobre Washington, em 28 de agosto de 1963, quando estava em discussão no Congresso Americano, a Lei dos Direitos Civis, encaminhada por Kennedy. Defensor da estratégia da “não violência” ao estilo Ghandi, Martin Luther King, provocou e enfrentou a reação do racismo nas ruas das cidades do sul dos EUA.
Suas passeatas, contrariando determinações policiais que as proibiam e a ocupação de lugares reservados para brancos nos ônibus e lancherias, provocavam a reação policial com mangueiras de bombeiros, cães e cassetetes, e, no final a prisão, para dramatizar, perante a opinião pública, o absurdo moral da segregação racial.
Na sua “Carta de uma prisão em Birmingham”, dirigida aos pastores brancos do estado de Alabama, ele dizia:
“Meus amigos. Eu devo dizer a vocês que nós não tivemos nenhuma conquista nos direitos civis sem o exercício de uma pressão legal, não violenta e determinada. (...) Nós sabemos, por dolorosa experiência, que a liberdade nunca é concedida voluntariamente pelo opressor; ela deve ser reclamada pelos oprimidos.(...) Por muitos anos eu tenho ouvido a palavra “esperem”. Ela soa aos ouvidos de um negro com uma cortante familiaridade. Este “esperem” sempre significou “nunca”
Nos seus sermões dialogados com os fiéis, Martin Luther King, insistia em que o momento era chegado. Que não havia mais nenhuma justificativa para o “Esperem”. Ele dizia :
“O que vocês querem?” . Os fiéis respondiam em uníssono: “Liberdade”. Ao que ele perguntava: “Eu quero ouvir de novo. Não ouvi bem. O que vocês querem?” “Liberdade”, gritavam os fiéis, ainda mais alto. “Para quando vocês querem a liberdade?”. O que levava os fiéis ao delírio, gritando sem parar: “Liberdade agora. Liberdade agora. Liberdade agora.”
Na Marcha sobre Washington, quando uma multidão de quase 1 milhão de pessoas reuniu-se em frente ao monumento a Lincoln, ele pronunciou o seu famoso discurso “Eu tenho um sonho”:

O discurso

“Ainda que enfrentemos as dificuldades de hoje e de amanhã, Eu tenho um sonho. Eu ainda tenho um sonho. Eu tenho um sonho no qual vejo que um dia esta nação se levantará e cumprirá o seu princípio mais importante: ‘Nós acreditamos que estas verdades são auto-evidentes: que os homens são criados iguais pelo seu Criador’ Eu tenho um sonho. Um sonho de que em algum dia, nas colinas vermelhas da Geórgia, os filhos dos escravos e os filhos dos donos de escravos estarão sentados na mesa em que todos são irmãos.
Eu tenho um sonho de que mesmo o estado de Mississipi, um estado intumescido com o calor da injustiça, será transformado num oásis de liberdade.
Eu tenho um sonho de que um dia, `cada vale será exaltado, cada colina e montanha será rebaixada, os lugares ásperos serão tornados suaves, os lugares de maldade serão tornados honestos, e a Glória do Senhor se revelará, e toda a carne a verá ao mesmo tempo’.
Esta é a nossa esperança. É com esta fé que retorno ao Sul. Com esta fé, estamos dispostos a trabalhar juntos, a rezar juntos, a lutar juntos, a ir para a cadeia juntos, e a nos levantarmos juntos em defesa da liberdade, sabendo que seremos livres algum dia.

Martin Luther King provocou e enfrentou a reação do racismo nas ruas das cidades do sul dos EUA. 
Este será o dia em que os filhos de Deus cantarão juntos : Meu país, doce terra de liberdade, para ti eu canto. Terra onde meus pais morreram, terra do orgulho dos peregrinos, de qualquer lado da montanha, que toque o sino da liberdade. Se a América quiser ser uma grande nação, então isto terá que se tornar verdadeiro. Que toque então o sino da liberdade. Quando permitirmos que toque o sino da liberdade, quando deixarmos que toque em qualquer cidadezinha de qualquer Estado, estaremos preparados para nos erguer neste dia, e todos os filhos de Deus, brancos ou negros, judeus ou gentios, protestantes ou católicos, daremos as mãos para cantar uma antiga canção negra religiosa: `Enfim livres. Enfim livres. Graças ao Senhor todopoderoso. Estamos livres enfim”
A multidão, ao fim do discurso, como que hipnotizada pela oratória pedia : “Sonha mais. Continua sonhando”, e, antes de se dispersar se pôs a cantar:
“Nós vamos vencer (We shall overcome) Nós vamos vencer. Nós vamos vencer algum dia. No fundo do meu coração eu acredito que nós vamos vencer um dia.”
Difícil reproduzir o mesmo impacto da palavra falada com o texto escrito, ainda mais quando traduzido. A força deste discurso foi extraordinária, sua autenticidade comovedora, e a sua mensagem de união de todos pela liberdade tornou-se um símbolo.
Em 1968, a voz de Martin Luther King seria calada pela bala de um assassino, mas o seu exemplo e a sua lição pavimentaram o solo político americano, para as grandes conquistas dos direitos civis para os cidadãos negros naquele país.

A grande mídia e a falsa disputa entre liberdade vs. censura

  Por Venício Lima
Diante da feroz reação da grande mídia às propostas apresentadas (e àquelas que sequer foram apresentadas) no IV Congresso Extraordinário do Partido dos Trabalhadores, relativas a um Marco Regulatório para as Comunicações, escrevi no Observatório da Imprensa nº 658: A saída parece ser colocar imediatamente para o debate público um projeto de marco regulatório. (…) Diante de uma proposta concreta de regulação democrática – a exemplo do que acontece nos países civilizados – seus eternos opositores terão que mostrar objetivamente onde de fato está a defesa da censura e onde se postula o controle autoritário da mídia. Não há alternativa.
Mídia
Menos de três meses depois, o fato de o Governo Dilma não haver ainda apresentado um projeto de Marco Regulatório, aliado à incapacidade dos “não-atores” [organizações da sociedade civil; entidades representativas da mídia pública (comunitária) e o próprio Ministério Público] de interferir efetivamente na definição da agenda pública e, mais do que isso, no enquadramento dos temas dessa agenda, vai aos poucos consolidando um falso cenário (“communication environment”) em relação ao que de fato está em jogo.
A grande mídia está vencendo a “batalha das idéias” e tem conseguido construir como significação dominante no espaço público que a sociedade brasileira estaria diante de uma disputa entre liberdade (liberdade de expressão) e censura do estado (regulação, autoritarismo).
Quem é contra a liberdade?
Na verdade esta é uma velha e conhecida tática utilizada por certos setores da sociedade brasileira. Escolhe-se um princípio sobre o qual existe amplo consenso e desloca-se a questão em disputa para seu campo de significação. Como em política, apoiar uma posição significa estar contra outras, é preciso identificar um adversário, no caso, os inimigos da liberdade. A quem se convenceria se ninguém defendesse a posição contrária? É necessário, portanto, que a grande mídia convença a maioria da população de que “alguém” é contra a liberdade – mesmo que nossa história política, em várias ocasiões, revele exatamente o inverso. Como a grande mídia (ainda) tem o poder de construir a agenda pública e enquadrá-la, repete exaustivamente a “inversão” até criar um ambiente falso no qual ela – a grande mídia – se apresenta como a grande defensora da liberdade. Resultado: se interdita a possibilidade de um debate racional do que de fato está em jogo.
Manuel Castells – um dos maiores estudiosos da comunicação nas “sociedades em rede” globalizadas – explica que o poder é exercido através da construção de significados na base dos discursos que orientam a ação dos atores sociais. E, claro, o significado é construído pelo processo de “ação comunicativa” na esfera pública, isto é, na rede (network) de comunicação, informação e pontos de vista [cf. “Communication Power”, Oxford, pbk. 2011].
Liberdade tem sido um dos termos mais problemáticos e difundidos do pensamento moderno, tanto na consciência popular quanto na conceituação de “experts”. Junto com outros termos como desenvolvimento e democracia, é parte da história da modernidade que tem dominado o pensamento ocidental pelos últimos três séculos. Durante a Guerra Fria, liberdade serviu como argumento central na disputa ideológica entre o ocidente e o oriente e, em parte, também contra o “Terceiro Mundo”. Com o fim da União Soviética, o uso ideológico da liberdade ganha novas dimensões e contornos [cf. K. Nordenstreng, “Myths about press freedom”, Brazilian Journalism Research, vol. 3, nº 1, 2007; p. 15 e segs.].
Censura vs. liberdade de expressão
Nesse contexto, não basta comprovar que a mídia é regulada nas democracias mais avançadas do mundo; não basta propor que as normas e princípios já constantes da Constituição de 88 sejam o “terreno comum” para as negociações (como fez o ex-ministro Franklin Martins recentemente em Porto Alegre); não basta mostrar que as mudanças tecnológicas exigem uma atualização da legislação; não basta reiterar compromissos com a Constituição Federal e com a liberdade de expressão. Nada é suficiente.
O vazio provocado pela ausência de propostas concretas do governo e a incapacidade dos “não-atores”, faz com que o campo de significações sobre o que constitui um Marco Regulatório das Comunicações esteja sob o controle daqueles que são contrários a ele.
Essa é a situação em que nos encontramos hoje.
O que fazer?
É possível alterar “o ambiente de comunicação” vigente e recolocar o debate em termos compatíveis com a convivência democrática entre opiniões e idéias divergentes?
Para os “não-atores” e os partidos políticos que agora se comprometem diretamente com essa bandeira, não existe outra forma senão pressionar o Governo para que torne público “um” Projeto de Lei e insistir, através de todos os recursos alternativos existentes – e aqui as novas TICs desempenham um papel fundamental – que um Marco Regulatório para as Comunicações significa, de fato, a garantia de que mais vozes se expressem no debate público, que haja mais participação, mais pluralidade, mais diversidade, isto é, mais – e não menos – liberdade.
É exatamente a possibilidade de ampliação da democracia que contraria os (ainda) poderosos interesses dos poucos grupos que, ao longo de nossa história, tem entendido, praticado e defendido a liberdade de expressão como se ela fosse somente sua e impedido que a voz da imensa maioria da população seja ouvida.
A ver.

Venício Lima é Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.