domingo, 30 de dezembro de 2012

O “novo” (velho!) secretariado de Fortunati, por Paulo Muzell



Desde que assumiu a Prefeitura no primeiro semestre de 2010 para completar o mandato iniciado por José Fogaça, Fortunati tornou público seu desconforto. Assumia as responsabilidades de um governo e de uma equipe que não eram seus. Mais jovem e ambicioso, procurou imprimir um ritmo de trabalho que contrastasse com a lentidão e a pachorra características de seu antecessor, um ex-senador de dois mandatos. O novo prefeito, numa linguagem muda, claramente queria passar à opinião pública um recado à la Roberto Carlos, do tipo “jovem guarda”: “daqui pra frente, tudo vai ser diferente!”.
Reeleito no primeiro turno com 65% dos votos Fortunati reforçou seu discurso “mudancista”. Os “feudos partidários” seriam quebrados: secretário de um partido, secretário adjunto de outro. Anunciou, também, um sistema de cobrança sistemático. De três em três meses cada secretário deverá prestar contas do andamento de seus projetos, mau desempenho resultará em afastamentos, não será tolerada a acomodação.
A composição do seu secretariado que assumirá em janeiro próximo, recentemente anunciado, desmente o discurso oficial.
Apesar do confortável resultado eleitoral, o discurso do prefeito é um reconhecimento de que nem tudo vai bem e de que o desempenho da sua administração precisa melhorar, e muito. Examinando os dados da execução orçamentária e os relatórios da Prefeitura, constatamos que o nível de execução das obras e projetos informa claramente isto.
Dos 917 milhões que o orçamento municipal previa para destinar à obras e reequipamento em 2012, foram aplicados apenas 377 milhões, ou seja, 41%. Importantes secretarias tiveram desempenho pífio. Na EPTC/SMT os dois principais projetos praticamente “não saíram do papel”. No “Bus Rapid Transit”, de 75,7 milhões de recursos previstos, foram investidos apenas 5,4 milhões (7%). O monitoramento eletrônico dos corredores tinha recursos de 11,1 milhões e foram gastos apenas 1,6 milhões (14%). E o secretário de Transportes e presidente da EPTC, Vanderlei Capellari permanecerá no cargo.
A Secretaria da Saúde (SMS) – a de pior avaliação dentre os serviços municipais – continuará sob a direção de Carlos Casartelli. Dos 73,9 milhões que constavam no orçamento da saúde para obras e reequipamento hospitalar foram efetivamente aplicados apenas 12,1 milhões (16%). Também na SMAM o desempenho não foi melhor. Dos 21 projetos que constavam no programa de trabalho da secretaria, quase dois terços – treze – sequer foram iniciados. E o seu titular, Luiz Fernando Zachia, foi mantido no cargo para o próximo período de governo. Os três titulares de importantes órgãos – SMS, SMAM e SMT – foram “premiados” apesar do péssimo desempenho. Pergunta: quem deixou de fazer no passado recente, será que no futuro fará?
Dos 36 cargos do primeiro escalão dezoito atuais ocupantes serão mantidos nos seus postos. O núcleo central do governo: Gestão, Fazenda, Procuradoria e Governança Local será o mesmo. Permanece o diretor-geral da principal autarquia municipal, o DMAE e, também os presidentes da Carris, da Procempa e da FASC. Nas micro-órgãos permanecem Pompeo de Mattos (Trabalho e Emprego) e no Gabinete de Inovação (INOVAPOA) é mantida Debora Villela. Ana Pellini e Edmar Tutikian, dois quadros egressos do governo Yeda já integravam o primeiro escalão de Fortunati, apenas trocaram de posição, o mesmo acontecendo com Izabel Matte que assume a secretaria de Planejamento Estratégico e Orçamento.
Há outras trocas de cargos: Humberto Goulart, que já dirigiu o DEMHAB vai para a SMIC, Idenir Cecchim que dirigiu a SMIC vai para a recém criada secretaria de Urbanismo. O atual diretor do DEP, Ernesto Teixeira assume a Defesa Civil. E finalmente Eloy Guimarâens, “figurinha carimbada”, ex-secretario municipal de transportes de Collares nos anos oitenta e recentemente integrante do secretariado de Yeda Crusius vai para a secretaria da Administração. Na SMOV troca-se Cássio Trogildo – denunciado por fraude eleitoral – por Mauro Zacher, denunciado por supostas irregularidades na gestão do Pro-Jovem, vítima do próprio “fogo amigo” de seus correligionários do PDT. A saída de Trogildo foi compensada pela indicação de seu cunhado , Everton Braz para o DEMHAB. Questionado sobre a indicação Fortunati, rindo, lembrou um velho slogan cunhado décadas atrás para defender a candidatura de Leonel Brizola à presidência: “cunhado não é parente”. O mesmo ele não poderá dizer da indicação de sua esposa, Regina Becker, para dirigir a secretaria extraordinária de Defesa dos Direitos Animais, a SEDA. Regina Becker já atuava junto à SEDA desde sua criação em 2010, embora oficialmente ocupasse cargo na Assembléia Legislativa. O sucesso eleitoral fez com que Fortunati oficializasse a situação da esposa na secretaria.
Caras novas, mesmo só em algumas secretarias recém criadas ou de modesta estrutura e orçamento: José Freitas na Segurança, Luciano Marcantonio nos Direitos Humanos, Luizinho Martins na Juventude e Roque Jacoby na Cultura.
 * publicado no blog  RS URGENTE, de Marcos Aurélio Weissheimer, em 27/12/12.

2012 na Política: O Governo, por Marcos Coimbra



Um governo que é avaliado como “ótimo” ou “bom” por 62% das pessoas tem muito que comemorar. Uma presidente cujo trabalho é aprovado por 78% da população, também.
São os números da pesquisa CNI/Ibope feita entre os dias 6 e 9 de dezembro, em que foram ouvidas 2002 pessoas.
Dilma chega à metade de seu mandato com avaliação melhor que a de qualquer um de seus antecessores em momento parecido. Desde quando existem dados comparáveis, ninguém obteve números semelhantes.
Fernando Henrique, por exemplo, nunca alcançou esse índice, sequer na época em que atravessava sua fase áurea. A vitória contra a inflação, a equivalência do real com o dólar, o quilo de frango que valia uma moeda, a sensação de que a economia entrava em rota de crescimento, nada disso fez com que chegasse ao número que Dilma tem hoje.
É uma lembrança que mostra quão inadequada é a interpretação que as oposições, especialmente seu braço midiático, oferecem para a popularidade do governo Dilma.
Na enésima repetição do velho chavão de que “É a economia, estúpido!”, limitam a explicação a um único fator: para elas, as pessoas comuns, que constituem a grande maioria, pensam com a barriga. Quando estão de pança cheia, aprovam o governo.
Trata-se de um equívoco baseado em puro preconceito, segundo o qual o povo só é capaz de avaliações unidimensionais. Ao contrário dos bem pensantes, que conseguiriam fazer raciocínios complexos.
Assim como a população não gostava de Fernando Henrique por vários motivos - ainda que aprovasse sua atuação no controle da inflação -,gosta de Dilma por diversas razões, mesmo reconhecendo que há políticas que não funcionam de maneira satisfatória.
O tamanho da aprovação do governo neste final de ano foi duplamente decepcionante para a oposição partidária e seus aliados. Ao invés de subir, esperavam que caísse, na confluência do desgaste da imagem do PT causado pelo julgamento do mensalão e do agravamento da situação objetiva da economia.
Dilma ultrapassou, no entanto, os percalços. Por mais que os economistas da oposição estejam pintando quadros fúnebres para o Brasil e insistam em falar em crises, as pessoas se sentem satisfeitas com o presente e otimistas em relação ao futuro.
Por maior que seja a culpabilização do PT, ninguém associa a presidente a qualquer malfeito, real ou inventado.
Não é surpresa, portanto, que tenha a vantagem que tem nas pesquisas para a eleição de 2014. Frente a quaisquer candidatos, venceria, com larga margem, a eleição no primeiro turno. Seu desempenho só é inferior ao de Lula - e por pouco.
Para tentar mudar esse quadro de favoritismo, entrou na moda o argumento de que o País “poderia estar melhor” e só não está por “incompetência gerencial do governo”.
Na opinião de nove em dez analistas da mídia conservadora, Dilma não seria a boa gerente que é apresentada.
Trata-se de uma tese de escassa capacidade de convencimento. Primeiro, porque as pessoas levam mais em consideração os benefícios que estão a seu alcance que os que poderiam, hipoteticamente, obter. Se acreditam que o governo vai bem, porque trocá-lo por algo que não existe?
Em segundo lugar, porque não enxergam alguém melhor que ela. Na opinião da maioria, a oposição teve sua oportunidade nos oito anos em que Fernando Henrique foi presidente e não convenceu. Ao contrário, em retrospecto, mostrou-se inferior aos petistas.
Ainda que a situação da economia piorasse no próximo ano, é difícil que afetasse significativamente a popularidade da presidente e a eleição de 2014.
Como não é isso o mais provável, são poucas as nuvens no horizonte para Dilma. Salvo as de todo dia, com as quais já se acostumou.
Cautela a presidente tem que ter é com a Copa do Mundo. Ela não será cobrada se a seleção for mal, nem aplaudida se for bem nos gramados.
Mas pagará um preço de imagem pessoal muito alto se as pessoas ficarem com o sentimento de que o Brasil perdeu a copa que mais interessa. A da organização do evento e do bom funcionamento das coisas durante sua realização.
Essa, para a população, é mais importante que o hexacampeonato.
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Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

De Vargas a Dilma: o parto de um novo ciclo, por Saul Leblon


Assim como as vantagens comparativas na economia, a relação de forças na sociedade não é um dado da natureza, mas uma construção histórica. E precisa ser exercida politicamente; não é uma fatalidade sociológica. A emergencia de novos atores nas entranhas da economia não cria automaticamente novos sujeitos históricos. Quem faz isso é a ação política.

Os neoclássicos, os neoliberais aqui e alhures, gostariam que o mapa das vantagens comparativas fosse um pergaminho lacrado e blindado em tanque de nitrogênio. Facilitaria a relação de forças favorável à hegemonia conservadora.

Por eles, o Brasil até hoje seria uma pacata fazenda de café. Ou u ma usina de garapa.

Getúlio Vargas rompeu o interdito dos interesses internos e externos soldados na economia agroexportadora. Isso aconteceu em meados do século passado. Até hoje o seu nome inspira desconforto nos sucessores da casa grande; nos intelectuais que enfeitam seus saraus e nos 'canetas' que lhes servem de ventríloquos obsequiosos.

Em 1930 Vargas derrotou a todos. Desobstruiu assim os canais para lançar as bases de um Estado nacional digno desse nome.E abriu as portas a novos sujeitos históricos.

Em 50, no segundo governo, transformaria esse aparelho de Estado em alavanca capaz de assoalhar a infraestrutura da economia industrial que somos hoje.

Ao afrontar o gesso das vantagens comparativas , Vargas alterou a relação de forças na sociedade. Mas não tão sincronizado assim, nem tão solidamente assim, como se veria pelo desfecho em 24 de agosto de 54.

O desassombro daquele período, no entanto, distingue Nação brasileira de seus pares em pleno século XXI.

O Brasil é hoje uma das poucas economias em desenvolvimento que dispõe de uma planta industrial complexa.

A ortodoxia monetarista engordou a manada especulativa no pasto da Selic na década de 90 - o que valorizou o câmbio, a ponto de afogar o produto local em importações baratas até recentemente. Afetou o tônus da engrenagem fabril. Mas não a destruiu; ainda não a destruiu.

É ela ainda que poderá irradiar a inovação e a produtividade reclamadas pelo passo seguinte do nosso desenvolvimento. Não só para multiplicar empregos com salários dignos. Mas sobretudo, para extrair do pré-sal o impulso industri alizante e tecnológico que ele enseja, gerando os fundos públicos requeridos à tarefa da emancipação social brasileira.

Não fosse o lastro fabril, a potencialidade do pré sal não apenas seria desperdiçada, terceirizada e rapinada. Ela conduziria a um duplo salto mortal feito de fastígio imediatista e longa necrose econômica: aquela decorrente da doença holandesa e da dependência externa absoluta. Faria pior: devastaria a relação de forças adequando-a ao domínio conservador.

Foi a industrialização que gerou a organização operária desdenhada pelo conservadorismo como mero ornamento populista. Até que surgiu o PT. E que o PT levou um metalúrgico à chefia da Nação; e não uma vez, duas; ademais de eleger a sua sucessora, em 2010.

Os protagonistas progressistas ganharam nervos e musculatura, mas ainda não se cumpriu a travessia evocada por Vargas no célebre discurso do 1º de Maio de 1954, talvez a sua fala mais contundente, mais até que a Carta Testamento deixada tres meses depois:

"A minha tarefa está terminando e a vossa apenas começa. O que já obtivestes ainda não é tudo. Resta ainda conquistar a plenitude dos direitos que vos são devidos e a satisfação das reivindicações impostas pelas necessidades (...) Como cidadãos, a vossa vontade pesará nas urnas. Como classe, podeis imprimir ao vosso sufrágio a força decisória do número. Constituí a maioria. Hoje estais com o governo. Amanhã sereis o governo"

A seta do tempo não se quebrou. Mas estamos diante de uma nova esquina histórica.

A exemplo daq uela enfrentada por Getúlio, nos anos 50, a dobra seca está cercada de desafios e potencialidades interligados por uma relação de forças delicada.

Getúlio talvez tenha percebido tarde demais a necessidade de ancorar a travessia econômica em uma efetiva organização política correspondente. Quando atinou, o bonde já havia passado --cheio de golpistas. Mas não só ele demorou a ouvir as advertências da perna econômica da história.

O descasamento tortuoso entre enredo e personagens daquele período pode ser sintetizado no paradoxal comportamento dos comunistas do Partido Comunista Brasileiro.

Em outubro de 1953 Vargas sancionou a lei do monopólio estatal do petróleo.Criou a Petrobrás sob o açoite da mídia.O jornal o 'Estado de São Paulo' faria então um editorial emblemático do obscurantismo conservador. O texto vaticinava a irrelevância daquele gesto, dada a incapacidade (congênita?) de um país pobre como o Brasil,asseverava, desenvolver um setor então de ponta, a indústria petroleira.

Era uma tentativa de conservar o país num formol de vantagens comparativas subordinadas à reação interna e ao apetite imperial externo.As semelhanças com a grita demotucana contra a regulação soberana do pré-sal não são mera coincidência.

Em dezembro, Vargas foi além. Atacou a farra das remessas de lucros do capital estrangeiro. No início de 1954 decretou em 10% o limite para as remessas de lucros e dividendos. Sucessivamente, criaria a Eletrobrás e elevaria em 100% o salário mínimo. Novo fogo cerrado de mísseis por parte da mídia e dos interesses contr ariados. Lembra muito a reação atual a cada iniciativa do governo Dilma na transição para um novo modelo de desenvolvimento: queda da Selic; aperto no spread da banca; IOF contra o capital especulativo; mudança na regra da poupança --trava 'popular' do rentismo; forte incremento dos programas sociais; fomento do BNDES ao setor industrial; PAC; preservação do poder de compra dos salários etc

Em dezembro de 1953, conforme recorda o historiador Augusto Buonicore, o PCB abstraia a realidade e conclamava a resistência a...Vargas. Assim:

“O governo Vargas tudo faz para facilitar a penetração do capital americano em nossa terra, a crescente dominação dos imperialistas norte-americanos e a completa colonização do Brasil pelos Estados Unidos (...): “O povo brasileiro levantar-se-á contra o atual estado de coisas, não admitirá que o governo de Vargas reduza o Brasil a colônia dos Estados Unidos. O atual regime de exploração e opressão a serviço dos imperialistas americanos deve ser destruído e substituído por um novo regime, o regime democrático e popular”. 

Isso quando a direita já escalava os muros do Catete e os jornais conservadores escalpelavam a reputação de quem quer que rodeasse o Presidente --e a dele próprio. Por todo o país ecoava o o alarido udenista pela renúncia ou golpe, que Vargas afrontaria com o suicídio, em 24 de agosto de 1954. Só o esquerdismo não ouvia.

Mutati mutandis, trata-se agora de inscrever no Brasil do século XXI uma revolução de infraestrutura e fomento industrial de audácia e desassombro equivalente a que Vargas esboçou h
58 anos.

Foi essa tarefa que Lula retomou no seu segundo governo, e Dilma aprofunda nos dias que correm.

Repita-se, não se trata de uma baldeação técnica.Não se faz isso dissociado de uma relação de forças correspondente. Essa travessia não é um dado da natureza, ela precisa ser construída.

Lula tirou 40 milhões de brasileiros da pobreza. Os novos protagonistas formam hoje a maioria da sociedade. Mas serão sujeitos de sua própria história? Fossem, a coalizão das togas midiáticas e o udenismo demotucano estariam fazendo o que fazem?

Urge que se avance na travessia da relação de forças. Essa é a tarefa que grita nas advertências dos dias que correm; nas investidas cada vez mais desinibidas das últimas horas. Elas não serão revertidas, à esquerda, com uma cegueira histórica equivalente a do PCB em 1953. Mas o governo também não pode mais fechar os olhos para o perigo que ronda a sua porta. Ele não será afrontado com o acanhamento amedrontado diante de palavras como 'engajamento', 'mobilização' e pluralismo midiático.

Se o que tem sido testado e assacado nas manchetes não é um ensaio para tornar insustentável o governo Dilma até 2014, então somos todos crédulos dos propósitos republicanos do senhor e senhora Gurgel, dos Barbosas & Fux e da escalada midiática que os pauta e ecoa.

Simples coincidência que a orquestra eleve o naipe dos metais exatamente quando solistas como a The Economist disparam setas de fogo contra o 'excessivo intervencionismo de Dilma' nos mercados?(Leia aqui: 'O Brasil perdeu o charme, diz o rentismo')

A r esposta é não. E até para analistas insuspeitos de simpatias petistas, como o professor da FGV, ex-secretário da Fazenda de Mário Covas, Ioshiaki Nakano.

Trecho de seu artigo desta 3ª feira no jornal Valor:

"os especuladores financeiros, que tinham lucros fantásticos com simples arbitragem de juros, perderam 5,25 pontos da sua remuneração. Perderam mais, pois com o Banco Central administrando a taxa de câmbio e a Fazenda buscando a equalização da taxa de juros interna com a internacional por meio do IOF, a possibilidade de apreciação da taxa de câmbio, pela simples ação dos especuladores, desapareceu e, com isso, os ganhos acima do juros".

A 'expressão lucros fantásticos' não é ornato do texto. Estamos falando de uma longa sangria de bilhões de dólares embolsados automaticamente nos últimos anos, apenas com um giro do dinheiro barato tomado lá fora e aplicado a juros siderais no mercado brasileiro, de títulos públicos, sobretudo.

As perdas e danos gerados pela mudança na regra da jogatina justificam a advertência embutida no arremate do articulista moderado:" Reverter as expectativas de longo prazo e mudar as 'convenções' não é tarefa fácil".

Mais que uma tarefa difícil, é preciso repetir à exaustão,ela requer atores correspondentes. Engajados.

Para não desaguar em tragédia ou golpe, como tantas vezes na história, essa relação precisa ser construída com passadas largas, hoje maiores e mais velozes que as requeridas ontem.

Ou a transição econômica buscada pelo governo Dilma não ocorrerá.
À esquerda e aos movimentos sociais cabe sacudir a letargia burocrática e refletir sobre o desconcertante esquerdismo do PCB nos anos 50, quando os comunistas lutavam a batalha do dia anterior contra Vargas. E o golpe campeava escrito nas ruas, nas manchetes, nos discursos, nos astros, nos despachos e nas bulas. Só o esquerdismo não via, não lia, não reagia.

Ao governo petista cabe igualmente despir-se da esquizofrênica receita de ativismo econômico, de um lado, e alucinado menosprezo ao engajamento político, do outro.

Vargas que a vulgaridade conservadora reduziu a mero estancieiro gaucho empurrado pelas circunstâncias, até ele - se quiserem assim - pressentiu onde estava o coração da disputa pelo destino do seu governo e do país.

Eleito em 3 de outubro de 1950, logo em seguida incentivou Samuel Wainer, que conhecera como repórter dos “Diários Associados”, de Assis Chateaubriand, a criar um poderoso aparato de imprensa diária.

Queria pressa. Pediu a Wainer um antídoto ao que antevia, premonitoriamente, como 'um pacto de silêncio' da grande mídia contra seu governo, que dele "só trataria para denegrir".

A história não se repete. Mas 60 anos depois, Dilma --e o PT-- não tem mais o direito de ignorar as suas lições.

Entre outros atores emergentes do novo período encontra-se, por exemplo, a mídia progressista --esmagada e discriminada por critérios de audiência que perpetuam a 'vantagem comparativa' do dispositivo conservador na repartição das campanhas publicitárias federais de interesse público. Isso até Vargas já havia superado.

E não cust a sugerir ainda: por que o governo não convoca uma Conferência Nacional, a exemplo daquelas temáticas e setoriais, mas desta vez sobre os novos rumos do desenvolvimento brasileiro? Uma grande mobilização com capilaridade local para discutir o país ao longo de todo ano de 2013 e desembocar em uma plenária histórica em Brasília, no segundo semestre de 2014? A ver.


sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Mérito, talento e oportunidade, por Antônio Carlos Côrtes e José Reis


O Brasil não conhece o Brasil. O Brasil nunca foi ao Brasil, assim afirma o poeta Aldir Blanc em "Querelas do Brasil". A obra "A Busca de um Caminho para o Brasil - A Trilha do Círculo Vicioso", de autoria do professor Helio Santos, doutor em Administração pela USP, oportuniza o conhecimento de duas possibilidades de desenvolvimento do país. Santos fala da existência de um Brasil branco e desenvolvido, sobretudo, no campo tecnológico, que o insere no grupo de países ditos de Primeiro Mundo. O Brasil negro é equiparado a países de baixa renda per capita, a maioria do grupo possui pouca escolaridade e tem baixa expectativa de vida, por falta de elaboração e de implementação de políticas públicas eficientes que sirvam para diminuir a enorme distância existente entre os dois grupos.

Do mesmo modo que a leitura de obras clássicas é recomendada para quem participa de concurso vestibular, o conteúdo do livro referido reforça a necessidade de buscar soluções consensuais para resolver problemas nacionais, envolvendo a participação de diferentes setores da sociedade. É, portanto, uma leitura indispensável para a inteligência acadêmica nacional, sobretudo para integrantes de instituições públicas de ensino superior.

Ao abordar o papel da educação de nível superior, Santos afirma que a universidade pública deveria ser uma usina geradora de ideias, ajudando na redução das diferenças entre os dois Brasis. A academia teria a obrigação de abrigar talentos oriundos de diferentes setores da população brasileira, caracterizando-se pela ousadia, abrindo-se para a diversidade, oxigenando-se e cumprindo o seu verdadeiro papel. As instituições federais de ensino deveriam utilizar a sua autonomia para abrir a porta de entrada, acolhendo os talentos oriundos da população que não tem acesso a ela.

Tendo em vista a discussão das cotas na Ufrgs, fica explícito que o papel de alargar a porta de entrada para a diversidade está nas mãos do Consun (Conselho Universitário), presidido pelo reitor, com a participação de membros dos três setores da comunidade universitária e com representantes da sociedade civil do Estado. É hora de a Ufrgs abrir a porta pela maçaneta do lado de dentro, possibilitar a entrada efetiva da diversidade e cumprir a sua parte na tarefa de diminuir a distância abissal existente entre os dois Brasis, considerando sempre que o mérito, o talento e a oportunidade caminham indissociavelmente.

advogado / radialista e economista

quarta-feira, 18 de julho de 2012

O "mensalão" como operação de marketing e como golpe branco fracassado, por Emir Sader

 publicado, em 18/07/2012, no blog Carta Maior



Mais além dos fatos concretos, a operação de marketing do “mensalão” merece fazer parte dos manuais de marketing politico. Nunca na história brasileira uma criação dessa ordem foi capaz de projetar e consolidar imagens na cabeça das pessoas, que as impedem de entender o fenômeno e avaliá-lo na sua realidade concreta, porque sua imaginação, seus instintos, já estão vacinados e conquistados pelas imagens projetadas pela campanha.

Uma jornalista da empresa da “ditabranda” entrevistou um dia a um parlamentar, presidente de um dos partidos da base aliada do governo, que teve uma das pessoas indicadas pelo partido para um cargo governamental, pego em flagrante , filmado, com som, em operação de suborno. O partido que o indicou – PTB – considerou que nao recebeu o apoio devido por parte do governo e seu presidente resolveu ligar o ventilador.

Disse que o governo pagava um “mensalão” a uma porção de gente. O jornal imediatamente cunhou a expressão e deu inicio àquele tipo de campanha cuja reiteração, por todos os órgãos da mídia privada, transformou a insinuação numa verdade supostamente incontestável.

O que ficou na imaginação das pessoas era literalmente que indivíduos chegavam no Palácio do Planalto com malas vazias, entravam numa sala contigua à do Lula, enchiam de dólares e saiam, mensalmente. A operação de marketing tornou-se um caso de manual de marketing, pelo seu sucesso. A partir a insinuação de um politico sem nenhuma respeitabilidade, se dava inicio à campanha, em que a oposição – liderada pela mídia privada – considerava que terminaria com o governo Lula.

Tudo foi se dando como bola de neve. O próprio jornal da família que emprestou carros para órgãos repressivos da ditadura cunhou o selo “mensalão”, com o qual cobria todas as atividades políticas nacionais. Até a eleição interna do PT foi incluída nessa rubrica.

Condenou-se moral e politicamente a dirigentes e políticos ligados ao governo, com o objetivo de ferir de morte o governo Lula, como repetição muito similar à crise de 1954, que terminou com o suicídio de Getúlio. Dois então membros da equipe do Lula chegaram – conforme entrevista posterior de Gilberto Carvalho – a ir ao Lula, levando a proposta opositora: todas as acusações seriam retiradas, inclusive o suposto impeachment, contanto que Lula renunciasse a se candidatar à reeleição.

Tinham receio de propor impeachment, pelas repercussões populares que poderia ter, então preferiam usá-lo como ameaça. O tiro saiu pela culatra. Lula reagiu dizendo que sairia às ruas para defender seu mandato, convocava os movimentos populares a reagir à tentativa de golpe branco.

A oposição, depois da cassação do Zé Dirceu, jogava, partindo do que considerava evidências contra o governo, com a vulnerabilidade do governo, alegando que Lula sabia dos fatos. Não foi o que aconteceu. Conseguiram várias cassações, conseguiram diminuir o apoio do Lula mas, principalmente, deram a pauta política do país.

O caso permitia desqualificar o Estado, o governo Lula, o PT. O Estado, por definição, para a direita, é corrupto ou corruptível. O governo Lula, o PT e os sindicatos teriam “tomado de assalto ao Estado” e imposto seus interesses particulares. O diagnóstico foi retirado diretamente do arsenal neoliberal.

Os governos de esquerda no Brasil – Getúlio, Jango, Lula – não terminariam seus mandatos. Fracassado o governo Lula, se cumpriria o prognóstico de um ministro da ditadura: “Um dia o PT vai ter que ganhar, vai fracassar, aí vamos poder dirigir o país com tranquilidade”.

Sob a forma do impeachment ou da renúncia de Lula a disputar um segundo mandato ou, ainda, com sua eventual derrota, asfixiado pela oposição – que já havia dito que sangraria o governo, até derrotá-lo nas eleições de 2006 -, se daria um golpe branco e a esquerda estaria desmoralizada e derrotada por um longo período.

Mas não contavam com a capacidade de reação de Lula e com os efeitos das políticas sociais, já em marcha. O povo, com a consciência de que era o seu governo e que sua eventual derrubada faria com que ele, povo, pagasse o preço mais alto da operação da direita, reagiu. A oposição foi pega de supresa pelas reações, que levaram à derrota da tentativa de derrubar o governo. Mais do que isso, levaram à derrota do candidato da oposição – o duro e puro neoliberal Alckmin –, porque a oposição também foi vitima da sua própria campanha.

Como esbravejava o Otavinho, na primeira reunião do comitê de direção da sua empresa: - Onde é que nós erramos?

Erraram porque acreditaram que eram onipotentes. Afinal foi a mídia golpista que levou o Getúlio ao suicídio, que promoveu o golpe militar que derrubou o Jango e que, acreditavam, levaria o governo Lula à derrota e a esquerda à desmoralização.

Foram derrotados em 2006, em 2010 e tem todas as possibilidades de serem derrotados de novo em 2014. Mais do que isso, tiveram que reconhecer que o prestígio do governo vem de suas politicas sociais, que transformaram democraticamente o Brasil. Que seu poder de fogo como cabeça da oposição é decrescente, que entraram em decadência irreversível.

Agora, sete anos depois, tentam ainda explorar o sucesso de marketing, espremendo tudo o que podem, raspando o tacho da panela, buscando voltar a pautar o país em torno do seu sucesso de marketing. Não se dão conta que o país mudou, que desde então perderam duas eleições presidenciais, que o Estado brasileiro reconquistou legitimidade por suas políticas sociais e pela sua ação de resistência à crise internacional? Que as mídias alternativas ganharam um poder de esclarecimento da opinião publica, que não tinham naquele momento?

Mas não lhes restam outras armas, senão a de explorar o embolorado tema do “mensalão”, para recordar como já foram bem mais poderosos no passado. Seus outros argumento naufragaram: o Estado mostra eficiência na condução do país, o livre mercado levou o capitalismo internacional à sua pior crise em 80 anos, o povo reconhece que melhorou suas condições de vida, apoia e vota no governo, as alianças internacional da política soberana do Brasil projetam o país no plano internacional como nunca antes, ao mesmo tempo que se mostram muito mais eficazes do que o Tratado de Livre Comércio e a Alca que a direita pregava.

Em suma, a história avançou desde 2005 e na direção da derrota da oposição, da criação de uma nova maioria politica no pais. A permanência do monopólio antidemocrático dos meios de comunicação é a arma principal de que a direita dispõe e está disposta a usá-la até o fim, na sua derradeira encenação: o julgamento do “mensalão”.

Mas a história e a vida não se fazem com marketing. Nem mesmo mais vender os produtos da sua mídia mercantil eles conseguem. Lula os derrotou, demonstrando que se pode – e se deve – governar o país sem almoçar e jantar com os donos da mídia. Porque Lula não teve medo da mídia, condição –nas suas palavras – para que haja democracia no Brasil.

A primeira vez a encenação teve ares de tragédia – não consumada pela oposição. Esta segunda tem ares de farsa.

Eles passarão, nós passarinhos.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Violação Legal da Vida Privada, José Reis*





A Constituição da República do Brasil, entre outras questões, versa sobre os Direitos e Garantias que os indivíduos possuem, inclusive contra o próprio Estado. São garantias constitucionais aos indivíduos, previstas no art. 5º, inc. XI, a inviolabilidade  à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas.
Por ser funcionário público municipal, tive estas garantias retiradas no dia 03/07, quando a Prefeitura Municipal de Porto Alegre deu conhecimento do meu salário, através da internet, baseada na interpretação da chamada Lei da Transparência, que se transformou num novo instrumento de caça de marajás e corruptos, e não num instrumento de transparência e controle como pretendiam os legisladores.
Desta forma, aqui em Porto Alegre, eu e os demais 26.000 servidores públicos, a exemplo de outros milhares de funcionários públicos espalhados pelo país, passamos a ser INDIVÍDUOS distintos e rebaixados perante a Constituição, pois, para nós a mesma não se aplica integralmente. Além disso, passamos a ser expostos à luz do dia, a exemplo dos animais em um zoológico. Agora, quando transitarmos nas ruas, estaremos sujeitos a encontrar amigos, familiares e pessoas que nem conhecemos tratando de nossa remuneração, sem qualquer consentimento nosso.
E qual argumento sustenta tal violação de privacidade que se “pretende legal”? O fato de que a população paga os impostos e por isso tem o direito de saber a remuneração de cada servidor público, já que seria “nosso patrão”.
Ora, me parece que a Ciência Política, já havia explicado que a muitos anos atrás a sociedade delegou poderes ao ente estado, para administrar os seus interesses coletivos. Para administrar este ente, delegou a seus representantes legais, eleitos por ela mesma, nas democracias.
O estamento legal e administrativo desenvolveu-se a tal ponto que passou a determinar e exigir que o acesso ao emprego público se desse por processo seletivo, chamado concurso público, à exceção dos cargos de livre exoneração e nomeação, para evitar a nomeação de apaniguados e compadrios. Quando um cidadão ou cidadã habilita-se a um cargo público, em regra, é dada toda a publicidade.
Ao tomar posse, outro ato ao qual se dá publicidade, o servidor assina um contrato de trabalho com o ESTADO sujeita a normas e regras também conhecidas através dos estatutos. Toda a vida funcional e laboral do servidor é divulgada através de publicações dos atos que lhe concedem qualquer vantagem, pecuniária ou não, e dos que retiram através de punições. Entretanto, até hoje, por conta das garantias constitucionais, lhe era garantido á privacidade ao seu salário. Agora, não mais. Estamos expostos. Nosso contrato de trabalho foi alterado, mais uma vez, em nome de uma moral duvidosa.
No entanto, esta lógica de que por pagar impostos os cidadãos e cidadãs são nossos patrões, e por isso devem tomar conhecimento de nossos salários, pergunto se a mesma não pode ser estendida a outros, por similaridade.
Vejamos outra abordagem. Na composição do preço de qualquer mercadoria ou serviço está embutido o custo do pagamento dos trabalhadores que executaram aquele produto ou serviço. Logo, ao pagar por este produto estou também pagando parte do salário dos mesmos. Por similaridade, então, também sou patrão do trabalhador que produziu aquele bem ou serviço. Assim, também devo ter o direito de conhecer a sua remuneração? Provavelmente, dirão que não.
Mas, que lógica canhestra é esta? Por que não posso exigir que ao entrar num estabelecimento qualquer estejam expostos os salários de todos que trabalham no estabelecimento para eu saber quanto valor do bem ou serviço comporá a remuneração daquele trabalhador ou trabalhadora. Em especial, em deveríamos aplicar este princípio nas empresas e estabelecimentos que executam serviços concedidos pelo estado ou que recebam verbas públicas de qualquer natureza.
Certamente, alegarão que é uma relação privada. Mas, a relação do funcionário público com o estado também não é privada. Ou, para estes, vale a lógica do “grande irmão”, da Revolução dos Bichos. Devem ser expostos a uma VIOLAÇÃO LEGAL DE SUA PRIVACIDADE, perdendo Direitos e Garantias constitucionais, pois são potenciais corruptos e marajás.
*funcionário público municipal, economista e cientista político.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Um golpe de novo tipo contra Lugo, por Tarso Genro (*)



publicado no blog RSURGENTE, em 24/06/12.

 
O que foi tentado contra Lula, na época do chamado mensalão –que por escassa margem de votos não teve o apoio da OAB Federal numa histórica decisão do seu Conselho ainda não revelada em todas as suas implicações políticas – foi conseguido plenamente contra o Presidente Lugo. E o foi num fulminante e sumário ritual, que não durou dois dias. Não se alegue, como justificativa para apoiar o golpe, que a destituição do Presidente Lugo foi feita “por maioria” democrática, pois a maioria exercida de forma ilegal também pode ser um atentado à democracia. É fácil dar um exemplo: “por maioria”, o Poder Legislativo paraguaio poderia legislar adotando a escravidão dos seus indígenas?
No Paraguai o Poder Legislativo na condição de Tribunal político atentou contra dois princípios básicos de qualquer democracia minimamente séria: o princípio da “ampla defesa” e o princípio do “devido processo legal”. É impossível um processo justo – mesmo de natureza política – que dispense um mínimo de provas. É impossível garantir o direito de defesa – mesmo num juízo político – sem que o réu tenha conhecimento pleno do crime ou da responsabilidade a partir da qual esteja sendo julgado. Tudo isso foi negado ao Presidente Lugo.
O que ocorreu no Paraguai foi um golpe de estado “novo tipo”, que apeou um governo legitimamente eleito através de uma conspiração de direita, dominante nas duas casas parlamentares. Estas jamais engoliram Lugo, assim como a elite privilegiada do nosso país jamais engoliu o Presidente Lula. Lá, eles tiveram sucesso porque o Presidente Lugo não tinha uma agremiação partidária sólida e estava isolado do sistema tradicional de poder, composto por partidos tradicionais que jamais se conformaram com a chegada à presidência de um bispo ligado aos movimentos sociais. A conspiração contra Lugo estava no Palácio, através do Vice-Presidente que agora “supreso” assume o governo, amparado nas lideranças parlamentares que certamente o “ajudarão” a governar dentro da democracia.
Aqui, eles não tiveram sucesso porque – a despeito das recomendações dos que sempre quiseram ver Lula isolado, para derrubá-lo ou destruí-lo politicamente – o nosso ex-Presidente soube fazer acordos com lideranças dos partidos fora do eixo da esquerda, para não ser colocado nas cordas. Seu isolamento, combinado com o uso político do”mensalão”, certamente terminaria em seu impedimento. Acresce-se que aqui no Brasil – sei isso por ciência própria pois me foi contado pelo próprio José Alencar- o nosso Vice presidente falecido foi procurado pelos golpistas “por dentro da lei” e lhes rejeitou duramente.
A tentativa de golpe contra o Presidente Chavez, a deposição de Lugo pelas “vias legais”, a rápida absorção do golpe “branco” em Honduras, a utilização do território colombiano para a instalação de bases militares estrangeiras, tem algum nexo de causalidade? Sem dúvida tem, pois esgotado o ciclo das ditaduras militares na América Latina, há uma mudança na hegemonia política do continente, inclusive com o surgimento de novos setores de classes, tanto no mundo do trabalho como no mundo empresarial. É o ciclo, portanto, da revolução democrática que, ou se aprofunda, ou se esgota. Este novos setores não mais se alinham, mecanicamente, às posições políticas tradicionais e não se submetem aos velhos padrões autoritários de dominação política.
Os antigos setores da direita autoritária, porém, incrustados nos partidos tradicionais da América latina e apoiados por parte da grande imprensa (que apoiaram as ditaduras militares e agora reduzem sua influência nos negócios do Estado) tentam recuperar sua antiga força, a qualquer custo. São estes setores políticos – amantes dos regimes autoritários – que estão embarcando neste golpismo “novo tipo”, saudosos da época em que os cidadãos comuns não tinham como fazer valer sua influência sobre as grandes decisões públicas.
É a revolução democrática se esgotando na América Latina? Ou é o início de um novo ciclo? A queda de Lugo, se consolidada, é um brutal alerta para todos os democratas do continente, seja qual for o seu matiz ideológico. Os vícios da república e da democracia são infinitamente menores dos que os vícios e as violências ocultas de qualquer ditadura.
Pela queda de Lugo, agradecem os que apostam num autoritarismo “constitucionalizado” na A.L., de caráter antipopular e pró-ALCA. Agradecem os torturadores que não terão seus crimes revelados, agradecem os que querem resolver as questões dos movimentos sociais pela repressão. Agradece, também, a guerrilha paraguaia, que agora terá chance de sair do isolamento a que tinha se submetido, ao desenvolver a luta armada contra um governo legítimo, consagrado pelas urnas.
(*) Governador do Rio Grande do Sul

sábado, 23 de junho de 2012

Fortunati promove “trenzinho da alegria” na Procuradoria, por Paulo Muzzell

publicado no blog RSURGENTE.

 
A “partida” estava prevista para fevereiro. Trem na estação, caldeiras fervendo a todo vapor. Infelizmente um sério contratempo, a posição firme e contrária ao projeto do líder do governo, vereador João Antonio Dib (PP) adiou a “festa”. Ela ocorreu meses depois, na quarta feira passada, em tumultuada sessão plenária da Câmara.
Matéria veiculada neste mesmo espaço há quatro meses já resumiu algumas “barbaridades” contidas no projeto de lei complementar 014 do Executivo municipal. Rememorando: Fortunati propôs uma lei orgânica que dá à Procuradoria praticamente o status de um terceiro poder independente, um “pequeno judiciário” da esfera municipal. Um verdadeiro delírio! Os procuradores terão estatuto e política salarial à parte, reforçando seus poderes de “casta” na Prefeitura.
Fortunati apelou para absurdo argumentando: que a aprovação da lei não vai gerar nenhum acréscimo de despesa aos cofres municipais. Esta afirmativa foi veementemente questionada pelo próprio líder do governo, João Dib, que até citou um artigo do projeto que desmente e contradiz a afirmativa do prefeito ao autorizar abertura de créditos orçamentários para atender o acréscimo de despesas dele decorrentes. O prefeito além de mal assessorado, muito provavelmente não deve ler as exposições de motivo que assina. Tentando dirimir esta importante dúvida um vereador solicitou ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) a rodagem da folha atual e a simulação da folha futura decorrente da aprovação e vigência da lei. Por razões óbvias não foi atendido.
João Dib criticou, também, o disposto no artigo 120, que “funde os cargos de procurador e de assessor jurídico. Com uma “penada”, sem concurso público, 72 assessores jurídicos transformaram-se em procuradores, num mero “passe de mágica” , sem a realização do concurso público previsto na Constituição brasileira. É a volta às práticas da República Velha, a entrada pela porta dos fundos, um novo “trenzinho da alegria” municipal. Uma flagrante ilegalidade e imoralidade, promovida justamente pelos profissionais que tem por ofício zelar pelo cumprimento da lei. Confirma-se mais uma vez o velho adágio: “em casa de ferreiro, espeto de pau”.
O artigo 45 estabelece um prazo de doze meses para que seja elaborada lei estabelecendo os parâmetros e os níveis de uma nova lei salarial, dos procuradores, totalmente descolada do plano de carreira dos demais servidores. Separa-se, como o governo concebeu e pretende, a “casta” dos procuradores dos demais trabalhadores, considerados e transformados numa espécie de segunda linha ,a ampla maioria que está fora do “Olimpo”.
Provavelmente teremos, após a sanção do prefeito, novos desdobramentos. Além da flagrante inconstitucionalidade do trenzinho dos assessores jurídicos, há outros questionamentos da legalidade de conceder benefícios que implicam em aumento de despesa nos prazos vedados pela lei eleitoral.
O projeto foi aprovado com 26 votos favoráveis e 5 contra. Apresentamos a seguir como votaram os vereadores:
SIM
Adeli Sell (PT), Carlos Comassetto (PT), Carlos Todeschini (PT), Thiago Duarte (PDT), João Bosco Vaz (PDT), Márcio Bins Ely (PDT), Mauro Zacher (PDT), Idenir Cecchim (PMDB), Professor Garcia (PMDB), Sebastião Melo (PMDB), Valter Nagelstein (PMDB), João Nedel (PP), Kevin Kriger (PP), Toni Proença (PPL), Paulinho Rubem Berta (PPS), José Freitas (PRB), Waldir Canal (PRB), Airton Ferronato (PSB), Bernardino Vendrusculo (PSD), Nelcir Tessaro (PSD), Tarciso Flecha Negra (PSD), Mario Manfro (PSDB), Alceu Brasinha (PTB), DJ Cassia (PTB), Dr. Goulart (PTB), Elias Vidal (PV).
NÃO
Antonio Dib (PP), Luiz Braz (PSDB), Haroldo de Souza (PMDB), Fernanda Melchiona (PSOL), Pedro Ruas (PSOL).
A vereadora Maria Celeste PT) e o vereador Elói Guimaraens (PTB) não votaram; o vereador Mauro Pinheiro (PT) se absteve e os vereadores Beto Moesch Moesch (PP) e Sofia Cavedon (PT) se encontravam em representação externa.

domingo, 17 de junho de 2012

Bolsa Família reduz violência, aponta estudo da PUC-Rio.

publicado no Globo on-line, em 17/06/12.

 

Programa foi responsável por 21% da queda da criminalidade em SP



Ana Clara (no centro, sentada) e outros alunos da José Lins do Rego
Foto: Eliária Andrade
Ana Clara (no centro, sentada) e outros alunos da José Lins do Rego Eliária Andrade
RIO e SÃO PAULO - A redução da desigualdade com o Bolsa Família está chegando aos números da violência. Levantamento inédito feito na cidade de São Paulo por pesquisadores da PUC-Rio mostra que a expansão do programa na cidade foi responsável pela queda de 21% da criminalidade lá, devido principalmente à diminuição da desigualdade, diz a pesquisa. É o primeiro estudo a mostrar esse efeito do programa na violência.
Em 2008, o Bolsa Família, que até ali atendia a famílias com adolescentes até 15 anos, passou a incluir famílias com jovens de 16 e 17 anos. Feito pelos pesquisadores João Manoel Pinho de Mello, Laura Chioda e Rodrigo Soares para o Banco Mundial, o estudo comparou, de 2006 a 2009, o número de registros de ocorrência de vários crimes — roubos, assaltos, atos de vandalismo, crimes violentos (lesão corporal dolosa, estupro e homicídio), crimes ligados a drogas e contra menores —, nas áreas de cerca de 900 escolas públicas, antes e depois dessa expansão.
— Comparamos os índices de criminalidade antes e depois de 2008 nas áreas de escolas com ensino médio com maior e menor proporção de alunos beneficiários de 16 e 17 anos. Nas áreas das escolas com mais beneficiários de 16 e 17 anos, e que, logo, foi onde houve maior expansão do programa em 2008, houve queda maior. Pelos cálculos que fizemos, essa expansão do programa foi responsável por 21% do total da queda da criminalidade nesse período na cidade, que, segundo as estatísticas da polícia de São Paulo, foi de 63% para taxas de homicídio — explica João Manoel Pinho de Mello.
O motivo principal, dizem os autores, foi a queda da desigualdade causada pelo aumento da renda das famílias beneficiadas— Há muitas explicações de estudos que ligam queda da desigualdade à queda da violência: uma, mais sociológica, é que diminui a insatisfação social; outra, econômica, é que o ganho relativo com ações ilegais diminui — completa Rodrigo Soares. — Outra razão é que muda a interação social dos jovens ao terem de frequentar a escola e conviver mais com gente que estuda.
Reforma policial ajudou a reduzir crimes
Apesar de estudarem no bairro que já foi tido como um dos mais violentos do mundo, os alunos da Escola Estadual José Lins do Rego, no Jardim Ângela, periferia de São Paulo — com 1.765 alunos, dos quais 126 beneficiários do Bolsa Família —, dizem que os assaltos e brigas de gangues, por exemplo, estão no passado.
— Os usuários de drogas entravam na escola o tempo todo — conta Ana Clara da Silva, de 17 anos, aluna do ensino médio.
— Antes, você estava dando aula e tinha gente vigiando pela janela — diz a diretora Rosângela Karam.
Um dos principais pesquisadores do país sobre Bolsa Família, Rodolfo Hoffmann, professor de Economia da Unicamp, elogia o estudo da PUC-Rio:
— Há ali evidências de que a expansão do programa contribuiu para reduzir principalmente os crimes com motivação econômica — diz. — De 20% a 25% da redução da desigualdade no país podem ser atribuídos ao programa; mas há mais fatores, como maior valor real do salário mínimo e maior escolaridade.
Professora da Pós-Graduação em Economia da PUC-SP, Rosa Maria Marques também lembra que a redução de desigualdade não pode ser atribuída apenas ao Bolsa Família:
— Também houve aumento do emprego e da renda da população. E creio que a mudança na interação social dos jovens beneficiados contou muito.
Do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, o professor Ignácio Cano concorda com a relação entre redução da desigualdade e queda da violência:
— Muitos estudos comparando dados internacionais já apontaram que onde cai desigualdade cai criminalidade.
Mas são as outras razões para a criminalidade que chamam a atenção de Michel Misse, coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ. Misse destaca que a violência na capital paulista vem caindo por outros motivos desde o fim dos anos 1990:
— O estudo cobre bem os índices no entorno das escolas. Mas não controla as outras variáveis que interferem na queda de criminalidade. Em São Paulo, a violência vem caindo por pelo menos quatro fatores: reforma da polícia nos anos 2000; política de encarceramento maciça; falta de conflito entre quadrilhas devido ao monopólio de uma organização criminosa; e queda na taxa de jovens (maioria entre vítimas e autores de crimes), pelo menor crescimento vegetativo.
Para Misse, a influência do programa não foi pela desigualdade:
— É um erro supor que só pobres fornecem agentes para o crime; a maioria dos presos é pobre, mas a maioria dos pobres não é criminosa. Creio que, no caso do Bolsa Família, o que mais afetou a violência foi a criação de outra perspectiva para esses jovens, que passaram a ter de estudar.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Criminalização do funk e extermínio de MCs, por Danilo Cymrot*

publicado no blog sul 21, em 15/06/12.

UPPs são moralistas com os bailes funk, que são banidos das comunidades. Já em SP, homicídios de funkeiros são encarados como merecidos.
O funk não é caso de polícia. No entanto, é assim que os bailes funk, confinados nas periferias e favelas, têm sido encarados pelo poder público e por grande parte da mídia.
Sob os pretextos de combater o barulho excessivo, as brigas, o tráfico de drogas, a corrupção de menores e a apologia ao crime, os bailes funk chegaram a ser, na prática, proibidos em todo o território fluminense a partir da segunda metade da década de 1990, por meio de leis que impunham uma série de requisitos burocráticos para sua realização de maneira lícita.
Apenas no ano de 2009 foi aprovada uma lei, de autoria dos deputados Marcelo Freixo (PSOL) e Wagner Montes (PDT), que reconhece o funk como movimento cultural de caráter popular e veda ações discriminatórias por parte do Estado.
Mas ela não tem sido respeitada. A instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em comunidades no Rio de Janeiro tem sido acompanhada por uma política bastante moralista e paternalista com relação aos bailes, encarados não como um importante espaço de sociabilidade e lazer juvenil, mas como resquícios do tempo de “dominação” dos traficantes.
Em nome da manutenção da ordem, comandantes das UPPs se comportam como xerifes, impondo toques de recolher. Ao proibir os bailes, no entanto, o Estado faz com parte dos jovens dessas comunidades se desloque para bailes em áreas ainda não “pacificadas”.
Caberia, pois, ao Estado, permitir a realização de bailes pacíficos, em locais com infraestrutura adequada e isolamento acústico. É preciso reconhecer que funk é cultura. Há historicamente a tendência de compreender a cultura “de pobre” como cultura pobre. Não que os funkeiros precisem ter seu gosto chancelado pelo Estado ou por outros setores da sociedade. Basta que não tenham seu gosto criminalizado.
Quando não são acusados de fazer letras pobres e alienadas, os MCs são acusados de compor músicas que fazem apologia ao crime, taxadas de “proibidões”. Por outro lado, consumo de drogas e violência existem em praticamente todos os locais de divertimento de jovens, inclusive em “baladas” caras de bairros nobres, mas nem por isso a polícia proíbe tais festas.
Não se deve ter a ilusão de que a criminalização do funk se restringe ao Rio. A gigantesca e protagonista força cultural do funk nas periferias de São Paulo tem sido condenada à invisibilidade. Quando retratada, aparece como fenômeno que tira a paz dos moradores dos bairros onde os bailes ocorrem e, portanto, legitima a repressão policial.
O resultado trágico dessa política pode ser constatado na sequencia de assassinatos de grandes ídolos do funk da Baixada Santista. Só no último mês de abril, foram executados MC Primo e, onze dias depois, MC Careca. Os principais suspeitos, até o momento, são policiais militares. Já são cinco assassinatos de ídolos do funk na Baixada Santista em 24 meses. Outros MCs declararam que já receberam ameaças de morte.
Não só a origem social dos ídolos torna essas mortes invisíveis, como, nesses casos, costuma-se responsabilizar a própria vítima por seu destino, sugerindo-se apressadamente que sua morte é resultado esperado (merecido?) de seu suposto envolvimento com traficantes.
Nesse ponto, o extermínio de MCs talvez represente a face mais radical da política de “tolerância zero” contra os funkeiros.

*Danilo Cymrot, 26, é mestre e doutorando em criminologia pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

domingo, 3 de junho de 2012

As singulares ações “sociais” do governo Fortunati, por Paulo Muzell

publicado no blog RSURGENTE, em 29/05/12.

 

O Brasil é um país muito desigual e que tem, ainda, um considerável contingente de pessoas que vivem na marginalidade e na extrema pobreza. Esta população precisa de programas de apoio, de inclusão e de assistência social. O governo federal, especialmente nos últimos dez anos, vem fazendo a sua parte, criando programas e ampliando recursos. Já as prefeituras nem sempre. Aqui em Porto alegre as coisas vão mal. Os vereadores das bancadas de oposição ao governo Fo-Fo (Fogaça-Fortunati) têm reiterado com insistência a necessidade do aumento do orçamento da Fundação de Assistência Social e Comunitária (FASC), o órgão municipal que atende o setor. E citam números oficiais que comprovam sua tese: a fundação teve no ano passado pouco mais de 100 milhões de reais num orçamento municipal de quase quatro bilhões. Já o investimento foi muito pior: foram aplicados em obras apenas 350 mil reais, ou seja, 0,1% do investimento total da Prefeitura. Entre 2008 e 2011 o número de moradores de rua em Porto Alegre cresceu 12%.
Faltam recursos para o setor assistencial, mas, em contraste, sobram para atender outras “necessidades” bastante discutíveis como o aumento do número de cargos em comissão e criação de novas micro-secretarias fantasmas que atendem a interesses bem específicos, pode-se dizer, particulares. Neste contexto nasceu a Secretaria Municipal de Direitos Animais, a SEDA, velho sonho e aspiração de Regina Becker, a primeira dama.
Vale a pena consultar o site da SEDA, temos lá informações curiosas, elucidativas. Na prestação de contas das ações da secretaria em nenhum momento aparece o seu secretário – Urbano Schmitt -, da Governança (SMGAE) e que responde cumulativamente pela SEDA. A figura central é Regina Becker, ora apresentada como primeira-dama, ora como “voluntária”, observe-se, uma voluntária com incomum protagonismo e destaque. Vale a pena citar algumas ações veiculadas no site. Regina Becker visita o Hospital São Pedro, preocupada com a saúde dos cães abandonados que lá se encontram. Depois: “Regina Becker visita empresa porto-alegrense que criou linha de cosméticos para cães”. A primeira-dama explica e justifica: “cosméticos não são perfumaria, são importantes para os bichanos.” Para completar: a SEDA organiza uma “campanha do agasalho”, absoluta necessidade para proteger o “melhor amigo do homem” dos rigores do nosso inverno.
A Procempa tem tido destaque no elenco de ações inusitadas e discutíveis do governo Fo-Fo. Primeiro: quintuplicou o número de cargos em comissão que atenderam, sempre, às necessidades dos companheiros desamparados. Vereadores não eleitos, ex-secretários, ex-adjuntos, ex-prefeitos tornados inelegíveis ou não re-eleitos, independente de terem formação ou qualificação profissional compatível, encontraram lá na empresa um bom acolhimento, um “repouso amigo” e bem remunerado.
As investigações que originaram a CPI do convênio Prefeitura-Instituto Ronaldinho Gaúcho trouxeram uma informação relevante. A partir das respostas aos pedidos de informações dos vereadores, ficou-se sabendo que os equipamentos de informática adquiridos pela Procempa e que funcionavam nos centros de capacitação digital na Restinga foram transferidos, pasmem, para a Sogipa. A Procempa instalou lá um novo centro de capacitação digital, disponibilizando equipamentos e pessoal. Muito provavelmente a justificativa encontrada para tão estapafúrdia decisão deve ter sido a de que os associados do clube, os “velhinhos” residentes na Carlos Gomes, Bela Vista, Moinhos de Vento e adjacências eram carentes de inclusão digital, lamentável deficiência que os impossibilitava de comunicar-se com seus netinhos residentes no exterior.
Há muitos anos que os mais de vinte mil municipários da capital demandam dos sucessivos governos a criação de um bom plano de saúde. Fortunati num dissídio passado prometeu e definiu um convênio com o IPE como a solução, aceita pelos servidores da Prefeitura. Até hoje não cumpriu.
Enquanto a solução para a grande maioria demora, não se viabiliza, para pequenas minorias “incrustadas” no poder a solução é rápida. Expliquemos. A Procempa mantém para seus funcionários o melhor plano de assistência à saúde da Prefeitura. Assistência médica UNIMED completa, serviços odontológicos, fisioterapia, além de atendimento psicológico e psiquiátrico. Plano VIP, acessível aos trabalhadores e mantido graças a subsídios pagos pelos cofres da empresa, entenda-se, pelo caixa fazendário. Pois em 2008 vários secretários e ex-secretários do atual governo em reunião do conselho da Administração da empresa – do qual eram membros -, aprovaram por unanimidade a inclusão dos seus nomes como beneficiários do plano de saúde dos funcionários da Procempa.
Não há nenhuma dúvida: o governo Fo-Fo pode ter prioridades discutíveis, mas em momento algum descuida dos “seus”.

terça-feira, 29 de maio de 2012

A FORÇA DA IMAGEM DO PT, por Marcos Coimbra*


* diretor do Vox Populi


Ao contrário do que se costuma pensar, o sistema partidário brasileiro tem um enraizamento social expressivo. Ao considerar nossas instituições políticas, pode-se até dizer que ele é muito significativo.

Em um país com democracia intermitente, baixo acesso à educação e onde a participação eleitoral é obrigatória, a proporção de cidadãos que se identificam com algum partido chega a ser surpreendente.

Se há, portanto, uma coisa que chama a atenção no Brasil não é a ausência, mas a presença de vínculos partidários no eleitorado.
Conforme mostram as pesquisas, metade dos eleitores tem algum vínculo.
Seria possível imaginar que essa taxa é consequência de termos um amplo e variado multipartidarismo, com 29 legendas registradas. Com um cardápio tão vasto, qualquer um poderia encontrar ao menos um partido com o qual concordar. Mas não é o que acontece. Pois, se o sistema partidário é disperso, as identificações são concentradas. Na verdade, fortemente concentradas.

O Vox Populi fez recentemente uma pesquisa de âmbito nacional sobre o tema. Deu o esperado: 48% dos entrevistados disseram simpatizar com algum partido. Mas 80% desses se restringiram a apenas três: PT (com 28% das respostas), PMDB (com 6%) e PSDB (com 5%). Olhado desse modo, o sistema é, portanto, bem menos heterogêneo, pois os restantes 26 partidos dividem os 20% que sobram. Temos a rigor apenas três partidos de expressão. Entre os três, um padrão semelhante. Sozinho, o PT representa quase 60% das identidades partidárias, o que faz com que todos os demais, incluindo os grandes, se apequenem perante ele.
Em resumo, 50% dos eleitores brasileiros não têm partido, 30% são petistas e 20% simpatizam com algum outro – e a metade desses é peemedebista ou tucana. Do primeiro para o segundo, a relação é de quase cinco vezes.

A proeminência do PT é ainda mais acentuada quando se pede ao entrevistado que diga se “simpatiza”, “antipatiza”ou se não tem um ou outro sentimento em relação ao partido. Entre “muita” e “alguma simpatia”, temos 51%. Outros 37% se dizem indiferentes. Ficam 11%, que antipatizam “alguma” coisa ou “muito” com ele.
Essa simpatia está presente mesmo entre os que se identificam com os demais partidos. É simpática ao PT a metade dos que se sentem próximos ao PMDB, um terço dos que gostam do PSDB e metade dos que simpatizam com os outros.
Se o partido é visto com bons olhos por proporções tão amplas, não espanta que seja avaliado positivamente pela maioria em diversos quesitos: 74% do total de entrevistados o consideram um partido “moderno” (ante 14% que o acham “ultrapassado”); 70% entendem que “tem compromisso com os pobres”(ante 14% que dizem que não); 66% afirmam que “busca atender ao interesse da maioria da população” (ante 15% que não acreditam nisso). Até em uma dimensão particularmente complicada seu desempenho é positivo: 56% dos entrevistados acham que “cumpre o que promete” (enquanto 23% dizem que não). Níveis de confiança como esses não são comuns em nosso sistema político.
Ao comparar os resultados dessa pesquisa com outras, percebe-se que a imagem do PT apresenta uma leve tendência de melhora nos últimos anos. No mínimo, de estabilidade. Entre 2008 e 2012, por exemplo, a proporção dos que dizem que o partido tem atuação “positiva na política brasileira”foi de 57% a 66%.
A avaliação de sua contribuição para o crescimento do País também se mantém elevada: em 2008, 63% dos entrevistados estavam de acordo com a frase “O PT ajuda o Brasil a crescer”, proporção que foi a 72% neste ano.
O sucesso de Lula e o bom começo de Dilma Rousseff são uma parte importante da explicação para esses números. Mas não seria correto interpretá-los como fruto exclusivo da atuação de ambos.
Nas suas três décadas de existência, o PT desenvolveu algo que inexistia em nossa cultura política e se diferenciou dos demais partidos da atualidade: formou laços sólidos com uma ampla parcela do eleitorado. O petismo tornou-se um fenômeno de massa.
Há, é certo, quem não goste dele – os 11% que antipatizam, entre os quais os 5% que desgostam muito. Mas não mudam o quadro.
Ao se considerar tudo que aconteceu ao partido e ao se levar em conta o tratamento sistematicamente negativo que recebe da chamada “grande imprensa”- demonstrado em pesquisas acadêmicas realizadas por instituições respeitadas – é um saldo muito bom.
É com essa imagem e a forte aprovação de suas principais lideranças que o PT se prepara para enfrentar os difíceis dias em que o coro da indústria de comunicação usará o julgamento do mensalão para desgastá-lo.
Conseguirá?