segunda-feira, 18 de abril de 2011

Mitos e realidades sobre a Coreia

por Tarso Genro*

Hoje a Coreia é apresentada como um bom exemplo de desenvolvimento econômico, educacional e social. E é. Mas é um exemplo, não um modelo. Cada país deve sempre ser capaz de reinventar os bons exemplos alheios, sob pena de que a transmissão mecânica do “modelo” torne-se uma mímese fracassada, por não casar-se com as especificidades culturais e sociais do país que se socorre da experiên- cia alheia. O fator preponderante no sucesso econômico da Coreia foi uma relação de recíproco interesse, pactua-da entre Estado e iniciativa privada – com precedência para o planejamento estatal de longo prazo – que lhe permitiu inclusive fazer vultosos investimentos em educação de qualidade.

Primeiro: a Coreia não é um exemplo de desenvolvimento originário da visão do “livre mercado”, pois a sua evolução vem marcada por um conjunto de políticas de Estado, que subsidiava setores estratégicos para agregar valor, promover inovações tecnológicas e novas tecnologias, considerando o espaço que o país queria e quer ocupar na nova ordem política mundial.

Segundo: as “compras” governamentais – preparatórias do terreno para a revolução tecnológica, infraestrutural e econômica que o país atravessou – foram instrumentos orientadores do setor privado, direcionando-o para prover certos requisitos tecnológicos dos produtos ou serviços a serem adquiridos pelo Estado, interferindo, assim, na qualidade do mercado de ofertas para suprir necessidades públicas. (É o que a Petrobras faz hoje corretamente em todo o país.)

Terceiro: o apoio às iniciativas do empresariado é avaliado por um Centro de Políticas de Ciência e Tecnologia, que premia as empresas capazes de desenvolver tecnologias competitivas em nível global; ou seja, as decisões do governo são informadas pela visão do “lugar” que o país quer ocupar na globalização, portanto de forma não subordinada.

Quarto: no sexto “plano quinquenal” (a partir dos anos 80) – estratégia centralizada de planejamento, que vinha desde os anos 60 –, além de o Estado incentivar setores como a química fina e a eletrônica, o governo interferiu para “abrir espaços para pequenas empresas atuarem no setor de componentes, com vistas a reduzir as dependências das importações do Japão”. (Maldaner L.F., “O desafio da inovação Brasil x Coreia do Sul”, Feevale, 2006, pág. 124).

Quinto: o governo coreano, sempre que necessário, atuou também como produtor, associado ou exclusivo, chegando a formar empresas públicas nas áreas de química, fertilizantes e siderurgia (idem, pág.128), para assim orientar os investimentos estratégicos, após ter promovido exportações direcionadas (anos 60), com a criação de entes privados, sem fins lucrativos, para organizar as políticas de inserção do país no comércio global (Korea Trade Promotion Corporation – Kotra).

Sexto: a Coreia sempre trabalhou de forma planificada, com redes de empresas (as “chaebol”) que já na década de 1980 foram responsáveis por 45% do PIB nacional, financiadas por bancos do governo, que fiscalizam o seu desempenho (desenvolvimento “em rede”), e cujo núcleo é composto de grandes empresas que, para permanecerem competitivas, são obrigadas a investir pesadamente em pesquisa, cujo produto são as tecnologias avançadas que são disseminadas na rede.

Só uma articulação de alto nível, para formar um novo bloco social e político – cujas divergências naturalmente existirão em questões como distribuição de renda e alcance do projeto democrático –, é que pode nos fazer irromper num cenário global nacional altamente competitivo e exigente. É a superação de um modelo concentrador e elitista, em termos de renda e poder, que o Brasil já começou a superar. Nosso Rio Grande não acompanhou essas mudanças plenamente. A Coreia, ao seu tempo, começou-as através de governos autoritários na década de 1960. Nós podemos fazê-lo, hoje, através da democracia e da concertação.
*Governador do Estado do Rio Grande do Sul
 
publicado originalmente em Zero Hora, de 18/04/11.
 

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