domingo, 17 de abril de 2011

FHC e as Suas

por Marcos Coimbra*(extraído do Blog do Noblat, de 16/04/11)

Havia anos que Fernando Henrique não fazia tanto sucesso. Esta semana, nada teve tanto ibope quanto sua recomendação aos companheiros de PSDB: “parar a disputa pelo povão com o PT” e ir à procura das “novas classes médias”.
Analistas, comentaristas, colunistas e blogueiros passaram os últimos dias debruçados sobre ela. Não foi a mais polêmica das declarações do ex-presidente. Mas foi, sem dúvida, uma das mais surpreendentes.
Ele tem um histórico curioso nessa matéria. Enquanto esteve na academia e mesmo mais tarde, no início de sua vida como político profissional, Fernando Henrique era conhecido pela verve e a capacidade de verbalização. Suas palestras nas universidades e simpósios mundo afora encantavam. As platéias ficavam cativadas por suas elaborações originais e frases elegantes.
Quando começou a ganhar mais evidência na política, continuou no mesmo diapasão. No Congresso, cunhou frases famosas, algumas cruéis contra quem era seu inimigo na ocasião. Quem não se lembra do que dizia de Sarney, que a “crise viajava” quando ele deixava Brasília?
Até amigos eram, frequentemente, alvo de seu frasismo (caso não estivessem por perto). Com notável capacidade de síntese, com três palavras conseguia encontrar o lado pior de uma pessoa.
Da campanha presidencial de 1994 em diante, no entanto, as coisas mudaram. Ao invés de achar facilmente a boa frase, passou a se complicar com declarações desnecessárias e inconvenientes. Nelas, na maior parte das vezes, não se percebia nem espírito crítico, nem inteligência.
Em muitas, até inesperados preconceitos apareciam. Como aceitar a frase do “pé na cozinha”, vinda de quem havia escrito uma análise tão importante e progressista sobre a escravidão no Brasil? E, quando quis explicá-la falando do carinho pela “mãe preta”, só piorou o problema.
E o “esqueçam o que eu escrevi”? E os “aposentados vagabundos”? Por algumas, pagou um preço injusto, pois sequer é certo que as tivesse dito (pelo menos, com as palavras através das quais entraram para o imaginário popular).
Nos “vagabundos”, por exemplo, seu alvo não eram todos os aposentados, só os precoces. Apesar disso, como, àquela altura, já era tido e havido como político elitista, nunca mais se livrou da frase na sua pior versão. Tornou-se símbolo de seu desprezo pelas pessoas mais pobres.
E esta de agora, que já está entrando para nosso anedotário como o “esqueçam o povão”?
É certo que nenhuma, desde quando deixou o Planalto, provocou reações tão intensas. Quem acompanhou o noticiário político, em qualquer mídia, da terça feira em diante, viu mais FHC nestes dias que em quaisquer outros dos últimos anos.
Mas não deve ter sido por estar à procura de impactos que ele a formulou.
Um aspecto engraçado do episódio é a reação de seus correligionários. Era compreensível que os adversários a recebessem mal, mas não que fosse ignorada ou rejeitada por aqueles aos quais era destinada. O nome do artigo onde estava não era “O Papel da Oposição”? Seu objetivo não era afirmar posições e propor novos caminhos para ela?
Nas oposições, FHC é mais que um cientista social ilustre e um ex-presidente da República. Foi como “presidente de honra do PSDB” que assinou o artigo na (boa) revista Interesse Nacional. Pelo que parece, contudo, seus companheiros sequer sabiam que era isso que o presidente pensava.
Estranho modo de exercer um papel de liderança política e intelectual. Comunicar uma opinião (com a qual, aliás, ninguém concorda) através de uma revista talvez não seja a melhor maneira de consolidar o sentimento partidário e motivar os filiados.
Especialmente em um momento tão delicado, em que as feridas de 2010 continuam abertas e os maus resultados eleitorais ainda são recentes.
E a sociologia por trás da frase? Onde está o “príncipe da sociologia no Brasil”, como dizia Glauber Rocha do jovem Fernando Henrique da década de 1970?
Quem o conheceu tem motivos de sobra para decepcionar-se, tanto com o raciocínio, quanto com a parte empírica do artigo. A menos que já tenha se esquecido de tudo que ele escreveu.

Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

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