domingo, 29 de maio de 2011

Três Revezes

por Marcos Coimbra*, retirado do Blog do Noblat de 29/05/11.

Nos últimos dias, frente a três questões importantes, o Brasil andou para trás.
Em pelo menos uma, fizemos, literalmente, marcha a ré. Nas duas outras, com algum otimismo, seria possível dizer que apenas não avançamos. O que acaba sendo parecido a involuir.
Nas três, um traço comum: o Brasil arcaico derrotou o moderno. Em algum momento do futuro, nossos descendentes hão de lembrar desses revezes. Talvez com incredulidade, vão se perguntar: como foi que aconteceram?
A mais difícil de explicar é a vitória da motosserra. Importa pouco se, tecnicamente, na votação do novo Código Florestal, a maioria que aprovou a emenda que anistiava quem houvesse desmatado áreas de preservação permanente até 2008 não estivesse endossando tais comportamentos. Esse foi o recado que a Câmara dos Deputados passou.
Seja dentro do país, seja internacionalmente, a decisão foi vista como derrota do ambientalismo e vitória do agro-negócio predador. Daquele que passa por cima das leis existentes apostando (com razão) que terá poder para reescrevê-las mais à frente.
Quem estava certa era a presidenta. A emenda era mesmo “uma vergonha”.
Há quem fique indignado com os chineses quando só pensam na expansão de sua indústria, sacrificando a saúde da população, o ar, a água, o solo.
Nossos comentaristas dizem, com desdém, que eles não conseguem pensar no amanhã, que são novos bárbaros, defensores de um desenvolvimentismo que não faz sentido no mundo contemporâneo.
E nós, a respeito de nossa agropecuária? Em que fazemos diferente?
O segundo revés foi a vitória do preconceito. Foi ele que venceu quando o governo cedeu às pressões de segmentos conservadores, religiosos e laicos, e proibiu o chamado “kit anti-homofobia”.
Ao invés de darmos um passo adiante, optamos por ficar onde estamos, isto é, cultivando velhos preconceitos.
O kit seria distribuído pelo ministério da Educação a escolas de ensino médio que enfrentassem problemas de bullying entre alunos. Consistiria de filmes e material de orientação aos professores, e cada escola decidiria se o adotaria (e como) em seu projeto pedagógico.
Pelo que vemos nas versões preliminares dos filmes, eles seriam destinados a ajudar adolescentes que passam por dificuldades na definição de sua identidade sexual.
Sua intenção era tornar mais fácil aos jovens, seus colegas e à comunidade escolar aceitar-se e aceitar nos outros a diversidade.
Foi lamentável que o Planalto recuasse, acatando a opinião dos adversários da proposta. Será que ganharam alguma coisa, ao deixar tudo como está? Ganharam ao se recusar a reconhecer que existem diferenças entre as pessoas e que elas precisam ser respeitadas e vistas com carinho?
O terceiro revés foi a vitória do elitismo. Nas críticas ao livro “Por Uma Vida Melhor”, aprovado pelo MEC e que faria a apologia do falar ignorante, vimos uma mistura de opiniões mal fundamentadas e sentimentos de superioridade. Os bem falantes não aceitaram que a autora defendesse o “português errado”. Acharam absurdo que o MEC não o banisse.
Nem ela, nem, muito menos, o MEC tinham afirmado que era certo falar errado. O que estava no livro, ao contrário, era a constatação de que as pessoas precisam dominar a norma culta da língua, sem o que serão sempre desconsideradas.
Ele inovava era ao dizer que “falar errado” não é uma vergonha, não desmerece ninguém, pois existem diferentes falares, de diferentes grupos, comunidades e indivíduos.
Pelo que vimos nas reações ao livro, que não será mais distribuído, poucos o conheciam. Mas não perderam a oportunidade para debochar de quem “fala mal”, de quem não consegue fazer as concordâncias que a gramática exige (no fundo, aproveitando o ensejo para ridicularizar o modo de falar de Lula).
O complicado do momento que vivemos é que o anti-governismo leva setores que nada têm de conservadores e reacionários a se alinhar com aquilo que representa o atraso.
Foram muitos os deputados modernos da oposição que votaram contra sua consciência, apenas para derrotar o governo.
São muitos os formadores de opinião que ficam calados, assistindo à escalada do conservadorismo, para não dar razão ao “outro lado”.

Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

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