segunda-feira, 16 de maio de 2011

Caso Banrisul: desfalque na Expointer mostra modus operandi da quadrilha


Igor Natusch
Uma planilha eletrônica intitulada “Relação NF por empresa – EXPOINTER 2009” acabou servindo de base para determinar valores desviados a partir da Expointer 2009 por uma quadrilha que instalou-se no setor de marketing do Banrisul. O arquivo, parte dos documentos apreendidos na sede da empresa Conexão Sul, mostra valores destinados a nomes como “Bobo”, “Comissão Agência”, “D”, “MR” e “Velho”, identificados por meio de documentos e escutas telefônicas com alguns dos participantes do esquema de superfaturamento de materiais publicitários do banco. Por meio da soma dos valores associados a cada um dos codinomes, mais os 10% de comissão, chegou-se a um montante de R$ 854.032,02 indevidamente obtidos via fraude – apenas um dos vários casos que, ao todo, lesaram os cofres públicos em cerca de R$ 10 milhões.
O valor apurado pelas investigações do MP sobre a Expointer 2009 bate com o dinheiro localizado nas residências e escritórios de Walney Fehlberg, Davi Antunes de Oliveira, Gilson Storck e Armando D’Elia Neto. Montantes em reais, dólares e euros foram encontrados em posse dos acusados, sem que coincidissem com as rendas declaradas de cada um. Na casa de Walney Fehlberg, por exemplo, foram localizados valores de R$ 169 mil e US$ 40 mil, sendo que o acusado garante que tinha como única renda os R$ 15 mil mensais recebidos enquanto superintendente de marketing do Banrisul.

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Planilha mostra valores associados a codinomes de participantes da fraude no marketing do Banrisul | Foto: Reprodução

Além da Expointer, pelo menos outros 23 eventos teriam servido de pretexto para o desvio de recursos a partir de orçamentos publicitários superfaturados. Entre eles, temos uma série de acontecimentos chave no calendário econômico e cultural do RS, como a Festa da Uva, Fenarroz, Expoagro, Expodireto-Cotrijal, a Corrida Pela Vida e o Festival de Cinema de Gramado, entre outros. Em todos eles,teria sido verificada a ação coordenada e criminosa de uma envolvendo, entre outros, o vice-presidente do Banrisul, Rubens Bordini e seu superintendente de marketing, Walney Fehlberg; Antonio D’Alessandro, um dos donos da DCS, e Armando D’Elia Neto, diretor da agência; Gilson Storck, representante da SLM; e Davi Antunes de Oliveira, responsável por gerenciar a participação das empresas envolvidas no esquema.

Modus operandi era o mesmo para diferentes licitações
A fraude envolvendo as peças do Banrisul para a Expointer 2009 segue mais ou menos a mesma lógica seguida nos outros eventos atingidos pela atuação criminosa da quadrilha. Walney Fehlberg teria solicitado a Armando D’Elia Neto, da DCS, a realização de ações de divulgação na feira, já que a agência era uma das contratadas para prestar serviços de publicidade ao banco. A partir daí, o diretor da DCS fazia o cálculo dos valores necessários para que todos os envolvidos saíssem lucrando, acrescentando parcelas para cada um dos envolvidos diretos na fraude. Os valores, já viciados, ainda recebiam os 10% de comissão devidos por contrato à empresa publicitária contratada. Como essa comissão incidia sob orçamentos irreais, fica caracterizado não apenas o peculato, mas também o enriquecimento ilícito da agência DCS.
A partir daí, Davi Antunes de Oliveira entrava no esquema, fornecendo as empresas terceirizadas que participariam da licitação e legitimariam os orçamentos fraudulentos. Quase todas as empresas envolvidas no processo licitatório em questão (Conexão Sul, Digisul, MAC Mídia, Selftur, Impresul, MKTPROM, Q-Ideia, Imobi Iventos e Silk Master) tinham ligação direta ou indireta com Davi, ainda que ele não fosse proprietário de fato das mesmas. As exceções são a CRC Stands e a Master Info, que teriam tido seus nomes e assinaturas falsificados em licitações envolvendo a Expointer.
A própria Conexão Sul consta como de propriedade de Guilherme Thiesen, empregado da empresa, que atuava como laranja dos proprietários de fato, Davi Antunes de Oliveira e Armando D’Elia Neto. No caso da Imobi, os orçamentos foram falsificados por Roberto Correa Otero, ex-funcionário que seguiu assinando em nome da empresa por orientação de Davi Antunes de Oliveira. Otero também constava na folha de pagamento da Conexão Sul, dando contornos concretos à sua ligação com o empresário que agenciava as terceirizadas envolvidas na fraude.

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Anotações manuscritas encontradas na Conexão Sul mostram dados bancários de vários laranjas de Davi Antunes de Oliveira | Foto: Reprodução
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Planilha de pagamentos para Digisul, controlada por Gerri Adriani dos Santos, mostra diferença entre valores de nota e montantes recebidos para cada serviço | Foto: Reprodução

Os orçamentos superfaturados foram planilhados, segundo o MP, por Edinéia Klein de Ávila, funcionária da DCS. Além de trabalhar para a empresa, o Ministério Público afirma, com base em gravações, que Edinéia era amante de Davi Antunes de Oliveira e teria pernoitado com ele na véspera da operação que colheu as provas do envolvimento dele na fraude. Os orçamentos eram aceitos pelo assessor de marketing do Banrisul, João Batista Rieder, também arrolado entre os acusados.

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Armando D'Elia Neto, Davi Antunes de Oliveira e Jairo Xavier Amaral viajaram juntos para a Europa | Foto: Reprodução

Até ex-sogra atuava como laranja de Davi
Em alguns casos, os empresários envolvidos prestavam favores a Davi Antunes de Oliveira, aceitando fornecer orçamentos que legitimassem a atividade criminosa da quadrilha. É o caso, por exemplo, de Jairo Xavier Amaral, um dos sócios da gráfica Impresul, que assinou orçamentos superfaturados. Ambos teriam inclusive viajado juntos para a Europa, ao lado de esposas e familiares, acompanhados também por Armando D’Elia Neto. A proximidade entre os dois, bem como a participação de ambos em atividades ilícitas, é comprovada por uma escuta do dia 02 de setembro de 2010, na qual o alerta de Davi para Jairo é bastante explícito, citando inclusive outros integrantes do esquema criminoso.
JAIRO – Alô?
DAVI – E daí, meu velho, tudo bem?
JAIRO – Quem é que tá falando?
DAVI – É o Davi, querido!
JAIRO – Fala, meu caro!
DAVI – Notícia um pouco ruim, tá? A Polícia Federal entrou dentro da minha casa, das empresas, agência , tudo!
JAIRO – Ih…
DAVI - Piça, tá?
JAIRO – É.
DAVI – Só tô te avisando para ficar preparado, né… Sei lá…
(…)
DAVI – Tá, mas é que eu não sei o que pode dar para o outro lado aquele, entendeu?
JAIRO – Aham.
DAVI – E eu não sei por que entraram até no amigo aí, que viajou com nós… Eles entraram na casa dele…
JAIRO – Tá brincando!
DAVI – Não, não… Entraram lá na Clarice (esposa de Armando D’Elia Neto), entendeu?
JAIRO – Ih…
(…)
DAVI – Tá, te liga aí, por causa do cara lá, o outro amigo (para o MP, citação a Walney Fehlberg), né?
JAIRO – É.
DAVI – Lá eu não sei também o que tá acontecendo, entendeu?
JAIRO – Aham, então tá…
DAVI – Tá? Então não posso te dizer exatamente, mas provavelmente esteja acontecendo por lá também.

Um dos casos mais chamativos envolvendo laranjas refere-se à MAC Mídia, supostamente conduzida por Maria Selma da Silva. Na verdade, Maria foi sogra de Davi Antunes de Oliveira, e jamais atuou como sócia ou gerente administrativa da empresa. A situação é explicitada em telefonema de Davi para sua ex-esposa, Maura Rejane Graziadei, filha de Maria:

DAVI – A bicha que ia fazer umas denúncias contra nós, fez Polícia Federal e o caralho, tá?… Preciso que tu faça um favor agora, certo? A tua mãe é dona de uma das empresas e tem que manter ela quieta em casa, sem atender telefonema… Não está, viajou! Entendeu?
MAURA – Aham!
DAVI - Manda ela para a praia imediatamente, que o advogado é que vai responder para nós. Ela não tem que aparecer agora, ela tava viajando e tal, entendeu?
MAURA – Mas a mãe não tem que ir para a praia, ela não pode ir para a praia!
DAVI – Querida, querida, a Polícia Federal e o caralho tão na minha casa! Entraram na minha casa, tão nas empresas, pegaram os documentos… Vai ser escândalo em rede nacional!

A inclusão de Maria Selma da Silva como laranja na MAC Mídia é evidenciada por recorte anexo à denúncia, retirado de um caderno apreendido na empresa Conexão Sul. Nele, o nome de Maria surge ao lado do valor de R$ 500, confirmando que ela recebia uma quantia mensal para manter-se como laranja de Davi.

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Nome de Maria Selma da Silva, ex-sogra de Davi Antunes de Oliveira, em anotações feitas por Guilherme Thiesen, da Conexão Sul | Foto: Reprodução

Oito acusados ainda não receberam mandado de citação
Foram entregues durante essa segunda-feira (16) mais alguns dos mandados de citação referentes ao Caso Banrisul. No momento, oito dos 25 acusados ainda não receberam os mandados – entre eles, nomes como o ex-vice-presidente do Banrisul, Rubens Bordini, e o ex-deputado e ex-assessor da presidência do banco, Rodolfo Rospide Neto. A partir do recebimento, cada um dos acusados tem dez dias úteis para a entrega de defesa escrita. A entrega das citações foi reiniciada a partir desta semana, depois de ser suspendida para que todos os apensos e documentos da acusação fossem digitalizados, processo que se encerrou na última sexta-feira (13).

publicado originalmente no blog Sul21, de 16/05/11

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