terça-feira, 24 de maio de 2011

Por uma esquerda criativa


por Paulo Wayne


Ótimo que todos os homens comam; melhor que todos tenham saber. Que gozem todos os frutos do espírito humano, porque o contrário é serem transformados em máquinas a serviço do Estado, convertidos em escravos de uma terrível organização social.
Frederico Garcia Lorca

Apesar da crise teórica que vive desde meados do século passado a esquerda construiu, nos últimos vinte anos, variadas e ricas experiências seja através dos governos ou dos movimentos sociais. Nenhuma delas foi, ainda, suficientemente analisada pelos pensadores de esquerda e, também, quaisquer delas produziram uma síntese capaz de orientar o movimento revolucionário.
A maioria destas experiências foi construída por organizações que se reivindicam socialistas e que tem nas contribuições de Gramsci sua principal referência, notadamente, o conceito de hegemonia.
Não obstante os êxitos sociais, econômicos e políticos alcançados, seja através da melhor distribuição da riqueza, do estabelecimento e garantia de direitos, estas experiências tem se demonstradas limitadas no que tange aos embates hegemônicos travados pelas classes sociais antagônicas.
Não se vislumbra nos horizontes destas experiências a superação do capital. Deixam intocável a exploração e a alienação.  Isso ocorre, em boa parte, não por falta de vontade política, mas por insuficiência teórica. Assim, governamos e mobilizamos milhares, mas somos conduzidos pela lógica do capital.  Em uma espécie de “consentimento passivo” para usar um conceito de Gramsci. Parece vivermos em um mundo tedioso e monótono. Sem alternativas.
                Um dos problemas destas experiências é que tem centrado suas políticas de desenvolvimento social , tanto nos governos como nos movimentos, quase exclusivamente na dimensão produtiva. Essa perspectiva de que a conquista do bem-estar social é decorrente da  prosperidade econômica é um equivoco, como bem aponta Danilo de Miranda, “o desenvolvimento econômico conseguido, e às vezes até expressivo, ele não é capaz de eliminar as contradições e desigualdades sociais e é insuficiente para a transformação social”.
Secundarizam , assim,  as demais dimensões das satisfações humanas.  Portanto, um projeto de humanidade incompleto e, por conseqüência, incapaz de se tornar universal.
                Negligenciam as questões que o capital não tem, por sua natureza, como resolver que é a liberdade e o prazer. Ainda idolatramos o trabalho. Alienante por essência, portanto, escravizador, e louvamos o sacrifício ante o gozo. Aqui, esquecemos do ensinamento da natureza.  Ela obriga-nos a perpetuar a espécie e constantemente a repor nossas energias, mas tornou essas ações/obrigações extremamente prazerosas para que as possamos cumprir.
                Na década noventa as forças de esquerda, principalmente, após a derrubada dos regimes dos países do “Socialismo Real”, optaram pela luta institucional. Não há problema nesta opção. A questão é que adotaram um discurso e uma prática de legitimação da institucionalidade vigente, ou seja, não questionam os valores e a lógica que a formatou e a sustenta. Limitaram sua imaginação política ao que “há no mundo”.
Deixaram de fazer as tão necessárias denúncias do modus operandi  ( articulação da disputa política e representação de interesses) e da incapacidade de avanços sócio-econômicos e democráticos significativos em sociedades construídas sob a hegemonia do capital. Não formulam e, portanto, não reivindicam o estabelecimento de novos direitos.
                Enfim, estas experiências, ainda que ricas e variadas, não produziram valores capazes de rivalizar com aqueles que asseguram a acumulação e reprodução do capital. Tem se limitado a “boa gestão” e a “inclusão social”.   Como se a época das “grandes narrativas” houvesse findado ou, como bem sintetiza Francisco de Oliveira: “Nos termos de Marx e Engels, da equação força+consentimento que forma a hegemonia desaparece o elemento força. E o consentimento se transforma em seu avesso: Não são mais os dominados que consentem em sua própria exploração; são os dominantes – os capitalistas e o capital, explicite-se – que consentem em ser politicamente conduzidos pelos dominados, com a condição de que a “direção moral” não questione a forma da exploração capitalista”.
                De outra parte as organizações que conduzem estas experiências têm se burocratizado e privilegiado a “pequena política”. Tornando-se cada vez mais organizações/movimentos “sem qualquer sofisticação política” como diria Weber. Reafirmam, com suas práticas, uma concepção de política como disputa de elites, e não como ação de maiorias.
                A esquerda perdeu a criatividade.  Não faz política como arte.
                A superação deste estado de coisas só se dará através da constituição de processos criativos coletivos. Não há mais espaço para “guias” seja ele um partido ou um intelectual genial. Todo processo revolucionário sempre foi antecedido de ricos e diversos surtos sociais criativos em todas as dimensões da existência humana.
                Algo semelhante com o que foi formulado por Goethe: “uma comunidade com outros como nós mesmos, a fim de que sejamos capazes de criar em comum uma frente contra o mundo”.
                Portanto, a tarefa da esquerda, principalmente, quando ocupa posições no estado deve ser constituir governos permeados de processos criativos coletivos que busquem superar a alienação e a exploração. Para tanto tem que investir pesadamente em políticas de cidadania cultural, de participação popular e novos modos de produção.
                Uma política cultural pensada e estruturada não apenas na fruição, produção e centrada nas belas-artes, mas, sim, privilegiando os processos criativos.  Para tanto, deve ser ofertado espaços públicos de diversidade e experimentação, não hierarquizados e com o mínimo de institucionalidade. Por óbvio temos que manter as casas de cultura, os museus, teatros, cinemas, preservar a memória, a cultura popular, etc... Mas uma política cultural que pretenda avançar para além do fazer tradicional tem que investir no processo de criação que dialogue com todas as esferas da vida social. A cultura como experiência e criação humana.
                Criar e apoiar redes criativas de participação para além das questões de governo, capazes de gestar uma nova institucionalidade que garanta uma organização social mais justa e que permita maior espaço para a autonomia dos indivíduos.
                Estimular modos de produção que comecem, mesmo que de forma embrionária e simbólica, a apontar a possibilidade de novas estruturas socioeconômicas.
                Por último, ressalto, a necessidade de se debruçar sobre o importante debate travado entre Slavoj Zizek e Tony Negri sobre a relação entre movimentos e governo.
                Este artigo, se assim o posso  chamar, foi escrito de forma açodada, em uma tarde preguiçosa. Portanto, contém uma série de imprecisões e insuficiências que pretendo sanar em um texto de maior fôlego e com maior tempo de elaboração. Principalmente, no que se refere a natureza subversiva dos processos criativos coletivos.

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