domingo, 31 de julho de 2011

Faça A Coisa Certa


Dizendo o óbvio: os governantes não são julgados pelo tamanho dos problemas que enfrentam, mas pelas respostas que a eles dão.
As pessoas não avaliam quem tem função no Executivo segundo a gravidade dos problemas existentes. Isso só acontece em situações excepcionais, quando elas se convencem que alguma coisa errada foi causada por alguém. Aí sim a conta é cobrada.
Na maior parte das vezes, não é isso que ocorre. Os problemas são de responsabilidade difusa, ninguém tem paternidade clara. Muitos são antigos e é impossível saber quando surgiram. São tão disseminados que parecem nascer por geração espontânea.
O problema da saúde pública, por exemplo. Hoje, para a vasta maioria dos brasileiros, é o mais grave e urgente do país. Do Oiapoque ao Chuí, nas pesquisas de opinião, sempre aumenta a proporção de entrevistados que o apontam como sua maior preocupação. Está se tornando uma obsessão nacional.
Alguém pode ser individualmente responsabilizado por ele? Mesmo o mais petista não teria coragem de dizer que os tucanos são culpados e só um oposicionista muito mal informado diria que a culpa é do “lulopetismo”.
Com seu habitual bom-senso, as pessoas comuns sabem que o problema da saúde não tem uma causa única ou um só culpado. Que, a rigor, nem é tão importante discutir como se originou. O relevante é saber o que cada político faz para resolvê-lo. É assim que eles são avaliados, não pelo fato de haver o problema.
Foi, fundamentalmente, pela sua passagem pelo Ministério da Saúde, no segundo governo de Fernando Henrique, que Serra se tornou candidato a presidente em 2002, permaneceu no páreo em 2006 e emplacou uma nova candidatura presidencial em 2010.
A gravidade do problema da saúde impediu que fosse candidato? Alguém jogou a responsabilidade por ele em seu colo? (A campanha Lula até tentou, em 2002, sem necessidade ou sucesso). Foi porque ele resolveu o problema da saúde que teve, nas duas vezes, um desempenho razoável e chegou, em ambas, ao segundo turno?
Sabemos que não. Serra foi um bom ministro da saúde e se tornou um candidato presidencial respeitável ao conseguir fazer boas coisas, apesar da gravidade da situação. E não foram ações que solucionaram as carências mais sentidas. Pouco melhorou, por exemplo, a qualidade do atendimento oferecido no sistema público e pouco aumentou a oferta de equipamentos básicos, como hospitais e postos de saúde.
Iniciativas como a criação dos genéricos e a distribuição do kit anti-Aids ficaram como símbolos do que é possível fazer para diminuir problemas complicados. Um “pouco” que é “muito”. Isso é que foi relevante na formação da imagem de Serra.
Há algo parecido na briga de Dilma para moralizar o Dnit. É lá, no foco de problemas de corrupção que existem há anos no setor, que ela se propôs a mexer e a não descansar enquanto não terminar uma faxina em regra.
O que mais chama atenção é quão sozinha ela está na empreitada. No Congresso, seu partido lhe dá apoio apenas discreto, temendo indispor-se com as outras bancadas da “base”. Nessas, ninguém defende medidas que podem se voltar contra elas.
A oposição finge espanto com o que vê, e se recusa a contribuir para que tenha sucesso. Na mídia, seus porta-vozes preferem o papel de vestais escandalizadas, ao invés de reconhecer o valor do que Dilma está fazendo.
Fazer uma limpa no Dnit resolve a corrupção no Brasil? Talvez não, mas é um passo fundamental. E é dando um passo de cada vez que se anda. Pelo menos, na vida real, onde promessas grandiosas e onipotentes costumam ser sinônimos de fazer nada.

Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

PT de Porto Alegre deve lançar candidato ao Paço Municipal

As secções do PT de Belo Horizonte e Rio de Janeiro estão aptas a ilustrar o que não se deve fazer com o Partido dos Trabalhadores. São dois robustos exemplos a serem evitados pelas demais seccionais do partido, no Brasil todo.

 

*publicado originalmente no Diário Gauche.


Tanto em BH, quanto no Rio, as direções petistas optaram pela linha de menor esforço, qual seja, a de cumprirem o papel de coadjuvantes de candidatos liberais, nas últimas eleições. Nas próximas, já não serão mais coadjuvantes, porque perderam a condição política de reivindicar protagonismo. Serão, pois, meros figurantes de um cenário eleitoral para o qual estarão sem fala, sem personalidade política, sem reconhecimento social e, sobretudo, sem direito de participação e decisão.

Este cenário pobre e despolitizado deve ser rejeitado pelos militantes petistas de Porto Alegre. A candidatura própria é condição inafastável para o PT da capital. É preciso apresentar um candidato à altura das conquistas consagradoras do partido na capital do Rio Grande do Sul. Esse candidato deve representar um programa que considere e resgate aquelas conquistas e aponte novas superações. Para tanto, a “Carta a Porto Alegre” lançada há poucos dias pelo partido pode informar sobre as tarefas mais importantes da atual conjuntura.

DOBRAR OU SER DOBRADO?



por Zé Reis*

A matéria “Como Tarso pretende dobrar o PT”, publicada em Zero Hora, nesse domingo (31/07), informa que o Gov. Tarso Genro usará seu prestígio de quem ganhou a eleição de 2010 no primeiro turno, para defender que o PT, em Porto Alegre, não só abra mão de ter candidatura própria ao pleito municipal de 2012, mas, apoie a Dep. Federal Manuela em sua intenção de chegar ao Paço Municipal.
Muito embora, a reportagem não traga nenhuma declaração expressa do Gov. Tarso Genro, ela traz à tona aquilo que se houve intramuros no PT. Isto é, a opinião do companheiro Tarso em favor do apoio á Manuela. Mais, ainda cita os recados da Presidenta Dilma e do Presidente Lula no mesmo tom.
É inegável que são opiniões importantes em qualquer decisão sobre a tática e a estratégia eleitoral do PT em 2012. Mas, a própria matéria alerta para o fato de haver um caminho de convencimento e debate a ser percorrido.  Também é destacado que a tendência Democracia Socialista, acena com a possível indicação do Dep. Est. Raul Pont, como candidato, e registra que o Ver. Adeli Sell, presidente do PT de Porto Alegre, já registrou sua pré-candidatura.
 Talvez tenha faltado a matéria mais informações de como estão se posicionando outras tendências internas do PT e ouvir os membros da Direção Executiva Municipal. Dos 16 integrantes da Executiva Municipal, ao menos 10 já manifestaram o entendimento em favor da Candidatura própria. Também poderia ser revelado que além da DS as tendências Articulação de Esquerda e Movimento PT já se posicionaram em favor do PT apresentar candidato ou candidata em 2012.
Assim, se é verdade, que existe uma posição do companheiro governador, não é menos verdade, que tal posição não é majoritária. Ao contrário, tudo indica que é minoritária nas instâncias e entre os militantes do município de Porto Alegre.  Aliás, não seria a primeira vez que a base petista optaria por uma solução diferente da pretendida pelo seu governador, prefeito ou presidente.
Lembremo-nos de alguns desses episódios.
Em 2000, o então ex-prefeito Tarso Genro, disputou e ganhou as prévias do então prefeito Raul Pont e do vice-prefeito Fortunati, para ver quem seria o candidato a prefeito.
Em 2002, o então prefeito Tarso Genro, disputou e ganhou as prévias para concorrer a Governador, disputando contra o Governador Olívio Dutra.
Em 2009, após um processo debates internos e um encontro extraordinário, o companheiro Tarso Genro foi escolhido candidato a governador às eleições de 2010, mesmo que a opinião do Presidente Lula fosse por uma aliança com o PMDB, para fortalecer a aliança da então candidata Dilma.
Esses episódios são emblemáticos na história recente do PT e demonstram a capacidade de sua base militante em construir caminhos próprios e independentes. E antes que alguém menos avisado tenha esquecido, em dois destes episódios, os caminhos apontados foram vitoriosos.
Ora, pensar a eleição de 2012, como momento de sustentação e confirmação dos acertos da eleição de 2010 e do governo do estado é importante, sem dúvida. Mas, não menos importante é pensar no capital político e no futuro do PT como um todo. E aí, não temos dúvida de que abrir mão de uma candidatura própria poderá ser muito custoso ao PT em Porto Alegre.  O ato do PT abrir mão de uma candidatura própria poderá ser visto como um gesto de grandeza e de não hegemonia. Mas, também, significará deixar de lado as melhores condições vividas para conquistar o governo municipal desde a derrota de 2004.
Certamente, o PT não poderá abrir mão de seu papel de principal partido de esquerda e para bem representá-lo apresentar uma alternativa de candidatura própria. Essa definição deverá ser feita de forma segura e cautelosa, evitando turbulências junto aos aliados dos governos estadual e federal, principalmente, no 1ºturno, onde poderão concorrer mais de uma candidatura da base governista. 
Quanto à questão de nomes para a disputa é inconcebível aceitar-se a ideia que vem sendo plantada de que o PT não tem nomes viáveis. Um partido com lideranças como Olívio Dutra, Raul Pont, Maria do Rosário, Adão Villaverde, Henrique Fontana, Adeli Sell e Sofia Cavedon não está carente de opções. Ao contrário.
Dessa forma, espero que daqui alguns dias, publique-se uma matéria onde o título seja: “Como o PT convenceu Tarso” ou “Como o PT e Tarso encontraram uma solução própria”.
  • Secretário Geral do PT de Porto Alegre

Não tentem pegar a Dilma por aí

publicado originalmente no blog tijolaco.com, em 30/07/11.



A reportagem exibida ontem pelo Jornal Nacional é um primor de “urubologia”.
Com uma edição digna de programa eleitoral do PSDB, com números negativos exibidos em computação gráfica e imagens de obras supostamente paradas.
Numa tentativa de transformar o sucesso em fracasso, não há uma palavra sobre 89% das obras monitoradas  estarem em ritmo adequado, enquanto 8% estão em estado de atenção, 2% têm execução preocupante e 1% já foi concluído, até porque são obras pesadas, que não se fazem com um estalar de dedos. Esse é o número em valor, o critério mais adequado, porque não distorce o quadro, misturando pequenas obras com grandes projetos.
Em resumo: 90% está dentro do planejado e 10% apresenta problemas. Mas a Globo faz matéria apenas sobre os 10%.
Nem uma palavra sobre já estarem contratados R$ 25 bilhões para obras de saneamento, 87%  deles em obras cuja execução está em torno de 50% realizada.
Nem um segundinho para a informação de já entraram no sistema elétrico brasileiro 2 mil megawatts gerados por obras do PAC 2. Ou que 83% dos projetos de urbanização em áreas precárias estão em andamento, satisfatoriamente.
Mas muito tempo para o senador Alvaro Dias – aquele vice “viúva Porcina” de Serra, o que foi sem nunca ter sido – e para um economista da “Contas Abertas” (aquela mesmo cujos fundadores estiveram às voltas com os problemas panetônicos do Governo de José Roberto Arruda, no Distrito Federal.
A gente posta aí em cima o vídeo da apresentação feita pela Ministra do Planejamento, Miriam Belchior, para você ver, em detalhes, o que a emissora não deu. Quem quiser ter acesso ao balanço completo, pode acessá-lo aqui.
A Globo, por aí, vai sangrar na veia da saúde do Governo Dilma.
Porque ela pode ter defeitos, mas um deles certamente não é o de ser incapaz ou tolerante com atrasos e incompetência na gestão de projetos.
Mas isso tem dois aspectos bons.
O primeiro, que a Globo pode distorcer a realidade, mas não é capaz de revogá-la.
O segundo, o de que está se encarregando de mostrar que a comunicação do governo não pode ser baseada no que a grande mídia chama de “liberdade de expressão”, que é ela falar sozinha.
Quem sabe assim o pessoal de lá se convence de que precisa falar claro, mostrar os fatos e dar à imensa rede de solidariedade ao projeto que Dilma os meios para combater a “urubologia” global?

quinta-feira, 28 de julho de 2011

"Podemos estar perto de reviver a crise de 1930"

Esta é uma época interessante, e digo isso no pior sentido da palavra. Agora mesmo estamos vivendo, não uma, mas duas crises iminentes, cada uma delas capaz de provocar um desastre mundial. Nos EUA, os fanáticos de direita do Congresso podem bloquear um necessário aumento do teto da dívida, o que possivelmente provocaria estragos nos mercados financeiros mundiais. Enquanto isso, se o plano que os chefes de Estado europeus acabam de pactuar não conseguir acalmar os mercados, poderemos ter um efeito dominó por todo o sul da Europa, o que também provocaria estragos nos mercados financeiros mundiais.

Somente podemos esperar que os políticos em Washington e Bruxelas consigam driblar essas ameaças. Mas há um problema: ainda que consigamos evitar uma catástrofe imediata, os acordos que vêm sendo firmados dos dois lados do Atlântico vão piorar a crise econômica com quase toda certeza.

De fato, os responsáveis políticos parecem decididos a perpetuar o que está sendo chamado de Depressão Menor, o prolongado período de desemprego elevado que começou com a Grande Recessão de 2007-2009 e que continua até o dia de hoje, mais de dois anos depois de que a recessão, supostamente, chegou ao fim.

Falemos um momento sobre por que nossas economias estão (ainda) tão deprimidas. A grande bolha imobiliária da década passada, que foi um fenômeno tanto estadunidense quanto europeu, esteve acompanhada por um enorme aumento da dívida familiar. Quando a bolha estourou, a construção de residências desabou, assim como o gasto dos consumidores na medida em que as famílias sobrecarregadas de dívidas faziam cortes.

Ainda assim, tudo poderia ter ido bem se outros importantes atores econômicos tivessem aumentado seu gasto e preenchido o buraco deixado pela crise imobiliária e pelo retrocesso no consumo. Mas ninguém fez isso. As empresas que dispõem de capital não viram motivos para investi-lo em um momento no qual a demanda dos consumidores estava em queda.

Os governos tampouco fizeram muito para ajudar. Alguns deles – os dos países mais débeis da Europa e os governos estaduais e locais dos EUA – viram-se obrigados a cortar drasticamente os gastos diante da queda da receita. E os comedidos esforços dos governos mais fortes – incluindo aí o plano de estímulo de Obama – apenas conseguiram, no melhor dos casos, compensar essa austeridade forçada.

De modo que temos hoje economias deprimidas. O que propõem fazer a respeito os responsáveis políticos? Menos que nada. A desaparição do desemprego da retórica política da elite e sua substituição pelo pânico do déficit tem verdadeiramente chamado a atenção. Não é uma resposta à opinião pública. Em uma sondagem recente da CBS News/The New York Times, 53% dos cidadãos mencionava a economia e o emprego como os problemas mais importantes que enfrentamos, enquanto que somente 7% mencionava o déficit. Tampouco é uma resposta à pressão do mercado. As taxas de juro da dívida dos EUA seguem perto de seus mínimos históricos.

Mas as conversações em Washington e Bruxelas só tratam de corte de gastos públicos (e talvez de alta de impostos, ou seja, revisões). Isso é claramente certo no caso das diversas propostas que estão sendo cogitadas para resolver a crise do teto da dívida nos EUA. Mas é basicamente igual ao que ocorre na Europa.

Na quinta-feira, os “chefes de Estado e de Governo da zona euro e as instituições da UE” – esta expressão, por si só, dá uma ideia da confusão que se tornou o sistema de governo europeu – publicaram sua grande declaração. Não era tranquilizadora. Para começar, é difícil acreditar que a complexa engenharia financeira que a declaração propõe possa realmente resolver a crise grega, para não falar da crise europeia em geral.

Mas mesmo que pudesse, o que ocorreria depois? A declaração pede drásticas reduções do déficit “em todos os países salvo naqueles com um programa” que deve entrar em vigor “antes de 2013 o mais tardar”. Dado que esses países “com um programa” se veem obrigados a observar uma estrita austeridade fiscal, isso equivale a um plano para que toda a Europa reduza drasticamente o gasto ao mesmo tempo. E não há nada nos dados europeus que indique que o setor privado esteja disposto a carregar o piano em menos de dois anos.

Para aqueles que conhecem a história da década de 1930, isso é muito familiar. Se alguma das atuais negociações sobre a dívida fracassar, poderemos estar perto de reviver 1931, a bancarrota bancária mundial que tornou grande a Grande Depressão. Mas se as negociações tiverem êxito, estaremos prontos para repetir o grande erro de 1937: a volta prematura à contração fiscal que terminou com a recuperação econômica e garantiu que a depressão se prolongasse até que a II Guerra Mundial finalmente proporcionasse o impulso que a economia precisava.

Mencionei que o Banco Central Europeu – ainda que, felizmente, não a Federal Reserve – parece decidido a piorar ainda mais as coisas aumentando as taxas de juros?

Há uma antiga expressão, atribuída a diferentes pessoas, que sempre me vem à mente quando observo a política pública: “Você não sabe, meu filho, com que pouca sabedoria se governa o mundo”. Agora, essa falta de sabedoria se apresenta plenamente, quando as elites políticas de ambos os lados do Atlântico arruínam a resposta ao trauma econômico fechando os olhos para as lições da história. E a Depressão Menor continua.

(*) Paul Krugman é professor de Economía em Princeton e Prêmio Nobel 2008.

Tradução: Katarina Peixoto

Fonte: Sinpermiso

extraído do Blog Carta Maior

Nem europeia, nem americana, a crise é mundial

por Eneas de Souza, publicado no blog SUL21 de 28/07/11

1) André Scherer escreveu um belo artigo em http://econobrasil.tumblr.com/ sobre a crise europeia. E como num jazz, ele tocou uma guitarra, agora, estimulado pelo som, pela música, toco o meu sax tenor. Estamos numa plena “jam session” ou num sarau sobre a crise financeira internacional. O que poderia dizer em paralelo? A minha primeira frase musical vai para a velha tese, que André também concorda: a questão é o domínio econômico e político das finanças. E, em minha opinião, é preciso retomar a autonomia do político em relação à economia; isso porque, certamente, a política está dominada, subordinada, funciona como serva das finanças. Claro, a Alemanha observa o lado geopolítico. E pode-se ver que toda a sua manobra, desde muito tempo, era compor uma parceria crítica com a Rússia e enrolar a França deste gênio Sarkozy para fazer da Europa, uma Europa dos capitais. E, nesse movimento, tomar uma posição mais consolidada em face dos Estados Unidos e da China. A Comunidade Européia sempre foi um sonho da Alemanha… para a Alemanha.
2) Cabe falar um pouco da Europa dos capitais. Pois, a idéia alemã era exatamente isso: avançar num espaço sem controle, o espaço europeu, sem nenhuma força política, salvo os Estados e as representações limitadas dos Estados, para ter um espaço de domínio da valorização dos capitais europeus. Um além Estado nacional onde o capital pudesse se valorizar sem freios. Ou melhor, com algum controle, só que a seu serviço, em seu benefício. Por isso, para arbitrar as desavenças entre as instituições financeiras, foi criado o Banco Central Europeu. E, inclusive, para definir coisas singelas para os capitais, como a taxa de juros básica do sistema.
3) Parecia essa idéia uma aleluia. O sistema inventa e os homens – no caso, os financistas – ficam à margem como pescadores na borda do rio das finanças. Mas o que importa de um modo geral aos homens de negócios são os cálculos da economia sem ver que essa só se mantém se existe uma dinâmica que passa pela ordem política. Então, Volker, o presidente do FED, inventou, sem saber, o dólar como moeda financeira, depois de 1979, que inclui duas coisas, duas realidades: a taxa de juros que assegura ao dinheiro a valorização temporal mínima desse capital, mas que se materializa nos títulos do Tesouro, no primeiro caso, nos títulos do Tesouro Americano. Esses dois elementos garantem a moeda com a sua função principal de reserva de valor, num mundo pós-Bretton Woods, num mundo sem o dólar ouro, com o dólar financeiro.
4) Falei duas condições: o Banco Central com sua taxa básica e o Tesouro, com o termo que garante a valorização do dinheiro. Pois vejam a falseta européia. Criaram o Banco Central, mas não criaram o Tesouro – deixando a cargo dos países componentes da Comunidade a garantia da moeda, ou seja, cada país sustentava o Euro com o seu Tesouro. Olha só o lado manco que a Europa armou: um banco central geral, mas vários Tesouros, alguns Tesourinhos, para sustentar o Euro. Olhe e pense o leitor: o Tesouro irlandês, o Tesouro português, o Tesouro grego estão à altura do Tesouro Francês e, suprema comparação, do Tesouro Alemão? O Euro criou o múltiplo e capenga Tesouro esfacelado da Europa. É essa multidão de pedaços que os políticos europeus estão tentando costurar.
5) Dirá o leitor controverso: mas, alto lá! Como é que a moeda européia continua geralmente valorizada no mesmo nível por relação ao dólar (1,40)? Ambrose Evans-Pritchard matou a questão. O euro está caindo em relação a várias moedas, inclusive o “Brazilian Real”. Ou seja, o dólar e o euro são duas moedas bêbadas. Claro, tem um lado que a desvalorização tenta servir ao comércio externo dos países da Europa e dos Estados Unidos, tentando favorecer suas exportações. Mas o fato é que o eixo inflamado USA-Inglaterra-Comunidade Européia está em queda na sua sustentação econômica, caracterizada pela derrapagem de suas moedas. E essa derrapagem está expressando a queda desse eixo em relação à China. E o problema é grave, porque o yuan não é moeda de mercado, não tem capacidade para ser moeda mundial, o que significa que nosso Mantega tem razão: estamos numa guerra cambial. E, sobretudo, o sistema monetário internacional não tem uma moeda forte para conduzir o processo das trocas.
6) A Europa está complicada porque o jogo está sendo feito em cima não de uma Europa política, mas sim de uma Europa dos capitais, que, para se proteger, avança mais um pouco o lado político. É isso; mais um pouco. Vejam: o Fundo de Estabilidade Europeu tem mais possibilidades de ser uma Agência Européia de Resgate de Dívidas do que um Tesouro. A turma segue com cuidados, mesmo agora, quando Trichet, o presidente do BCE, já está convencido que é preciso um Tesouro europeu. Não adianta, a turma vai num passo cauteloso por causa da necessidade do capital não querer controles sobre si e desejar manter um poder forte, intenso, de pressão, sobre o(s) Estado(s).
7) O projeto das Finanças européias não é incrementar a formação do Estado europeu, salvo se ele for absolutamente necessário. Por quê? Por causa da liberdade de ação. A tal autorregulamentação dos capitais. Eles tiveram um susto com a Grécia, Portugal e Irlanda. Mas acreditam que driblaram a crise. E vejam só como pensa uma cabeça de banqueiro: vamos ajudar os gregos, os irlandeses, os portugueses. A taxa de juros é, digamos, 5%, agora estão baixando para 3, 5%. Pois bem, ajuda? Vejam a Alemanha paga 3%. Pois mesmo nesta ajuda existe um premio de risco de 0,5%. que os capitais vão faturar. É obvio que para os países em crise é um grande negócio, pois a Grécia chegou a pagar 17% de premio. Mas ajuda? Ajuda, sim, só que os caras ganham ainda um naco. Ou seja, ajudam, contudo continuam, para não perder o costume, batendo o bolso dos contribuintes gregos. Na verdade, a pergunta decisiva é: a quem eles estão ajudando?
8) Quem ganha? Em primeiro lugar, as finanças que não quebram, e, em segundo, os Estados dos bancos emprestadores. Porque se quebrarem os bancos, quebram os Estados também. O pacote é sensacional porque é um pacote financeiro que tenta salvar todo mundo: Estados devedores, bancos dos Estados devedores; bancos emprestadores e Estado dos bancos emprestadores. E nesse lance, há algo que é preciso enxergar: a Alemanha forçou todo o tempo a entrada, na “ajuda”, dos capitais privados. À primeira vista é interessante, porque os bancos são “voluntariamente” convidados a comparecer, modificando juros para baixo e prazos por mais tempo para cima. Certo? Certo! Só que há um pequeno detalhe: Ângela Merkel concitou os banqueiros a entrarem nas negociações, o que é um escândalo, porque aprofunda a combinação Estado-bancos. E consequência tem sabor especial: os bancos propõem uma atitude particular numa negociação de Estado e o Estado se privatiza mais ainda, com as finanças aumentando o seu domínio público. Maravilha!
9) E, pelo apresentado acima, se pode ver que as finanças, com cumplicidade dos chefes de Estado dos países, não só resistem à formação dos Estados Unidos da Europa, como os avanços eventuais que se façam, serão desviados, em cima do lance, em proveito delas. Ou seja, Estado nunca! A não ser que sejamos os donos dele. Por isso, não acredito que a Europa se faça Europa sem que haja uma hecatombe. E o passo feito agora é apenas para construir um arremedo de Tesouro, uma Agência de Resgate de Dívidas. E se conecta nesse link uma integração dos banqueiros na reestruturação da dívida, compondo com o grupo de dirigentes do Estado um acréscimo da privatização das decisões estatais.
10) Uma coisa importante que André e eu concordamos: não há crise grega, ou crise irlandesa, ou crise portuguesa. O que há é uma crise européia. E para dizer a verdade: a crise não é européia. Nem européia, nem americana, a crise é da economia mundial. E ela vem avançando a partir de um eixo que está desabando, fenômeno de geologia econômica, capaz de trazer para o primeiro plano uma profunda crise financeira que culmina numa crise monetária. E, no caso, uma dupla crise monetária: o dólar pelo lado americano e o euro pelo lado europeu. Então, como afirmamos acima, a crise da moeda tem origem numa crise do Estado. Efetivamente, o resultado vem a galope, estamos diante de uma imperiosidade de grande envergadura: a mudança da configuração atual do Estado. E aparece a fatal pergunta: mudará?
11) O que é que deve mudar nesses Estados? Primeiro, o retorno da soberania, do poder e da autonomia do Estado em relação às forças econômicas. É a política que deve assumir o comando do processo social, em função dos interesses do Estado e da sociedade. O poder que institui é o povo, a população, a multidão, a sociedade, em nome do qual se governa. A pergunta do momento: não foi exatamente a idéia de Bem Comum que as finanças esqueceram?
12) Pode-se ver a realidade do poder social através da posição que o Banco Central ocupa no conjunto das instituições. E daí vem a pergunta subseqüente: como é que existe um órgão encastelado no Estado, com o poder coercitivo do Estado, que não se submete ao poder executivo, quando toma medidas executivas? Ora, não pode o Banco Central ser autônomo e nem, muito menos, independente do governo. Ele tem que estar integrado na política econômica do Estado, numa política econômica global, que atue sobre as políticas monetária, cambial, fiscal, financeira, mas também sobre as políticas industrial, tecnológica, de rendas, agrícola, agrária e sociais, mesmo num quadro de acumulação de capital multinacionalizado. Por isso se percebe a mágica das finanças. Sob a alegação de que não deve haver influência política nas decisões financeiras do Banco Central faz-se uma agência que decide “tecnicamente” sobre as variáveis que influenciam o mercado. “Tecnicamente”, é claro, quer dizer que as melhores decisões são aquelas que encontram as soluções mais benéficas para a concorrência dos capitais na esfera financeira. Mas, atenção, se conseguiu algo melhor ainda – e essa foi a solução dos últimos tempos – as finanças passaram a deter a sua própria regulamentação. E o que sobrou para o Banco Central? Definir a taxa juros básica do mercado e coordenar, nas crises, soluções para as falências ou pacotes de salvação para as instituições financeiras.
13) A segunda mudança fundamental do Estado é a posição que o Tesouro assume na sua estrutura. Ele não pode ser instrumento de uma política financeira das finanças, tem que ser um dos pilares da política e da estratégia de um Estado. Logo, o que importa na dinâmica da política contemporânea é a mudança das relações políticas, de uma sociedade que impeça o assalto do Estado que as finanças fizeram e fazem nos dias que se aceleram. É óbvio que essa mudança só se processa no tempo, depois de muito combate e muita luta, na continuidade dos fracassos sociais rotundos das políticas geradas pelo atual setor hegemônico. No entanto, ela já está a caminho. Só que sua concretização depende do persistente trabalho da política e da sociedade.
14) Podemos dizer que, na dimensão histórica da vida presente, essa metamorfose se fará no bojo de uma dupla passagem. A passagem geopolítica da unipolaridade americana para a bipolaridade USA-China, e a passagem de um modelo de acumulação de capital centrada na produção de petróleo e automóveis e produção em massa para um modelo baseado nas novas tecnologias de comunicação e informação (revolução da informação, “cheap microeletronics”, computadores, softwares, telecomunicações, biotecnologia, novos materiais). É nas lutas para essa dupla passagem que poderemos buscar à seguinte realidade, o seguinte e óbvio objetivo: não são os povos que devem servir as finanças, mas as finanças que devem servir aos povos. Por que uma realidade tão clara foi obscurecida por tanto tempo pela filosofia e prática do neoliberalismo?

Potencialidades e riscos do novo acordo europeu

 por André Scherer

O acordo estabelecido no dia 21/07 entre os líderes europeus baseia-se em quatro pontos:
1)  a extensão do European Financial Stability Fund (EFSF), em tamanho e escopo (tornando-o o embrião de um Fundo Monetário Europeu capaz de tomar medidas preventivas em relação às dívidas soberanas e aos sistemas financeiros em risco), de modo a garantir as dívidas dos países europeus ameaçados de défault;
2)  a redução dos juros e alongamento dos prazos das dívidas de Irlanda, Portugal e Grécia, com comprometimentos diferentes entre esses países (maiores e mais claros em relação a Grécia; não tão explícitos em relação aos demais);
3) o “convencimento” aos bancos privados em aceitarem uma perda em torno de 21% de seu engajamento em relação aos títulos gregos – e somente os gregos -, o que configura o já famoso “défault seletivo” a ser proclamado pelas agências de notação na próxima semana, com conseqüências sobre o mercado de Credit Default Swaps (CDS);
4)  criação de uma agência de rating européia que possibilite uma maior independência em relação ao julgamento promovido pelas agências tradicionais.
   Há um enorme potencial para o aprofundamento institucional da União Europeia nas decisões tomadas na última quinta-feira. Esse pode ter sido o dia em que, finalmente, os europeus se deram conta de que o atual suporte institucional e orçamentário é estruturalmente deficiente. Há, nas medidas propostas, um cheiro de união fiscal e política, única forma de vencer a crise avançando em direção ao “projeto europeu” de unificação, esboçado após o final de II Guerra Mundial.
   Afinal, as medidas aprovadas somente têm alguma probabilidade de sucesso em médio prazo com a institucionalização de um Tesouro Europeu que fará dos países hoje existentes entidades sem substância econômica e/ou capacidade política. E, em funcionando, um país vencedor, a Alemanha, que suportará a dor dos bail-outs necessários à consolidação fiscal dos países devedores, tal qual suportou os custos da sua própria unificação. E continuará tendo um mercado quase cativo nos agora disciplinados países “periféricos” da Europa Unificada, incapazes de disputarem politicamente o comando (ou as resistências) em face de seus “salvadores”. O que não foi obtido pelas armas pode ser possível obter pela via do “mercado”, num reflexo europeu de uma ditadura soft engenhosamente engendrada pelas finanças em nível mundial, com a submissão daqueles que se deixam capturar pelo jogo financeiro.
   A “nova periferia” européia sobreviverá em uma institucionalidade (inclusive Espanha e Itália, obviamente) a ser construída em um momento em que seu peso político e seu potencial para se contrapor as decisões franco-alemãs será praticamente nulo. Mas, em vencendo a etapa inicial e os conflitos políticos internos, haverá uma Europa, uma política fiscal, monetária e externa européias, unificada; e um espaço a disputar no complicado jogo geo-econômico global da primeira metade do século XXI.
No entanto, nada indica que o caminho esboçado acima possa ser facilmente percorrido a partir de agora. A lista de percalços é longa, mas, para facilitar a compreensão, iniciemos por aqueles de caráter mais “conjuntural” (mas não menos decisivos para o desenlace do imbroglio):
1) o timing para que uma decisão como a tomada nessa semana fosse indiscutivelmente efetiva pode ter passado. Esse é um problema recorrente desde o início da crise financeira mundial e que decorre, conforme inúmeras vezes argumentado nesse blog, de dois fatores complementares: de um lado, a incompreensão teórica quanto à gravidade e aos mecanismos que dão dinamismo à crise; de outro, a diferença no tempo de resposta aos acontecimentos da política e da “finança”. A finança propõe e a política reage. Inúmeras vezes, tanto no campo norte-americano quanto europeu (sem esquecer as instituições multilaterais como o FMI ou a BIS), ouvimos uma declaração que se repetiu na última quinta-feira:  a de que era hora de passar à frente, de ter em mão instrumentos  preventivos e ações conseqüentes engatilhadas face à dinâmica dos acontecimentos. Não há dúvida de que as decisões tomadas são uma tentativa de retomar a dianteira estratégica do Estado no jogo financeiro, mas terão elas a agilidade e o tamanho para uma resposta efetiva capaz de modificar o perigoso contágio em direção às dívidas espanhola e italiana já em curso?
2) a incerteza quanto ao teor  e a capacidade implementação, econômica e política, efetiva das medidas propostas. Nesse sentido, é emblemático que o teor efetivo do pacote de medidas a ser considerado pelo parlamento alemão somente venha a ser detalhado pela chanceler Angela Merkel no final de agosto. As decisões cruciais concernem não apenas o tamanho do EFSF (o qual, segundo várias estimativas, deveria ser ao menos triplicado para cerca de 1,2 trilhão de euros de modo a ganhar em efetividade) mas também os prazos (há uma proposição de dobrarem para quinze anos ao invés dos 7,5 anos atualmente vigentes) e as taxas de juros (possivelmente limitadas a 3,5% ao ano). Como efetivar essas medidas com a agilidade necessária dadas as questões políticas envolvidas, especialmente na Alemanha?;
3) a extrema fragilidade do sistema financeiro privado, em particular na Itália e na Irlanda, coloca riscos de novas crises graves a serem resolvidas in extremis pelo Banco Central Europeu (BCE) a qualquer momento. Correm nesse final de semana rumores quanto ao défault dos bônus do Irish Bank, o último dos grandes bancos irlandeses ainda não nacionalizado, o qual teria proposto no início do mês de julho um desconto de 90% em sua dívida vincenda no valor de 2,6 bilhões de euros! Conforme a Reuters, a International Swaps and Derivatives Administration (ISDA) teria determinado o dia 28 de julho para a compensação dos CDS referentes ao credit event referente a Irish Bank, a qual seria nacionalizada em seguida. Sabemos que qualquer abalo maior na Irlanda repercute tanto na Inglaterra quanto nos EUA e, sintomaticamente, na semana passada os representantes do Irish Bank teriam feito o tour em Wall Street na busca desesperada por impedir o trágico desfecho. A história tem potencial e promete, caso se confirme, fortes emoções para a próxima semana. Na Itália, o Unicredit não sai das manchetes e já deu a clássica declaração pública de que “o banco se encontra suficientemente capitalizado” na semana passada… Nesse contexto, não é surpreendente que tenha havido insistência quanto ao fato de que o setor privado participaria “apenas no caso grego”, com a reestruturação “voluntária” da dívida soberana do país. Será factível e realista essa proposta?
   Esses, dentre outros problemas, devem complicar bastante a  efetividade da ambiciosa (porém tardia) proposta européia. Mas as questões estruturais envolvidas não são de menor monta, ao contrário. Para não me alongar muito nessa já imensa postagem cito:
1) quem convencerá o povo alemão a pagar a conta das dívidas da periferia européia depois de toda a campanha midiática em contrário feita nos últimos anos?;
2) quem convencerá os povos dos “novos países periféricos europeus” a consolidar e cristalizar essa condição em uma nova institucionalidade européia?;
3) como garantir um mínimo de crescimento econômico no continente europeu,condição fundamental para o estancamento dos prejuízos financeiros, dados os planos de austeridade condicional que continuam a ser exigidos dos povos endividados?;
4) como impedir o contágio recíproco entre União Europeia, Inglaterra e EUA, mantendo o livre fluxo de capitais?;
5) como impedir um desastre no mercado de derivativos de crédito, dados os volumes envolvidos e o caráter sistêmico de suas relações financeiras complexas?
Volta-se ao início: os governos não entendem o que está em jogo, reagem tardiamente e com mecanismos inadequados ao estágio do problema. Como ensina François Chesnais, ao contrário de 1929, não podem e não desejam confrontar o poder financeiro. O fato de ainda estarmos lidando com um poderio financeiro praticamente intocado mostra que não existem forças nos Estados, no momento, para impedir um desfecho fatal. Essa segunda década do século XXI promete ser bastante agitada. O que o Estado não faz, o “mercado” desfaz, resultando em uma crise autofágica que somente pode nos remeter a Marx: “o limite do capital está no próprio capital”. Ou, reafirmando: “capital é crise”. O ambicioso pacote europeu parece pouco, muito pouco, face ao que está em jogo.

domingo, 24 de julho de 2011

O complexo de vira-lata

publicado originalmente na Carta Capital, 24/07/11.

Até os jornais brasileiros tiveram de noticiar. Uma força-tarefa criada pelo Conselho de Relações Exteriores, organização estreitamente ligada ao establishment político/intelectual/empresarial dos Estados Unidos, acaba de publicar um relatório exclusivamente dedicado ao Brasil, -pontuado de elogios e manifestações de respeito e consideração. Fizeram parte da força-tarefa um ex-ministro da Energia, um ex-subsecretário de Estado e personalidades destacadas do mundo acadêmico e empresarial, além de integrantes de think tanks, homens e mulheres de alto conceito, muitos dos quais estiveram em governos norte-americanos, tanto democratas quanto republicanos. O texto do relatório abarca cerca de 80 páginas, se descontarmos as notas biográficas dos integrantes da comissão, o índice, agradecimentos etc. Nelas são analisados vários aspectos da economia, da evolução sociopolítica e do relacionamento externo do Brasil, com natural ênfase nas relações com os EUA. Vou ater-me aqui apenas àqueles aspectos que dizem respeito fundamentalmente ao nosso relacionamento internacional.
Logo na introdução, ao justificar a escolha do Brasil como foco do considerável esforço de pesquisa e reflexão colocado no empreendimento, os autores assinalam: “O Brasil é e será uma força integral na evolução de um mundo multipolar”. E segue, no resumo das conclusões, que vêm detalhadas nos capítulos subsequentes: “A Força Tarefa (em maiúscula no original) recomenda que os responsáveis pelas políticas (policy makers) dos Estados Unidos reconheçam a posição do Brasil como um ator global”. Em virtude da ascensão do Brasil, os autores consideram que é preciso que os EUA alterem sua visão da região como um todo e busquem uma relação conosco que seja “mais ampla e mais madura”. Em recomendação dirigida aos dois países, pregam que a cooperação e “as inevitáveis discordâncias sejam tratadas com respeito e tolerância”. Chegam mesmo a dizer, para provável espanto dos nossos “especialistas” – aqueles que são geralmente convocados pela grande mídia para “explicar” os fracassos da política externa brasileira dos últimos anos – que os EUA deverão ajustar-se (sic) a um Brasil mais afirmativo e independente.
Todos esses raciocínios e constatações desembocam em duas recomendações práticas. Por um lado, o relatório sugere que tanto no Departamento de Estado quanto no poderoso Conselho de Segurança Nacional se proceda a reformas institucionais que deem mais foco ao Brasil, distinguindo-o do contexto regional. Por outro (que surpresa para os céticos de plantão!), a força-tarefa “recomenda que a administração Obama endosse plenamente o Brasil como um membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. É curioso notar que mesmo aqueles que expressaram uma opinião discordante e defenderam o apoio morno que Obama estendeu ao Brasil durante sua recente visita sentiram necessidade de justificar essa posição de uma forma peculiar. Talvez de modo não totalmente sincero, mas de qualquer forma significativo (a hipocrisia, segundo a lição de La Rochefoucault, é a homenagem que o vício paga à virtude), alegam que seria necessária uma preparação prévia ao anúncio de apoio tanto junto a países da região quanto junto ao Congresso. Esse argumento foi, aliás, demolido por David Rothkopf na versão eletrônica da revista Foreign Policy um dia depois da divulgação do relatório. E o empenho em não parecerem meros espíritos de porco leva essas vozes discordantes a afirmar que “a ausência de uma preparação prévia adequada pode prejudicar o êxito do apoio norte-americano ao pleito do Brasil de um posto permanente (no Conselho de Segurança)”.
Seguem-se, ao longo do texto, comentários detalhados sobre a atuação do Brasil em foros multilaterais, da OMC à Conferência do Clima, passando pela criação da Unasul, com referências bem embasadas sobre o Ibas, o BRICS, iniciativas em relação à África e aos países árabes. Mesmo em relação ao Oriente Médio, questão em que a força dos lobbies se faz sentir mesmo no mais independente dos think tanks, as reservas quanto à atuação do Brasil são apresentadas do ponto de vista de um suposto interesse em evitar diluir nossas credenciais para negociar outros itens da agenda internacional. Também nesse caso houve uma “opinião discordante”, que defendeu maior proatividade do Brasil na conturbada região.
Em resumo, mesmo assinalando algumas diferenças que o relatório recomenda sejam tratadas com respeito e tolerância, que abismo entre a visão dos insuspeitos membros da comissão do conselho norte-americanos- e aquela defendida por parte da nossa elite, que insiste em ver o Brasil como um país pequeno (ou, no máximo, para usar o conceito empregado por alguns especialistas, “médio”), que não deve se atrever a contrariar a superpotência remanescente ou se meter em assuntos que não são de sua alçada ou estão além da sua capacidade. Como se a Paz mundial não fosse do nosso interesse ou nada pudéssemos fazer para ajudar a mantê-la ou obtê-la.

A Previdência Social na Prefeitura de Porto Alegre


publicado originalmente no blog RSURGENTE.
 Paulo Muzell
A Previdência Social começa na Prefeitura no início dos anos sessenta na gestão do prefeito José Loureiro da Silva através da sanção da lei nº 2.521 que criou o Montepio dos Funcionários da Prefeitura de Porto Alegre. Foi atribuído ao Montepio o encargo de pagar pensões às viúvas dos servidores. A lei autorizava o desconto de 4,75% da remuneração dos funcionários e garantia igual aporte de recursos do Município destinados a um fundo garantidor de pensões correspondentes a 60% do salário do servidor. A aposentadoria integral era assegurada e custeada com recursos do tesouro municipal.
Desde sua origem o Montepio viveu uma contradição que o acompanhou ao longo dos seus trinta e nove anos de existência: foi constituído como um órgão de personalidade jurídica de direito privado, mas mantido com recursos exclusivamente públicos: receitas transferidas dos cofres da prefeitura e de salários de servidores, descontados compulsoriamente. Seu caráter privado o eximiu de cumprir normas e de se submeter aos controles existentes nos entes públicos. Inexistia para o Montepio a exigibilidade de concurso público para ingresso de pessoal e ele não era, também, submetido ao controle e auditorias do Tribunal de Contas do Estado. O resultado é que um pequeno grupo de servidores operou uma verdadeira “ação entre amigos”: eleita de forma indireta uma diretoria executiva administrou por quase quatro décadas uma entidade responsável por recursos que representavam 9,5% da folha de pessoal da Prefeitura, valor que, a preços atuais, representa uma receita anual de 130 milhões de reais.
No final dos anos noventa e início do século atual as mudanças no sistema previdenciário brasileiro repercutiram na Prefeitura de Porto Alegre. Em 2001 o executivo aprovou e sancionou a Lei complementar 466 que estabeleceu as regras de transição e modificações no regime próprio de previdência, adequando a legislação previdenciária municipal aos dispositivos da Emenda Constitucional nº 20. No ano seguinte a Lei Complementar 478 criou o Departamento Municipal de Previdência dos Servidores do Município de Porto Alegre – PREVIMPA, autarquia incumbida de administrar o sistema previdenciário da Prefeitura.
A partir de 10 de setembro de 2001 foi instituído o regime de capitalização, passando a coexistir na Prefeitura dois regimes previdenciários: o dos servidores estatutários que ingressaram até dia 9 de setembro, que ficaram abrigados no regime de repartição simples e o dos que foram nomeados a partir do dia seguinte e que passaram a ser cobertos pelo novo regime, de capitalização, com uma nova sistemática de cálculo de benefícios. O valor das aposentadorias e das pensões passou a ser calculado e pago pela média das últimas contribuições. Nas pensões aplica-se nos valores que excederem o teto do regime geral (INSS) um redutor de 30%.
Até novembro de 2001 manteve-se a alíquota de 4,75%, que subiu para 6,75% em agosto de 2002, estabelecendo-se aumentos periódicos até que foi atingida a alíquota de 11%, em setembro de 2005. Cabe ao Município aportar 22%, a contribuição-teto estabelecida na legislação federal.
As projeções atuariais anualmente atualizadas e que constituem anexo obrigatório da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) apontam para um acelerado crescimento dos encargos com pagamentos de aposentados e pensionistas na Prefeitura. Para este ano a previsão é de que a diferença entre a receita e a despesa previdenciária ultrapasse os duzentos milhões de reais; em 2015 a estimativa é que atinja os 470 milhões; mantendo-se a tendência de crescimento até 2020, ano em ultrapassará os 600 milhões de reais, triplicando de valor em relação a 2011. O déficit se mantém neste patamar até o início dos anos trinta, só começando a declinar lentamente a partir de 2033.
Em 2011 os encargos previdenciários da Prefeitura deverão absorver algo em torno de 7% de sua receita corrente líquida (RCL). Para que se mantivesse neste nível no próximo decênio seria necessário que a RCL crescesse à taxa de 10,25% ao ano, algo improvável, quase impossível de ocorrer. É que a RCL cresceu nos últimos dez anos, em média, apenas 3% acima da inflação uma taxa que pode ser considerada razoável Se repetirmos para a década seguinte esta taxa, teríamos em 2020 um comprometimento da RCL com pagamento de aposentadorias e pensões da ordem 14%, percentual elevado e perigoso.
Examinando as estatísticas municipais dos últimos dez anos verificamos que o crescimento do pagamento de aposentadorias e de pensões e combinado com a elevação da despesa com serviços de terceiros tiveram efeito direto nos ingressos de pessoal.
Entre 2001 e 21010 o número de nomeações foi menor do que de aposentadorias, o que reduziu o número de servidores ativos da Prefeitura. Em 2001 eram 19,8 mil e em 2010 apenas 17,5mil (-11,0%). No mesmo período o número de inativos subiu de 5,4 mil para 6,6 mil funcionários (+22%).
O significativo crescimento do comprometimento da receita corrente líquida (RCL) com encargos previdenciários exigirá cuidado maior e prudência redobrada das futuras gestões das finanças municipais. O aumento do déficit previdenciário previsto para os próximos vinte anos aumentará o risco de que uma imprudente gestão das finanças – combinada ou não com uma eventual e indesejada recessão – possa trazer sérios problemas, reduzindo significativamente a capacidade do poder público municipal de realizar obras e de prestar os serviços à população.

Face à crise: quatro princípios e quatro virtudes

extraído do Blog Correio do Brasil, de 23/7/2011,  Por Leonardo Boff
 
A frase de Einstein goza de plena atualidade: “o pensamento que criou a crise não pode ser o mesmo que vai superá-la”. É tarde demais para fazer só reformas. Estas não mudam o pensamento. Precisamos partir de outro, fundado em princípios e valores que possam sustentar um novo ensaio civilizatório. Ou então temos que aceitar um caminho que nos leva a um precipício. Os dinossauros já o percorreram.
Meu sentimento do mundo me diz que quatro princípios e quatro virtudes serão capazes de garantir um futuro bom para a Terra e à vida. Aqui apenas os enuncio sem poder aprofundá-los, coisa que fiz em várias publicações nos últimos anos.
O primeiro é o cuidado. É uma relação de não agressão e de amor à Terra e a qualquer outro ser. O cuidado se opõe à dominação que caracterizou o velho paradigma. O cuidado regenera as feridas passadas e evita as futuras. Ele retarda a força irrefreável da entropia e permite que tudo possa viver e perdurar mais. Para os orientais o equivalente ao cuidado é a compaixão; por ela nunca se deixa o outro que sofre abandonado, mas se caminha, se solidariza e se alegra com ele.
O segundo é o respeito. Cada ser possui um valor intrínseco, independetemente de seu uso humano. Expressa alguma potencialidade do universo, tem algo a nos revelar e merece exisitir e viver. O respeito reconhece e acolhe o outro como outro e se propõe a conviver pacificamente com ele. Ético é respeitar ilimitadamene tudo o que existe e vive.
O terceiro é a responsabilidade universal. Por ela, o ser humano e a sociedade se dão conta das consequências benéficas ou funestas de suas ações. Ambos precisam cuidar da qualidade das relações com os outros e com a natureza para que não seja hostil mas amigável à vida. Com os meios de destruição já construidos, a humanidade pode, por falta de responsabilidade, se autoeliminar e danificar a biosfera.
O quarto princípio é a cooperação incondicional. A lei universal da evolução não é a competição com a vitória do mais forte mas a interdependência de todos com todos. Todos cooperam entre si para coevoluir e para assegurar a biodiversidade. Foi pela cooperação de uns com os outros que nossos ancestrais se tornaram humanos. O mercado globalizado se rege pela mais rígida competição, sem espaço para a cooperação. Por isso, campeiam o individualismo e o egoismo que subjazem à crise atual e que impediram até agora qualquer consenso possível face às mudanças climáticas.
Os quatro princípios devem vir acolitados por quatro virtudes, imprescindíveis para a consolidação da nova ordem.
A primeira é a hospitalidade, virtude primacial, segundo Kant, para a república mundial. Todos tem o direito de serem acolhidos o que correspode ao dever de acolher os outros. Esta virtude será fundamental face ao fluxo dos povos e aos milhões de refugiados climáticos que surgirão nos próximos anos. Não deve haver, como há, extra-comunitários.
A segunda é a convivência com os diferentes. A globalização do experimento homem não anula as diferenças culturais com as quais devemos aprender a conviver, a trocar, a nos complementar e a nos enriquecer com os intercâmbios mútuos.
A terceira é a tolerância. Nem todos os valores e costumes culturais são convergentes e de fácil aceitação. Dai impõe-se a tolerância ativa de reconhecer o direito do outro de existir como diferente e garantir-lhe sua plena expressão.
A quarta é a comensalidade. Todos os seres humanos devem ter acesso solidário e suficiente aos meios de vida e à seguridade alimentar. Devem poder sentir-se membros da mesma família que comem e bebem juntos. Mais que a nutrição necessária, trata-se de um rito de confraternização.
Todos os esforços serão em vão se a Rio+20 de 2012 se limitar à discussão apenas de medidas práticas para mitigar o aquecimento global, sem discutir outros princípios e valores que podem gerar um consenso mínimo entre todos e assim conferir sustentabilidade à nossa civilização. Caso contrário, a crise continuará sua corrosão até se transformar num tragédia. Temos meios e ciência para isso. Só nos faltam vontade e amor à vida, à nossa, e a de nossos filhos e netos. Que o Espírito que preside à história, não nos falte.
Leonardo Boff é teólogo e escritor.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

As finanças estaduais e a Previdência dos servidores no Rio Grande do Sul


Publicado originalmente no blog RSURGENTE.



Durante os quatro anos do governo Yeda convivemos com a farsa do “déficit zero”. Vendeu-se à opinião pública a versão de que, finalmente, depois de muitas e muitas décadas, assumia um governo que iniciava o prometido e esperado processo de saneamento e recuperação das finanças do Rio Grande. A mídia local – especial destaque para a RBS – adotou descaradamente a versão oficial de que marchávamos para o desejado equilíbrio das contas públicas.
Publicado o balanço de 2010 constatou-se o que a maioria das pessoas bem informadas já sabia: não houve recuperação e sim piora no quadro orçamentário-financeiro estadual no quadriênio 2007/2010. Diminuíram os recursos da área social, o nível dos investimentos caiu, aproximando-se perigosamente de zero. O resultado orçamentário de 2010 foi um déficit de 156 milhões, a execução orçamentária resultou num saldo de restos a pagar, sem cobertura financeira de mais de um bilhão de reais. A dívida fundada continuou aumentando e, em dezembro passado, ultrapassou os 40 bilhões, registrando um crescimento de 269% em relação ao valor de 1997, ano em que foi renegociada com o governo federal pelo governo Brito. Constata-se que as críticas à renegociação feitas à época, ignoradas pelo governo e pela mídia eram corretas, o contrato foi firmado em condições desfavoráveis, lesivas aos interesses do Estado. Apesar de comprometer anualmente em média 16% da receita líquida total, a dívida cresceu 65% acima da inflação medida pela IPCA.
Há pendentes, também, outros passivos de elevado montante, como um estoque de precatórios de 5,4 bilhões de reais e de 800 milhões de RPVs (requisições de pequeno valor). Há, ainda, os saques a descoberto do caixa único, de quase 5 bilhões de reais.
O governo Yeda – dentre seus muitos outros pecados e omissões – não encaminhou solução para a questão previdenciária, sem qualquer dúvida o principal “nó” a ser desatado para que se tenha uma efetiva melhoria no quadro das finanças estaduais. O regime de capitalização, existente desde 2001 na Prefeitura da capital só foi criado este ano, com uma década de atraso.
Yeda apurou mais de um bilhão de reais através da venda de ações preferenciais do Banrisul que deveriam ser destinados a um fundo previdenciário. Na verdade os recursos foram desviados, destinados a obras rodoviárias, realizadas “a toque de caixa” no episódio eleitoral de 2010.
Devemos lembrar, também, que Antonio Brito já havia passado outro “calote da previdência”. Em 1995, seu governo elaborou, aprovou e sancionou a lei nº 10.588 que autorizava um desconto de 2% na remuneração dos servidores e que destinava os recursos a um fundo previdenciário que seria futuramente regulamentado. A regulamentação nunca ocorreu, o fundo nunca existiu, foi apenas um “ghost”. O único efeito da lei foi desviar do salário dos servidores mais de um bilhão de reais ao longo de cinco anos: em 2000 a lei foi revogada.
Os servidores estaduais, a exemplo dos demais da área pública são regidos pelo regime de repartição simples e passaram a contribuir para aposentadoria muito recentemente. A lei nº 7.672, de 1982 estabeleceu uma alíquota de contribuição de 9% incidente sobre a remuneração total, destinando 5,4% à previdência e os restantes 3,6% para assegurar a assistência à saúde através do IPE. Somente em 2004 tivemos a uniformização das alíquotas em relação ao INSS, estabelecendo-se a alíquota de 11% para a previdência e um percentual adicional de 3,1%, não compulsório, para a saúde. Como não foi criado o regime de capitalização, os servidores que ingressaram a partir desta data permaneceram no regime de repartição simples, assegurada a aposentadoria integral garantida pelo Tesouro estadual.
O déficit previdenciário previsto pela LDO/2011 atingirá este ano os 5,2 bilhões de reais, devendo comprometer 27% da receita corrente líquida do Estado. O seu crescimento teve como conseqüência a redução do número de nomeações. Só nos últimos cinco anos o efetivo de pessoal ativo da saúde e da educação diminuiu 9,2%: são 10,7 mil servidores a menos prestando serviços na área social. O crescente peso do pagamento de aposentadorias e pensões impede que ocorra a reposição dos que se aposentam.
O estudo atuarial projeta um preocupante crescimento das despesas previdenciárias. O déficit continuará subindo até 2020, ano em que atingirá os 6 bilhões de reais, permanecendo neste patamar até 2026, quando começa a diminuir, embora muito lentamente. Nos próximos dez anos os recursos do Tesouro deverão cobrir um rombo de cerca de 60 bilhões que é a diferença entre as receitas e as despesas previdenciárias projetadas para o período. Esse montante representa três vezes a atual receita anual do Estado. E o patamar de comprometimento da receita líquida total com aposentadorias e pensões permanecerá acima dos 25%, um nível insuportável especialmente num estado que tem que atender os encargos de um passivo que hoje ultrapassa os cinqüenta bilhões de reais.
Só um extraordinário crescimento da economia gaúcha e da receita tributária do Estado nos próximos quinze ou vinte anos poderia trazer a esperança da reversão do quadro de crise das nossas finanças, agravado nos últimos anos. Nada indica, todavia, que possamos ter aqui, num futuro próximo a repetição do milagre chinês: o PIB gaúcho cresceu abaixo do brasileiro nas últimas três décadas, a taxa média atingiu modestos 2,7% ao ano. E, para piorar, a participação da receita do Estado no bolo nacional do ICMS também diminuiu.
Como milagres não ocorrem quando a gente quer, certamente teremos que aprofundar – em futuro mais próximo do se imagina – a reforma da previdência estadual timidamente iniciada no final do primeiro semestre deste ano pelo governo Tarso Genro.

Por que a oposição não fala mais de economia?





Subitamente, setores da sociedade brasileira querem que o povo saia às ruas. É preciso qualificar esses “setores da sociedade brasileira”. São aqueles que foram apeados do poder político no início dos anos 2000 e que tiveram sua agenda política e econômica dilacerada pela realidade. A globalização econômica cantada em prosa e verso nos anos 1990 revelou-se um fracasso retumbante. A globalização financeira, a única que houve, afundou em uma crise dramática que drenou bilhões de dólares da economia real, conta que, agora, está sendo paga por quem costuma pagar essas lambanças: o povo trabalhador que vive da renda de seu trabalho.
Durante praticamente duas décadas, nos anos 80 e 90, a esmagadora maioria da imprensa no Brasil e no exterior repetiu os mesmos mantras: o Estado era uma instituição ineficiente e corrupta, era preciso privatizar a economia, desregulamentar, flexibilizar. A globalização levaria o mundo a um novo renascimento. Milhares de editoriais e colunas repetiram esse discurso em jornais, rádios, tvs e páginas da internet por todo o mundo. Tudo isso virou pó. Os gigantes da economia capitalista estão mergulhados em uma grave crise, a Europa, que já foi exemplo de Estado de Bem-Estar Social, corta direitos conquistados a duras penas após duas guerras mundiais. A principal experiência de integração regional, a União Europeia, anda para trás.
No Brasil, diante da total ausência de programa, de projeto, os representantes políticos e midiáticos deste modelo fracassado que levou a economia mundial para o atoleiro, voltam-se mais uma vez para o tema da corrupção. Essa é uma história velhíssima na política brasileira. Já foi usada várias vezes, contra diferentes governantes. Afinal de contas, os corruptos seguem agindo dentro e fora dos governos. Aparentemente, por uma curiosa mágica, eles são apresentados sempre como um ser que habita exclusivamente a esfera pública. Quando algum corrupto privado aparece com algemas, costuma haver uma surda indignação contra os “excessos policiais”.
No último domingo, o jornal O Globo publicou uma reportagem para questionar por que os brasileiros não saem às ruas para protestar contra a corrupção. O Globo sabe a resposta. Como costuma acontecer no Brasil e no resto do mundo, o povo só sai às ruas quando a economia vai mal, quando há elevadas taxas de desemprego, quando as prateleiras dos super mercados tornam-se território hostil, quando não há perspectiva para a juventude. Não há nada disso no Brasil de hoje. Há outros problemas, sérios, mas não estes. A violência, o tráfico de drogas, as filas na saúde, a falta de uma educação de melhor qualidade. É de causar perplexidade (só aparente, na verdade) que nada disso interesse à oposição. Quem está falando sobre isso são setores mais à esquerda do atual governo.
Comparando com o que acontece no resto do mundo, a economia brasileira vai bem. Não chegamos ao paraíso, obviamente. Longe disso. Há preocupações legítimas em nosso vale de lágrimas que deveriam ser levadas a sério pelo governo federal sobre a correção e pertinência da atual política cambial e de juros, apenas para citar um exemplo. O Brasil virou mais uma vez um paraíso para o capital especulativo e a supervalorização do real incentiva um processo de desindustrialização.
Curiosamente, essa não é a principal bandeira da oposição. Por que estão centrando fogo no tema da corrupção e não na ausência de mecanismos de controle de capitais, por exemplo? Por que não há editoriais irados e enfáticos contra a política do Banco Central e as posições defendidas pelos agentes do setor financeiro? Bem, as respostas são conhecidas. Os partidos políticos não são entidades abstratas descoladas da vida social das comunidades. Alguns até acabam pervertendo seus ideais de origem e se transformam em híbridos de difícil definição. Mas outros permanecem fiéis às suas origens e repetem seus discursos e estratégias, década após década.
Nos últimos dias, lideranças nacionais do PSDB e seus braços midiáticos vêm repetindo um mesmo slogan: o Brasil vive uma das mais graves crises de corrupção de sua história. Parece ser uma tese com pouco futuro. Tomando as denúncias de corrupção como critério, o processo de privatizações no período FHC é imbatível. Há problemas econômicos reais no horizonte. É curioso que isso não interesse à oposição. Afinal, é isso que, no final das contas, faz o povo sair às ruas. Sempre foi assim: a guerra, a fome, o desemprego. Esses são os combustíveis das revoluções.
A indigência intelectual e programática da oposição brasileira não consegue fazer algo além do que abrir a geladeira, pegar o feijão congelado meio embolorado da UDN, colocá-lo no forno e oferecê-lo à população como se fosse uma feijoada irrecusável. Mas no fundo não se trata de indigência. É falta de alternativa mesmo. Falta de ter o quê dizer. Não falta matéria-prima para uma oposição no Brasil, falta cérebro e, principalmente, compromisso com um projeto de país e seu povo.
O modelo político-econômico que hoje, no Brasil, abraça a corrupção como principal bandeira esteve no poder nas últimas décadas por toda a América Latina e foi varrido do mapa político do continente, com algumas exceções. Seu ideário virou sinônimo de crise por todo o mundo. É preciso mudar de assunto mesmo. A verdade, em muitos casos, pode ser insuportável, ou, simplesmente, inconveniente.

(*) Artigo publicado originalmente na Carta Maior

Taxa de desemprego é a menor da série para meses de junho desde 2002


19/7/2011 ,  Por Agência Brasil
desemprego
A taxa de desemprego é a menor da série histórica

A taxa de desemprego chegou a 6,2% em junho e é a menor para o mês desde o início da série histórica da pesquisa, em 2002, informou nesta terça-feira o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Economistas consultados pela agência inglesa de notícias Reuters projetavam 6,1%. Calculado para as regiões metropolitanas de Belo Horizonte, de Recife, do Rio de Janeiro, de Salvador, de São Paulo e de Porto Alegre, o indicador caiu 0,2 ponto percentual em relação a maio (6,4%) de 2011 e 0,8 ponto percentual na comparação com junho (7%) de 2010.
Em números absolutos, a população desocupada representou 1,5 milhão de pessoas em junho deste ano, 172 mil a menos do que no mesmo período de 2010 – uma queda de 10,4%. A população ocupada não mudou muito em relação à taxa de maio deste ano e ficou em 22,4 milhões.
– Isso representa uma estabilidade, o mercado ficou parado em junho. A inflexão da taxa de desemprego que era esperada não se efetivou. Você tem um mercado de trabalho que não contrata e mesmo com a redução da desocupação, ela não foi significativa. É um período de expectativa de aumento da ocupação e de queda na taxa para um nível menor – disse o coordenador da pesquisa, Cimar Azeredo.
De acordo com o IBGE, o número de pessoas com carteira assinada no setor privado foi 10,8 milhões em junho, taxa considerada estável. Na comparação com a de igual período do ano passado, houve um aumento de 6,2%, o que significa a criação de 634 mil postos de trabalho formal.
– Junho é um mês próximo das férias e muitas pessoas deixam de procurar trabalho, em especial mulheres, para ficar com os filhos. Outra conjectura, pode ser um dificuldade em entrar no mercado – disse Azeredo.
Os setores que impediram a inflexão da curva do desemprego em junho estão diretamente ligados à demanda do consumidor, em meio às medidas do governo para conter a inflação, segundo Azeredo. A ocupação no comércio caiu 1,7% entre maio e junho e no setor de outros serviços, que incluiu hospedagem, turismo, transporte e outros, encolheu 1,2%.
– Foram setores que impediram um queda maior na taxa de desocupação – disse.
Na outra ponta, a indústria ampliou seu quadro em 29 mil pessoas, graças ao desempenho de São Paulo.
No semestre
A taxa de desemprego encerrou o primeiro semestre em 6,3%, contra 7,3% no mesmo período do ano passado. Em 2010 como um todo, ano de forte aquecimento da economia, a taxa média de desemprego foi de 6,7%, a mais baixa da série.
– A média agora já é a menor da série e está abaixo do que aconteceu em 2010. Se tudo se mantiver daqui para o fim do ano, teremos uma nova taxa recorde (de baixa em 2011). O segundo semestre costuma ter taxas menores que no primeiro – disse Azeredo.
O rendimento médio do trabalhador brasileiro ficou em R$ 1.578,50, refletindo aumento de 0,5% em relação a maio deste ano e de 4% ante o valor apurado em junho de 2010.
– A evolução do rendimento mostra um ganho real no poder de compra com mais pessoas com carteira assinada, uma maior organização da economia, a política de aumento do salário mínimo e dissídios mais altos – concluiu.