terça-feira, 12 de julho de 2011

A Previdência Social no Brasil


publicado originalmente no blog RSURGENTE


Por Paulo Muzell
A sustentabilidade financeira e atuarial de um sistema previdenciário depende de fatores endógenos, como tempo e valor de contribuição, dos benefícios pagos, e, também, do comportamento de variáveis externas como o grau de formalidade e nível do emprego, salários, produtividade e patamar dos juros da economia, além da dinâmica demográfica.
Os indesejados desequilíbrios decorrem do fato dos indivíduos usufruírem aposentadorias cujos valores são superiores aos aportados durante os anos de trabalho e de contribuição. Uma solução possível poderia ser a chamada “transferência intergeracional”, base do Regime de Repartição (RR). Os jovens trabalhadores de hoje, em maior número e trabalhando com crescente produtividade suportariam os encargos – pagamento de aposentadorias e pensões – da geração passada. E assim por diante, “per saecula saeculorum”.
A dinâmica populacional das últimas décadas – aqui no Brasil e na maioria dos países do mundo – inviabilizou esta possível solução. A acentuada queda da fecundidade e o aumento da longevidade elevaram sensivelmente a proporção de aposentados na população. O envelhecimento da população e a contração da população ativa implicaram a necessidade de aumentar as taxas de contribuição e/ou reduzir os benefícios para preservar o RR: praticamente todos os países desenvolvidos tomaram medidas para reduzir os seus desequilíbrios atuariais da previdência.
Segundo dados oficiais do Regime Geral do INSS, tínhamos em 1940 uma relação de 30 ativos para cada inativo; trinta anos depois, em 1970 já eram apenas 4,2; em 1980 a relação já estava abaixo de 3 e no final do século era de apenas 1,9. Dez por cento da população do país tem hoje mais de 60 anos, percentual que se elevará para 17% em 2025 e atingirá 25% em 2050, ano a partir do qual começará cair. Conclusão: temos uma população ativa diminuindo em relação ao crescente número de aposentados, que vivem cada vez mais. De 1950 para cá, em cada década passada a expectativa de vida aumentou três anos; na metade do século passado o brasileiro ao nascer tinha uma expectativa de viver apenas 50 anos; em 2000 já atingira os 65 anos e supera hoje os 73; a projeção é que em 2050 ultrapasse os 80 anos.
Aqui no Brasil o processo de estabilização iniciado com o Plano Real, em abril de 1994 previa, dentre as medidas de controle e equilíbrio fiscal a modificação do sistema previdenciário brasileiro. As mudanças iniciaram com Emenda Constitucional nº 20 (1998), complementada pela nº 41 (2003). Foram mantidos, todavia, dois subsistemas previdenciários distintos: o dos trabalhadores em geral (RGPS), segurados do INSS (RGPS) e o “próprio”, dos servidores públicos, civis e militares (RPPS). Nos dois subsistemas foram restringidas as concessões de aposentadorias especiais e precoces e estabelecidos tempos e idades mínimas para as aposentadorias. Foi extinta a aposentadoria proporcional e estabelecido um período de transição no qual poderiam usufruí-la aqueles trabalhadores que estivessem próximos de completar o tempo mínimo. A idade mínima de 60 anos para o homem e de 55 anos para a mulher foi aprovada para o Regime Próprio (RPPS) dos servidores públicos estatutários e não obteve aprovação para o Regime Geral (RGPS) dos segurados do INSS.
No intuito de limitar as aposentadorias precoces foi aprovada a lei nº 9.876/99, criando o famigerado Fator Previdenciário (FP). Utilizando uma complexa fórmula de cálculo, o FP funciona como um redutor do valor do benefício. É que ele leva em conta o número de anos que o aposentado vai viver a partir de sua inatividade, ou seja, expectativa de vida, variável calculada anualmente pelo IBGE. Em resumo, se o cidadão se aposentou com menos idade – porque trabalhou desde muito cedo e contribuiu o tempo que a lei determina -, vai pagar um “pedágio” porque estará cometendo a “barbaridade” de viver mais. E o redutor do valor do benefício pode chegar a 40%! Temos aí um belo exemplo do que uma insana e insensível mente tecnocrática pode urdir.
Estudos do IPEA e do IBGE concluem que se forem mantidas as atuais regras do RGPS – dos segurados do INSS – teremos no futuro um extraordinário aumento do déficit previdenciário no país. Estima-se para este ano um déficit em torno dos 48 bilhões, 1,4% do PIB. As projeções são que o déficit atinja 4% do PIB em 2020 e suba para 7% em 2030, o que, a valores atuais, representaria um encargo anual da ordem de 250 bilhões de reais.
A previdência dos servidores públicos (o RPPS) tem números ainda piores. A diferença entre a receita das contribuições e a despesa com aposentadorias e pensões dos servidores dos três níveis de governo – União, estados e municípios – atingirá em 2011 um montante não inferior aos 120 bilhões de reais, a ser coberto com receitas de impostos. E o pior: os estudos atuariais projetam o crescimento acelerado desta despesa, muito provavelmente a taxas maiores do que as do crescimento futuro do PIB do país.
Há que observar, também, a enorme disparidade entre os benefícios recebidos pelos inativos do setor privado (RGPS-INSS) e os do serviço público. Enquanto 24 milhões de segurados do INSS recebem 48% do total dos benefícios previdenciários pagos no país, a parcela maior, de 52% destina-se a apenas 3,5 milhões de aposentados do serviço público. O benefício médio pago ao servidor público é quase oito vezes maior do que o pago ao segurado do INSS. E o do servidor federal do Legislativo e do Judiciário é, em média, dezoito vezes maior o do INSS. Não há qualquer dúvida que mudanças na previdência são absolutamente necessárias. E deverão ter como foco principal o regime próprio dos servidores públicos.
Ponto um: os segurados do INSS contribuem para suas aposentadorias desde os anos trinta, ou seja, há muitas décadas. Já os servidores públicos começaram a pagar recentemente: os funcionários federais apenas a partir de 1993. Os militares até o ano 2000 praticamente não contribuíam, tinham um desconto de apenas 1,6% para a previdência e de 3,5% para custear a assistência à saúde. Somente ao final de 2000 começaram a contribuir com 7,5% para a previdência, mantida a prerrogativa de, com um desconto adicional de 1,5%, garantir a percepção de uma pensão perpétua para as filhas solteiras. Aqui no Rio Grande os servidores estaduais contribuem desde 1982 com uma alíquota de 9%, dos quais apenas 5,6% para pagar aposentadoria e pensões. A alíquota de 11% começou a ser paga em 2004. Na Prefeitura de Porto Alegre, entre 1961 e 2001, os servidores descontavam dos salários apenas 4,75% para cobrir despesas com pensões. Só a partir de setembro de 2005 começaram a contribuir com 11% para a previdência.
Ponto dois: além de pagar benefícios muito maiores – sem que tenha ocorrido no passado a contrapartida –, a previdência dos servidores públicos é integral, inexiste o teto de 3,8 mil reais dos segurados do INSS. A extensão desse teto ao RPPS vai estabelecer justa e adequada isonomia entre servidores e segurados do regime geral (RPGS). O valor do benefício que exceder o teto deverá ser integralizado por um sistema previdenciário complementar público, custeado principalmente com contribuições do servidor. Esta é uma alternativa válida para reduzir os altos salários percebidos por algumas carreiras do Executivo, mas principalmente, pelos quadros do Legislativo e do Judiciário. O salário médio do servidor público federal do Legislativo e do Judiciário é duas vezes e meia o do funcionário do poder Executivo. Os leques salariais do serviço público têm aumentado nas últimas décadas, acentuando as desigualdades.
Dentre as propostas de futuras mudanças na previdência social veiculadas pela imprensa, além da criação do teto para o RPPS, fala-se insistentemente em alterações no pagamento de pensões. Na maioria dos países a pensão por morte do cônjuge só é concedida para a(o) beneficiária(o) com mais de 60 anos. No Brasil no regime próprio combina-se o elevado valor de aposentadoria com o pagamento por décadas e mais décadas do benefício integral a(ao) cônjuge, bastando que um funcionário(a) de idade elevada constitua sociedade conjugal com alguém muito mais moço. Pretende-se limitar o tempo de concessão e, talvez, voltar atrás na equivocada alteração constitucional de 1988 que passou a pensão de 60% para 100% da remuneração servidor. Outro problema a ser enfrentado é o dos benefícios das mulheres, que hoje gozam de tratamento diferenciado: contribuem e podem se aposentam cinco anos antes. É que elas vivem em média 7 anos mais do que os homens e, como é crescente sua presença na população ativa, acabam, por isso, aumentando os desequilíbrios. Esta situação deverá ser revista, talvez compensada através do aumento das alíquotas de contribuição.
Previdência é assunto polêmico, provoca fortes reações, discussões intermináveis. Para defender seus interesses e “direitos” – por mais particulares, corporativos e absurdos que sejam – as pessoas têm à sua disposição e utilizam um amplo arsenal de argumentos. Por isso já vou me antecipando, enunciando e respondendo alguns.
Argumento 1: com tantos privilégios existentes no país, como por exemplo as precoces aposentadorias de deputados e senadores paga por fundos públicos; as elevadas pensões vitalícias concedidas a ex-governadores; as aposentadorias integrais de parlamentares que em fim de carreira trocam seus mandatos por vagas nos tribunais de contas onde depois de alguns anos recebem polpudos valores; as pensões vitalícias pagas às filhas de militares, é um absurdo propor teto para aposentadorias de funcionários de carreira, aprovados em concursos públicos e que trabalharam trinta ou até mais anos. Concordamos: eliminar os privilégios dos militares e da casta dirigente é prioridade ZERO.. Depois vamos tratar de estabelecer isonomia entre os dois regimes, próprio e o geral, do INSS.
Argumento 2: vivemos um momento do capitalismo em que os estados nacionais são reféns de um sistema financeiro desregulamentado e especulativo que gera crises cuja superação exige a drenagem de centenas de bilhões de dólares dos cofres públicos para as instituições privadas. Aí estão recentes, a crise de 2008/2009 nos EEUU e, mais recentemente, a do euro, que eclodiu na Grécia e se estendeu à Portugal, Irlanda e Islândia. É claro que queremos e devemos lutar para que este quadro se altere, embora não exista o menor sinal que isso possa ocorrer, pelo menos num horizonte próximo. E mesmo esse cenário mundial se modifique para melhor, o grave problema da falta de isonomia e dos déficits da previdência existente no Brasil não será automaticamente resolvido.
Argumento 3: o governo mantém elevadas taxas de juros que remunera os títulos da dívida pública o que drena para o sistema bancário centenas de bilhões de reais por ano. É verdade, devemos lutar incessantemente contra juros elevados. Muitos governos aqui no Brasil tentaram, infelizmente foram derrotados. Mas, mesmo que os juros baixassem, o problema previdenciário não seria automaticamente resolvido. Perguntamos: porque países que têm baixíssimas taxas de juros, como os EUA ou o Japão, por exemplo, fizeram e estão fazendo mudanças que visam o equilíbrio financeiro-atuarial do seu sistema previdenciário?
Argumento 4: houve recentemente no país um processo de privatizações que transferiu centenas de bilhões de patrimônio público para mãos privadas. Estes recursos, se o brutal equívoco das privatizações não tivesse ocorrido, poderiam cobrir o déficit previdenciário. Novo engano, sofisma. As privatizações já ocorreram e não poderão ser revertidas, ao contrário, para revertê-las seria necessário dispor de centenas de bilhões de reais.
Argumento 5: foram desviados centenas de bilhões do caixa do INSS. Só no período pós 1966 o Ministério do Planejamento calculou uma cifra na ordem dos 600 bilhões de reais a preços atuais. Como nos anos cinqüenta houve também uma sangria nos recursos previdenciários para construir Brasília, o “rombo previdenciário” pode chegar a um trilhão de reais. Se os desvios não tivessem ocorrido, a previdência do regime geral (RPGS) não seria deficitária, o problema não existiria e a reforma não seria necessária. Argumento inválido: os desvios ocorreram ao longo de muitas décadas e não há nenhuma possibilidade de serem revertidos hoje. Depois ocorreram no RGPS – a previdência dos segurados do INSS – e os problemas maiores e as alterações a serem feitas deverão ter como foco central o RPPS, o regime próprio dos servidores públicos.
O tema é amplo, árido e já nos estendemos demais. Voltaremos a ele em breve para comentar a previdência dos servidores estaduais e a situação atual e as perspectivas futuras das finanças do Rio Grande do Sul.

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