domingo, 27 de novembro de 2011

O que fazer com Serra?

publicado, originalmente, no blog do Noblat.

por Marcos Coimbra*

Como aqueles entes sobrenaturais incômodos que, às vezes, aparecem nas casas antigas, o ex-governador José Serra, volta e meia, se manifesta. Desde o início do ano, foram várias.
Em todas, causou embaraços e constrangimentos a seus correligionários. Quando, por exemplo, no primeiro semestre, resolveu pisar fundo nas críticas ao PT e a Dilma, em um texto que denunciava a “herança maldita de Lula” (vindo de quem havia se apresentado, em 2010, como o “Zé que vai continuar a obra de Lula”).
Justo na hora em que os governadores e parlamentares tucanos procuravam estabelecer um clima de diálogo com o governo.
Outro dia, se materializou, subitamente, no encontro peessedebista que estava sendo realizado no Rio de Janeiro, marcado - talvez por coincidência - para quando tinha dito que estaria indisponível. Voltou às pressas da Europa e lá surgiu.
Como a maior parte dos debatedores ali reunidos reprovava a campanha que fizera ano passado, teve que ouvir o que não queria.
Procurando acomodá-lo no arranjo partidário que emergiu da convenção de maio, arrumaram-lhe uma função para a qual se revelou inapto. Não faz sentido que o conselho político de um partido seja presidido por quem não dá mostras de querer ouvir os outros. Por quem quer apenas externar pontos de vista individuais.
Até agora, no entanto, Serra não tinha ido tão longe como foi na discussão da estratégia do PSDB para a sucessão da prefeitura de São Paulo. Na última terça feira, para espanto do meio político, saiu-se com a tese de que seu partido não deveria ter candidato a prefeito na maior cidade do país, a capital do estado que governa desde 1994 e o principal bastião tucano nacional.
Seu argumento é que o PSDB não tem “candidatos viáveis” e que, por isso, deveria se aliar ao PSD, cerrando fileiras em torno da candidatura de Guilherme Afif. Os quatro pré-candidatos tucanos que estão em campo - alguns intimamente ligados a ele -seriam perdedores.
Disputam a indicação os deputados José Aníbal, Ricardo Trípoli e Bruno Covas, assim como o secretário de Cultura do estado, Andrea Matarazzo. Todos, cada um a seu modo, estão qualificados para reivindicá-la – dois são deputados federais bem votados, um foi o campeão de votos para a Assembléia Legislativa (além de ser neto de Mário Covas), outro foi ministro de FHC e subprefeito na administração Serra.
Qualquer um deles é um “nome novo” para a prefeitura (especialmente Bruno Covas). O que não seria nada extraordinário na eleição que, provavelmente, teremos em São Paulo no ano que vem, pois vários dos possíveis candidatos de outros partidos também o são.
Seria nacionalmente relevante uma eleição em que os três maiores partidos apresentassem sua nova geração: Fernando Haddad, pelo PT, Gabriel Chalita, pelo PMDB, e um “nome novo” do PSDB. Ao invés do enésimo enfrentamento da “velha guarda”, nomes para o futuro.
Lula e Temer sabem que seus partidos precisam disso. Todas as movimentações de Alckmin sugerem que ele também. Os três raciocinam partidariamente (além de pensar, como a vasta maioria dos seres humanos, também em si mesmos). Serra, ao que parece, não. Sua aposta nunca é o novo. É o que ele considera “viável”.
A questão é como defini-lo. Em uma de suas frequentes amnésias seletivas, Serra se esquece de sua própria trajetória. Em 1988, quis ser candidato a prefeito e teve uma performance de nanico, com pouco mais que 5% dos votos (mas não se achava “inviável”). Em 1996, com Fernando Henrique no poder e o plano real nas alturas, voltou ao páreo e nem chegou ao segundo turno (mas continuou se acreditando “viável”).
Há quem ache que ele “não quer” ser candidato a prefeito em 2012, por ter medo de vencer e, assim, ser obrigado a abdicar de seu sonho presidencial. É improvável: o que tem é um fundado receio de perder, justificado pelo fraco desempenho nas pesquisas.
O que ele quer, mais uma vez, é que o PSDB faça o que ele quer. Se não é candidato, que ninguém o seja, assim permitindo que o partido seja usado na montagem da “estratégia nacional” que imaginou. E que só interessa a ele mesmo (e a seus amigos).
Os tucanos que resolvam. Às vezes, é melhor ter muitos adversários que um só companheiro assim. 

*Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Pop

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Porto Alegre, uma cidade com toque de recolher. Por Zé Reis*

A atual ofensiva da Prefeitura Municipal de Porto Alegre na fiscalização dos bares, especificamente, no Bairro Cidade Baixa, deve ser analisada para além dos aspectos legais que envolvem a questão e não devem ser secundarizados. É evidente que um bar, uma casa noturna, uma residência, um centro comercial devem respeitar a legislação municipal no que diz respeito às questões ambientais, técnicas, sociais e econômicas, para citar algumas.
Mas, sobejamente, esses aspectos não são os únicos neste debate. A noite do Bom Fim já foi referência, mas, agora não existe mais. A noite da Independência já foi referência, mas foi eliminada. Agora, chegou à vez da Cidade Baixa.
Uma cidade se constitui de diversos atores e culturas. E numa sociedade que se pretende cosmopolita, metrópole e democrática todos devem ser respeitados e conviverem harmonicamente.
O que está em questão é como Porto Alegre vai conviver com seus moradores que gostam de frequentar bares e casas noturnas, com os turistas que visitam a cidade e querem se divertir, com os empreendedores que investem neste segmento e com os trabalhadores que retiram seu sustento dessas atividades?
Será à base de um toque de recolher? Pois, a atual administração não quer permitir que bares funcionem após a meia-noite? Será tratando como marginais os frequentadores desses estabelecimentos? Sim, pois por alguns depoimentos parece que é a maioria dos frequentadores que tumultuam as imediações dos bares e restaurantes.
Todos nós temos direito ao lazer e ao descanso.  Criar formas de convivência entre os diversos interesses e motivações é tarefa de todos nós.  Se é necessário garantir o descanso, não é menos necessário garantir o direito ao lazer.
Atualizar as exigências sim, mas não se pode impedir o direito a diversão. O atual governo municipal prometeu agilizar a concessão de alvarás e licenças, mas, o que se sabe é que a morosidade e a burocracia continuam.  E como isso não se resolve, optou por tratar como caso de polícia a liberação ou não do funcionamento dos estabelecimentos. 
Se a situação não for resolvida com bom senso, talvez algum dirigente municipal proponha uma zona de exclusão dos frequentadores de bares e casas noturnas, o que seria um absurdo para uma cidade que pretende realizar uma Copa do Mundo e se diz a Capital do MERCOSUL.
*Zé Reis – Secretário-Geral do PT de Porto Alegre, Cientista Político.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Serra admite que PSDB não tem nome para 2012, tucanos insistem

puiblicado originalmente no blog Correio do Brasil, em 23/11/11


PSDB
PSBD deve apresentar o candidato à prefeitura de SP em janeiro e o partido ainda não decidiu um nome para as eleições 



Em janeiro de 2012, o PSDB deverá realizar prévias para escolher seu candidato a prefeito. Mas o impasse que tem dividido a opinião dos caciques tucanos e gerado novas polêmicas internas é falta de nomes conhecidos pelo eleitorado da capital.
Os quatro pré –candidatos que, até o momento, tiveram seus nomes citados entre as opções do partido para as eleições têm pouca representatividade entre o eleitorado da capital — o que tem gerado dúvidas e discórdias sobre a estratégia dos tucanos para 2012.
A investida de Serra contra a realização das prévias levou a cúpula do PSDB a reagir na última terça-feira com a publicação de uma nota em que o partido se declara disposto “de maneira inconteste” a disputar as eleições com candidato próprio.
O desgaste da relação de Serra com a cúpula do tucanato não é novidade. Os constantes desentendimentos entre o ex-governador e outras lideranças do partido como o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o governador de SP Geraldo Alckmin são uma mostra da divisão do tucanos e da luta interna por poder.
Discussão
Um dos mais recentes episódios envolvendo Serra aconteceu no último fim de semana, quando o ex-governador discutiu por telefone com o presidente do diretório estadual, Pedro Tobias. Segundo a Folha, Tobias teria se queixado a três pessoas de sua confiança da atitude de Serra.
O bate boca teria ocorrido depois que o presidente do diretório estadual disse a Serra que sua avaliação sobre a falta de competitividade dos candidatos tucanos era uma “bobagem completa” e que o partido não poderia abrir mão da candidatura própria em 2012.
Serra afirmou a Tobias que não se envolverá na campanha se o partido insistir em lançar candidato próprio e vetar a aliança com o PSD, o partido criado neste ano pelo prefeito Gilberto Kassab.
Derrotado nas eleições presidenciais de 2010, Serra tem recebido apelos para se candidatar a prefeito, por ser o tucano mais bem colocado nas pesquisas de intenção de voto. Mas ele nega ter interesse em participar da disputa.
A reação do PSDB de São Paulo teve apoio do presidente nacional da legenda, deputado Sérgio Guerra (PE). O governador Geraldo Alckmin foi informado do teor da nota e deu aval à sua divulgação.
Mesmo tucanos próximos a Serra, como o secretário estadual da Cultura, Andrea Matarazzo, um dos quatro pré-candidatos do partido, discordam da tese de que o PSDB deveria abrir mão da candidatura e apoiar o PSD.
Mais desentendimentos
A discussão com Tobias não foi o único atrito em que Serra se envolveu nos últimos dias. No último sábado, como informou ontem o Painel da Folha, ele questionou o presidente da Juventude do PSDB paulista, Paulo Mathias, 20, sobre a omissão de seu nome numa publicação do movimento.
Segundo relatos de pessoas presentes, Serra disse ao estudante que a Juventude Tucana era “um bando de pelegos” e que ele não deveria “se intrometer em questões nacionais e municipais”.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

"Eu tenho um sonho": o discurso de Martin Luther King



publicado no blog Política para Políticos


Um dos mais importantes textos na luta pela igualdade racial nos Estados Unidos
Martin Luther King foi um dos maiores oradores políticos do século XX. Seu estilo adaptou a oratória sacra das Igrejas negras do Sul dos EUA, com suas canções e diálogos entre o pastor e os fiéis, à luta pela igualdade racial, na década de 60, até que foi assassinado em 1968.

o famoso discurso de Martin Luther King foi feito por ocasião da Marcha sobre Washington, em 28 de agosto de 1963



O ponto mais elevado desta oratória foi o discurso pronunciado por ocasião da Marcha sobre Washington, em 28 de agosto de 1963, quando estava em discussão no Congresso Americano, a Lei dos Direitos Civis, encaminhada por Kennedy. Defensor da estratégia da “não violência” ao estilo Ghandi, Martin Luther King, provocou e enfrentou a reação do racismo nas ruas das cidades do sul dos EUA.
Suas passeatas, contrariando determinações policiais que as proibiam e a ocupação de lugares reservados para brancos nos ônibus e lancherias, provocavam a reação policial com mangueiras de bombeiros, cães e cassetetes, e, no final a prisão, para dramatizar, perante a opinião pública, o absurdo moral da segregação racial.
Na sua “Carta de uma prisão em Birmingham”, dirigida aos pastores brancos do estado de Alabama, ele dizia:
“Meus amigos. Eu devo dizer a vocês que nós não tivemos nenhuma conquista nos direitos civis sem o exercício de uma pressão legal, não violenta e determinada. (...) Nós sabemos, por dolorosa experiência, que a liberdade nunca é concedida voluntariamente pelo opressor; ela deve ser reclamada pelos oprimidos.(...) Por muitos anos eu tenho ouvido a palavra “esperem”. Ela soa aos ouvidos de um negro com uma cortante familiaridade. Este “esperem” sempre significou “nunca”
Nos seus sermões dialogados com os fiéis, Martin Luther King, insistia em que o momento era chegado. Que não havia mais nenhuma justificativa para o “Esperem”. Ele dizia :
“O que vocês querem?” . Os fiéis respondiam em uníssono: “Liberdade”. Ao que ele perguntava: “Eu quero ouvir de novo. Não ouvi bem. O que vocês querem?” “Liberdade”, gritavam os fiéis, ainda mais alto. “Para quando vocês querem a liberdade?”. O que levava os fiéis ao delírio, gritando sem parar: “Liberdade agora. Liberdade agora. Liberdade agora.”
Na Marcha sobre Washington, quando uma multidão de quase 1 milhão de pessoas reuniu-se em frente ao monumento a Lincoln, ele pronunciou o seu famoso discurso “Eu tenho um sonho”:

O discurso

“Ainda que enfrentemos as dificuldades de hoje e de amanhã, Eu tenho um sonho. Eu ainda tenho um sonho. Eu tenho um sonho no qual vejo que um dia esta nação se levantará e cumprirá o seu princípio mais importante: ‘Nós acreditamos que estas verdades são auto-evidentes: que os homens são criados iguais pelo seu Criador’ Eu tenho um sonho. Um sonho de que em algum dia, nas colinas vermelhas da Geórgia, os filhos dos escravos e os filhos dos donos de escravos estarão sentados na mesa em que todos são irmãos.
Eu tenho um sonho de que mesmo o estado de Mississipi, um estado intumescido com o calor da injustiça, será transformado num oásis de liberdade.
Eu tenho um sonho de que um dia, `cada vale será exaltado, cada colina e montanha será rebaixada, os lugares ásperos serão tornados suaves, os lugares de maldade serão tornados honestos, e a Glória do Senhor se revelará, e toda a carne a verá ao mesmo tempo’.
Esta é a nossa esperança. É com esta fé que retorno ao Sul. Com esta fé, estamos dispostos a trabalhar juntos, a rezar juntos, a lutar juntos, a ir para a cadeia juntos, e a nos levantarmos juntos em defesa da liberdade, sabendo que seremos livres algum dia.

Martin Luther King provocou e enfrentou a reação do racismo nas ruas das cidades do sul dos EUA. 
Este será o dia em que os filhos de Deus cantarão juntos : Meu país, doce terra de liberdade, para ti eu canto. Terra onde meus pais morreram, terra do orgulho dos peregrinos, de qualquer lado da montanha, que toque o sino da liberdade. Se a América quiser ser uma grande nação, então isto terá que se tornar verdadeiro. Que toque então o sino da liberdade. Quando permitirmos que toque o sino da liberdade, quando deixarmos que toque em qualquer cidadezinha de qualquer Estado, estaremos preparados para nos erguer neste dia, e todos os filhos de Deus, brancos ou negros, judeus ou gentios, protestantes ou católicos, daremos as mãos para cantar uma antiga canção negra religiosa: `Enfim livres. Enfim livres. Graças ao Senhor todopoderoso. Estamos livres enfim”
A multidão, ao fim do discurso, como que hipnotizada pela oratória pedia : “Sonha mais. Continua sonhando”, e, antes de se dispersar se pôs a cantar:
“Nós vamos vencer (We shall overcome) Nós vamos vencer. Nós vamos vencer algum dia. No fundo do meu coração eu acredito que nós vamos vencer um dia.”
Difícil reproduzir o mesmo impacto da palavra falada com o texto escrito, ainda mais quando traduzido. A força deste discurso foi extraordinária, sua autenticidade comovedora, e a sua mensagem de união de todos pela liberdade tornou-se um símbolo.
Em 1968, a voz de Martin Luther King seria calada pela bala de um assassino, mas o seu exemplo e a sua lição pavimentaram o solo político americano, para as grandes conquistas dos direitos civis para os cidadãos negros naquele país.

A grande mídia e a falsa disputa entre liberdade vs. censura

  Por Venício Lima
Diante da feroz reação da grande mídia às propostas apresentadas (e àquelas que sequer foram apresentadas) no IV Congresso Extraordinário do Partido dos Trabalhadores, relativas a um Marco Regulatório para as Comunicações, escrevi no Observatório da Imprensa nº 658: A saída parece ser colocar imediatamente para o debate público um projeto de marco regulatório. (…) Diante de uma proposta concreta de regulação democrática – a exemplo do que acontece nos países civilizados – seus eternos opositores terão que mostrar objetivamente onde de fato está a defesa da censura e onde se postula o controle autoritário da mídia. Não há alternativa.
Mídia
Menos de três meses depois, o fato de o Governo Dilma não haver ainda apresentado um projeto de Marco Regulatório, aliado à incapacidade dos “não-atores” [organizações da sociedade civil; entidades representativas da mídia pública (comunitária) e o próprio Ministério Público] de interferir efetivamente na definição da agenda pública e, mais do que isso, no enquadramento dos temas dessa agenda, vai aos poucos consolidando um falso cenário (“communication environment”) em relação ao que de fato está em jogo.
A grande mídia está vencendo a “batalha das idéias” e tem conseguido construir como significação dominante no espaço público que a sociedade brasileira estaria diante de uma disputa entre liberdade (liberdade de expressão) e censura do estado (regulação, autoritarismo).
Quem é contra a liberdade?
Na verdade esta é uma velha e conhecida tática utilizada por certos setores da sociedade brasileira. Escolhe-se um princípio sobre o qual existe amplo consenso e desloca-se a questão em disputa para seu campo de significação. Como em política, apoiar uma posição significa estar contra outras, é preciso identificar um adversário, no caso, os inimigos da liberdade. A quem se convenceria se ninguém defendesse a posição contrária? É necessário, portanto, que a grande mídia convença a maioria da população de que “alguém” é contra a liberdade – mesmo que nossa história política, em várias ocasiões, revele exatamente o inverso. Como a grande mídia (ainda) tem o poder de construir a agenda pública e enquadrá-la, repete exaustivamente a “inversão” até criar um ambiente falso no qual ela – a grande mídia – se apresenta como a grande defensora da liberdade. Resultado: se interdita a possibilidade de um debate racional do que de fato está em jogo.
Manuel Castells – um dos maiores estudiosos da comunicação nas “sociedades em rede” globalizadas – explica que o poder é exercido através da construção de significados na base dos discursos que orientam a ação dos atores sociais. E, claro, o significado é construído pelo processo de “ação comunicativa” na esfera pública, isto é, na rede (network) de comunicação, informação e pontos de vista [cf. “Communication Power”, Oxford, pbk. 2011].
Liberdade tem sido um dos termos mais problemáticos e difundidos do pensamento moderno, tanto na consciência popular quanto na conceituação de “experts”. Junto com outros termos como desenvolvimento e democracia, é parte da história da modernidade que tem dominado o pensamento ocidental pelos últimos três séculos. Durante a Guerra Fria, liberdade serviu como argumento central na disputa ideológica entre o ocidente e o oriente e, em parte, também contra o “Terceiro Mundo”. Com o fim da União Soviética, o uso ideológico da liberdade ganha novas dimensões e contornos [cf. K. Nordenstreng, “Myths about press freedom”, Brazilian Journalism Research, vol. 3, nº 1, 2007; p. 15 e segs.].
Censura vs. liberdade de expressão
Nesse contexto, não basta comprovar que a mídia é regulada nas democracias mais avançadas do mundo; não basta propor que as normas e princípios já constantes da Constituição de 88 sejam o “terreno comum” para as negociações (como fez o ex-ministro Franklin Martins recentemente em Porto Alegre); não basta mostrar que as mudanças tecnológicas exigem uma atualização da legislação; não basta reiterar compromissos com a Constituição Federal e com a liberdade de expressão. Nada é suficiente.
O vazio provocado pela ausência de propostas concretas do governo e a incapacidade dos “não-atores”, faz com que o campo de significações sobre o que constitui um Marco Regulatório das Comunicações esteja sob o controle daqueles que são contrários a ele.
Essa é a situação em que nos encontramos hoje.
O que fazer?
É possível alterar “o ambiente de comunicação” vigente e recolocar o debate em termos compatíveis com a convivência democrática entre opiniões e idéias divergentes?
Para os “não-atores” e os partidos políticos que agora se comprometem diretamente com essa bandeira, não existe outra forma senão pressionar o Governo para que torne público “um” Projeto de Lei e insistir, através de todos os recursos alternativos existentes – e aqui as novas TICs desempenham um papel fundamental – que um Marco Regulatório para as Comunicações significa, de fato, a garantia de que mais vozes se expressem no debate público, que haja mais participação, mais pluralidade, mais diversidade, isto é, mais – e não menos – liberdade.
É exatamente a possibilidade de ampliação da democracia que contraria os (ainda) poderosos interesses dos poucos grupos que, ao longo de nossa história, tem entendido, praticado e defendido a liberdade de expressão como se ela fosse somente sua e impedido que a voz da imensa maioria da população seja ouvida.
A ver.

Venício Lima é Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.

domingo, 20 de novembro de 2011

Sociedade civil, ONGs e esfera pública


postado no Blog do Emir, em 20/11/11.


A grande virada na obra de Marx vem da descoberta de que as relações de classe cruzam o conjunto da sociedade capitalista. Depois de operar com as categorias herdadas do liberalismo, como Estado/sociedade civil, ele fez o que chamou de “anatomia da sociedade civil” e encontrou la dentro as classes e a luta de classes.

Nas últimas décadas, conforme a luta democrática voltou a ter peso – depois de subestimada, em geral, pela esquerda – a categoria de sociedade civil reapareceu. Como está na sua própria natureza, ela se opõe ao Estado e desloca as relações de classe, como um retorno ao liberalismo clássico, de forma paralela à volta do liberalismo no plano econômico – com o nome de neoliberalismo.

No marco dessa categoria passaram a abrigar-se organizações de distinto tipo, desde aquelas estreitamente ligadas aos movimentos sociais e a outras formas de resistência à ditadura militar, até outras, muito mais ambíguas. Esse amálgama é possível porque a categoria de sociedade civil se presta a isso. Ela significaria “o que não é Estado”, permitindo que se abriguem nesse amplo guarda-chuvas as associações do agronegócio e as dos trabalhadores rurais, as dos proprietários de bancos e as dos bancários, a dos donos de escolas privadas e as dos estudantes, além de outras expressões da “sociedade civil” ainda mais problemáticas, como os narcotraficantes, as milícias, etc., todas pertencentes à “sociedade civil”.

Todas elas tem em comum falta de transparência, porque se autoproclamam representantes da sociedade civil, mas a eleição dos seus dirigentes, as origens dos fundos, a forma de tomada de decisões, tendem a não ser transparentes. Basta ver como se pode facilmente fundar uma ou varias ONGs e se candidatar a receber recursos públicos ou simplesmente acobertar negócios escusos.

Além da ambiguidade – para não dizer má fé - da definição de “não governamentais”. Essa posição antigovernamental se soma facilmente às posições neoliberais, não tem fronteiras em relação a “parcerias” com grandes empresas privadas e suas fundações, embora definam limites frontais contra o Estado.

Com a reaparição do liberalismo, ressurgiu com força sua visão da democracia e do Estado. A democracia viria da delimitação e do controle externo da ação do Estado, que seria, por definição, o inimigo central da democracia, que teria nos indivíduos, congregados na sociedade civil, seus elementos constitutivos.

Do que se trataria seria de controlar o Estado pela sociedade civil, para garantir a democracia. Quanto mais Estado, menos democracia, o que o neoliberalismo teorizou como Estado mínimo. Limitar o Estado, para que o mercado assuma a centralidade. Na teoria, esse papel seria o da sociedade civil, que mal recobre, na realidade, o mercado.

Essa concepção negativa do Estado abandona o caminho da democratização do Estado. É a concepção liberal, reatualizada pela ideia de controle do Estado pela sociedade civil – representada por ONGs e outras associações que pretendem assumir essa representação.

A política que mais avançou na construção da democracia no Brasil foi a do orçamento participativo, que fortaleceu a esfera pública no interior do próprio Estado, em detrimento dos interesses mercantis. A luta democrática não é externa ao Estado, mas o cruza. No Estado estão representados interesses distintos, até mesmo contraditórios, os mesmos que cruzam a sociedade.

A separação entre os dois, de caráter liberal, perde esse aspecto, fundamental, da realidade – toda ela cruzada pelas determinações sociais. A sociedade civil é uma ficção, assim como o Estado que se contrapõe a ela, todos sem determinações de classe.

Democratizar é desmercantilizar, é afirmar a esfera pública em detrimento da esfera mercantil. É fortalecer o papel dos cidadãos em detrimento dos consumidores. É levar a democratização para o próprio seio do Estado.

Na América Latina, só Brasil ainda não teve Comissão da Verdade


Constatação foi feita em Seminário Latino Americano de Direitos Humanos que acontece na Câmara dos Deputados. Testemunhos revelam a importância do acerto de contas com o passado, mesmo que comissões tenham perfis diferentes. Deposto por golpe, ex-presidente de Honduras Manuel Zelaya defende que vítimas da ditadura participem das investigações.


BRASÍLIA - De todos os países latino-americanos que sofreram com ditaduras, o Brasil é o único que ainda não acertou as contas com o passado. No continente, Guatemala, Argentina, Chile, El Salvador, Peru, Uruguai, Paraguai, Haiti, Panamá e Bolívia já instalaram Comissões da Verdade, enquanto outros instituíram ao menos comissões informais. No mundo, mais de 30 países já apostaram na iniciativa para resgatar sua memória e, em muitos casos, identificar e punir culpados.

“Toda Comissão da Verdade deve ter como objetivo fundamental reparar danos causados pela epidemia de ditaduras que ocorreram em todos os continentes do mundo a partir da década de 1960”, afirmou o paraguaio Carlos Portiro, que foi membro da Comissão da Verdade do país dele.

Segundo Portiro, essas comissões devem ser instaladas imediatamente após o fim do regime de exceção, para avaliar as infrações aos direitos humanos e, a partir daí, decidir como repará-los. 

“O Brasil e o Paraguai, entretanto, demoraram muito mais tempo para dar início a este processo do que seria o natural”, disse. O Paraguai levou 14 anos após o fim da ditadura para instalar sua comissão. No Brasil, a ditadura foi-se há 25 anos e, até agora, não houve comissão. Para Portiro, mesmo levando em conta as realidades nacionais, "precisamos admitir que, no Brasil, continua ocorrendo uma guerra contra a memória.”

Sobre a experiência paraguaia, o monsenhor Mário Medina, reconhecido militante pelos Direitos Humanos daquele país, apresentou um vídeo com os números finais que dão a dimensão do trabalho realizado. Foram oito audiências públicas, nacionais e internacionais, para debater o tema e garantir a participação da sociedade civil no processo.

Após mais de quatro anos de trabalho, a comissão identificou 20 mil vítimas diretas, 51 mil executados, 336 desaparecidos, 3,5 mil exilados diretos e 17 mil indiretos. Entretanto, também identificou, nominou e tomou as providencias necessárias para penalizar 690 torturadores.

A professora de História Simone Rodrigues Pinto, da Universidade de Brasília (UnB), apresentou estudo comparativo entre as diferentes comissões instaladas na América Latina. Segundo ela, essas Comissões são bem diferentes em todos os aspectos: período, número de membros, orçamento, autonomia, capacidade de punir, suporte governamental, entre outros aspectos.

Como exemplo de bom resultado, ela citou o caso da Guatemala, que obteve muito impacto ao investigar 23 mil assassinatos, contabilizar seis mil desaparecidos e 626 massacres. “Essa comissão tinha apenas três membros oficiais e durou somente 18 meses, mas contava com uma equipe de trabalho de cem pessoas”.

No caso da comissão argentina, criada imediatamente após o término da ditadura, foram nove meses de trabalho, com uma comissão de 13 pessoas mais equipe de 60 membros que conseguiram investigar 9 mil casos, revelando autores e desencadeando vários julgamentos.

No Chile, foram duas comissões em dois momentos diversos. A primeira investigou os 2.920 casos de assassinatos e desaparecimentos. A segunda tomou como objeto os demais crimes, que totalizaram 27 mil denúncias de violação dos direitos humanos. “em ambos os casos, elas tiveram oito membros, todos eles chilenos”, acrescentou Simone.
“Não é necessário defender a importância da Comissão da Verdade. Quanto a isso, todos temos acordo. A questão é qual tipo de comissão queremos criar e com quais objetivos.”

Para a professora, há um movimento internacional pela memória e pela verdade, desde 1974, quando foi instalada a primeira comissão, em Uganda, na África. “é importante que aja, pelo menos, a identificação e responsabilização social e moral dos torturadores e agentes da ditadura. Em muitos casos, nem as famílias dessas pessoas sabem os crimes que eles praticaram”, defendeu.

Ex-presidente de Honduras, deposto por golpe no país, Manuel Zelaya participou do seminário e defendeu que vítimas de ditaduras integrem comissões da verdade, algo não previsto no projeto aprovado pelos deputados e que está em debate no Senado. “Quando as comissões são oficiais, não têm o mesmo impacto”, disse.

Segundo ele, “As sombras que fizeram com que o Brasil e outros países latino-americanos vivessem sob golpes de Estado continuam vivas, tão vivas que Honduras viveu golpe de Estado recentemente.”

sábado, 19 de novembro de 2011

A mancha mental


retirado do blog tijolaco.com, de Brizola Neto.


O vazamento de verdade e a "pesca de sardinhas" da Chevron. Imagem e versão aceitas sem contestar

Passamos uma semana discutindo se o avião era Sêneca ou King Air. Se o Carlos Lupi conhecia o “Senhor Aldair” ou se não o conhecia. O “eu te amo” do Ministro e outras histrionices canhestras que produziu ocuparam minutos e minutos nas redes de televisão e legiões de repórteres foram mobilizadas para levantar cada pormenor de sua atuação.
Muito bem.
Nada contra a imprensa mobilizar todos os seus esforços e abrir todos os seus espaços para investigar irregularidades no serviço público, ainda que não tenha  esteja evidente  senão um comportamento pouco cuidadoso e austero de sua parte.
Dia 10, quando toda a mídia nacional se voltava para o depoimento do Ministro na Cãmara, uma pequena nota da Agência Estado registrava:
“A unidade brasileira da petroleira norte-americana Chevron informou que está trabalhando para conter um vazamento no campo Frade, na Bacia de Campos. “O vazamento se deve a uma rachadura no solo do oceano. É um fenômeno natural”, disse Heloisa Marcondes, porta-voz da Chevron Brasil. “
Nos dias seguintes, toda a imprensa nacional empenhou-se a fundo para provar que o Ministro mentira.
E ninguém se mobilizou para saber o tamanho e a causa do vazamento da Chevron e a investigar o que se provou uma mentira – e escandalosa – da Chevron.
Ninguém da grande imprensa, porque a blogosfera, sem os meios e  as facilidades que ela tem, lutou contra este encobrimento.
Não é possível que os editores de jornal, diante da notícia de que a Presidenta Dilma Rousseff, na sexta-feira, determinou uma investigação rigorosa do caso, achassem que o acidente era uma “porcariazinha”  que vinha de “uma rachadurazinha” no fundo do mar.
Não foi, nos primeiros momentos,  por ordens “de cima”  que o caso foi, na prática, abafado. Foi, o desinteresse – e existiria furor se fosse o vazamento fosse da Petrobras -  que deriva de  uma deformação mental que considera o público  necessariamente corrupto e incompetente, enquanto o privado é limpo e eficiente. Mais ainda, é claro, quando se trata de uma grande multinacional.
Formou-se uma espécie de “mancha mental”, com uma capa impermeável de obtusidade, que aceita como verdades incontestáveis o que dizem as grandes corporações privadas e a lógica do mercado. Nem mesmo as ONGs ambientalistas, na sua maioria, se agitaram. A imprensa publicava “releases”, nada mais.
Durante dias, sem piar, reproduziram-se os comunicados da Chevron, sem contraditório. A foto (única) do vazamento distribuída pela Chevron e a tirada hoje pela fotógrafa Márcia Foletto, de O Globo, mostra bem a diferença entre os faos e a versão da empresa.
Aliás, a Chevron não deu a mínima nem para a imprensa, nem para o Ibama e nem para a ANP.
Não ficaria supreso que seus funcionários tenham ficado sentados na sala de espera, aguardando para serem atendidos.
Aliás, o panorama só mudou porque entrou a Polícia Federal na história.
É curioso – e ao mesmo tempo terrível – que estejamos vivendo tempos de dupla moral e ética. Ao Estado e seus agentes – corretamente – é exigido um comportamento exemplar. Aos grandes grupos privados muito mais poderosos, é o vale tudo.


sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Compromisso com a Educação

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COMPROMISSO COM A EDUCAÇÃO
A educação é prioridade em nosso governo e para todos que ocupam funções de decisão sobre essa área, vital para a sociedade. Nossas ações o demonstram.
O Estado se encaminha para recuperar a capacidade para investir os limites constitucionais obrigatórios da educação e saúde, pagar adequadamente os trabalhadores, integralizar o piso nacional do magistério.
Mesmo limitados por um orçamento determinado pelo governo anterior e pelas conhecidas dificuldades financeiras do Estado, nesses 11 meses iniciais já revertemos muitos dos problemas que herdamos.
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INVESTIMENTOS NA EDUCAÇÃO
Recebemos do governo anterior previsão de investimento de R$ 26 milhões para a educação. Mas já no decorrer deste primeiro ano de gestão, o governo Tarso investiu 27% de sua receita líquida nessa área. Foram mais de R$ 100 milhões de recursos próprios do Tesouro, comprovando a prioridade que a educação tem para nós.
Somente em 2011, estão sendo investidos R$ 520 milhões na recuperação física e obras escolares, reestruturação de bibliotecas, implantação de laboratórios, formação continuada de mais de 60 mil professores e funcionários, aquisição de materiais didáticos e equipamentos, repasse de recursos diretamente para as escolas. No ensino técnico se investiu R$ 44,2 milhões para equipar 132 laboratórios de 39 escolas, em 34 municípios.
Para o Orçamento de 2012 está prevista a destinação de R$ 1 bilhão e 100 milhões a mais no orçamento da Secretaria de Educação. Desse total, R$ 500 milhões estão reservados para o cumprimento do piso salarial nacional do magistério.
No Plano Plurianual (2012-2015) foram destinados R$ 2 bilhões para integralizar o piso. O governo manterá os aumentos reais (acima da inflação) – como os 10,91% deste ano – até chegar ao piso nacional em 2014.
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CONCURSO
Ainda neste mês de novembro será publicado o Edital para a realização do concurso para nomear 10 mil professores. A regulamentação já foi publicada. Está em fase de finalização o contrato com a empresa que realizará o concurso.
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CONTRATOS EMERGENCIAIS
O tempo de exercício do magistério por meio de contratos temporários contará como título no concurso a ser realizado.
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PROMOÇÕES

As promoções estavam atrasadas desde 2002. O governo já promoveu 9.606 professores ativos e aposentados, cumprindo o acordo com o Cpers-Sindicato e o que está determinado no artigo 29 do Plano de Carreira.
Agora estão sendo atualizados os critérios de promoção. Isso não altera o Plano de Carreira do Magistério. Ao contrário, o respeita e o valoriza.
INCLUSÃO DE FUNCIONÁRIOS NO PLANO
Está em tramitação na Assembleia o projeto do governo que inclui no Plano de Carreira 563 servidores de escolas estaduais, que desde 2001 lutam para entrar no Quadro de Servidores de Escola.
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PAGAMENTO DOS DIAS DE GREVE
A Assembleia Legislativa aprovou a lei que autoriza a devolução dos descontos salariais pelos dias parados em 2008 e 2009, nas greves durante o governo passado, reconhecendo a recuperação desses dias.
A orientação para requisitar esse direito já está publicada no Diário Oficial.
Todos receberão esses valores com correção monetária.
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LIBERAÇÃO DE DIRIGENTES SINDICAIS
Estão liberados os dirigentes estaduais do Cpers-Sindicato, conforme já publicado no Diário Oficial do Estado..
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RECUPERAÇÃO FÍSICA DA REDE
Até o final de novembro não haverá nenhuma “escola de lata” no Rio Grande do Sul.
Neste ano foram investidos R$ 73 milhões em obras e reformas de escolas estaduais e estão em curso outras ações de recuperação física e modernização tecnológica das escolas estaduais.
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SEGURANÇA NAS ESCOLAS
Já estão constituídos inúmeros comitês de segurança nas escolas, constituídos localmente pela Secretaria da Educação do Estado, Brigada Militar, Polícia Civil, Conselho Tutelar, Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente e demais entidades ligadas ao assunto..
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ENSINO MÉDIO
O governo do Estado apresentou ao magistério uma proposta de reestruturação do ensino médio e da educação profissional, cujo fundamento teórico e os princípios orientadores estão publicados no caderno “Proposta pedagógica para o ensino médio politécnico e educação profissional integrada ao ensino médio”, distribuído a todo magistério para estudo, avaliação, contribuições e aprofundamentos, coerentes com as Diretrizes Curriculares Nacionais e a LDB.
O ano de 2012 será um período de formação, debate, construção, problematização, identificação das contradições e necessidades para a sua implantação.
Essa proposta não está fechada. A Secretaria de Educação deseja que os professores a avaliem e aperfeiçoem esse documento, em reuniões nas escolas, cidades, regiões. Todas as propostas serão acolhidas, sistematizadas e debatidas na Conferência Estadual do Ensino Médio e da Educação Profissional.
A implantação plena da proposta somente estará concluída dentro de cada escola em 2014.
 
DIÁLOGO COM A CATEGORIA
Nosso governo deu sinais objetivos do interesse em restabelecer o diálogo com o magistério e o Cpers-Sindicato. A liberação de todos os dirigentes sindicais, o abono e o pagamento dos dias parados nas greves de 2008 e 2009 expressam essa disposição.
Depois disso, o governo encaminhou à direção as propostas de revisão dos critérios para a avaliação para promoções e de reforma do Ensino Médio. Mas a Secretaria da Educação não recebeu nenhuma resposta da direção do sindicato, que passou a fazer críticas descabidas intenções que o governo não tem.
Desde a campanha eleitoral nosso governo afirma que integralizará o valor do piso nacional ao básico do plano de carreira dos professores até o final deste mandato. Todas suas ações se dirigem a isso. É lamentável que dirigentes sindicais da categoria neguem este compromisso do governo.
Essa radicalização aponta para o rompimento unilateral da direção do sindicato com o governo e descumprimento do compromisso de diálogo permanente.
Apesar dessa atitude de dirigentes, o governo do Estado reafirma a sua disposição em manter e qualificar o debate de conteúdo com o sindicato, na construção de uma educação de qualidade social com cidadania para todos. Ao mesmo tempo, continuará dialogando com os professores e funcionários de escola, numa relação direta que aprofunde os laços de respeito e valorização já comprovados nesses primeiros 11 meses de governo, com atitudes e ações concretas em defesa da escola pública e dos educadores.
Esta é a tradição dos governos do PT: foi assim nos 16 anos da prefeitura de Porto Alegre, no governo de Olívio Dutra, nos governos de Lula e Dilma e continuará a ser assim no governo Tarso.

Governo poderia ser um pouco mais ousado na crise', diz Pochmann



Em entrevista à Carta Maior, presidente do Ipea, Marcio Pochmann, defende que país use fundo soberano para comprar ações de multinacionais e que, para salvar PIB, Banco Central acelere corte do juro. Para ele, economias ricas tornaram-se 'ocas' e, com piora da situação global, arrocho fiscal ficou exagerado e deveria diminuir. Juro real no Brasil deveria ser de 2%, afirma.

BRASÍLIA – Marcio Pochmann tem a voz mansa, baixa e o costume de abotoar a camisa social no pescoço sem usar gravata que fazem pensar que se está diante de um padre. Há quatro de seus 49 anos à frente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o gaúcho é uma hipótese na cabeça do autor de sua nomeação, o ex-presidente Lula, para disputar a prefeitura de Campinas, onde se doutorou em Ciência Econômica em 1993.

Em 18 anos de doutor, Pochmann viu o apogeu do neoliberalismo liderado pelo sistema financeiro e, hoje, assiste à (palavra dele) decadência do mundo rico. Pela primeira vez desde a crise de 1929, quem puxa a economia global são os países em desenvolvimento. O Brasil está na nova locomotiva. Mas, diz Pochmann, deveria ser mais ousado, para encurtar mais a mais depressa a diferença que separa o país do velho “primeiro mundo”.

Por que não aproveita que algumas ações em bolsas mundo afora custam pouco e vira acionista de multinacionais? Participar da tomada de decisões que repercurtem no país é sempre benéfico. Por que não acelera o corte da taxa de juro do Banco Central e reduz o pagamento de juros da dívida pública? Se protegeria melhor dos efeitos de um cenário externo para lá de desalentador.

Nesta entrevista à Carta Maior, além de defender ousadia, Pochmann diz que há uma disputa no governo sobre o tipo de crescimento do país (primário exportador versus tecnológico-industrial), analisa a mudança geográfica no dinamismo econômico global, defende juro real de 2%, faz um balanço do primeiro ano de Dilma Rousseff e aponta os principais desafios do país para 2012. A seguir, a íntegra da entrevista.

Um estudo recente do Ipea diz que desde a crise de 2008 os países em desenvolvimento contribuem mais para o crescimento mundial do que os ricos. Essa é uma situação que veio para ficar ou tem prazo de validade?

Marcio Pochmann: A economia europeia, os Estados Unidos e mesmo o Japão estão se transformando cada vez mais em economias ocas, devido ao deslocamento do seu setor produtivo para outras áreas geográficas do mundo, especialmente a Ásia. É a primeira vez, desde a crise de 1929, que o dinamismo econômico vem sendo protagonizado por países não desenvolvidos. As medidas tomadas pelos países ricos em 2008 foram muito importantes para evitar uma depressão e resolveram, de certa forma, a solvabilidade do setor financeiro. Mas não foram suficientes para dinamizar a economia porque o setor produtivo estava muito comprometido. O que não se verificou nos BRICS [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul]. Brasil, China e a Índia tomaram medidas que fortaleceram o mercado interno e saíram muito mais fortes. E não tenho dúvida de que continuarão se fortalecendo. A não ser que tenhamos um conflito. Historicamente, o deslocamento do centro dinâmico sempre foi acompanhado ou sucedido de conflitos armados. Até quando Estados Unidos e Europa aceitarão tranquilamente seu esvaziamento econômico, o crescimento do desemprego, a desigualdade de renda?

O senhor acredita em hipótese real de o mundo passar por uma guerra?


Pochmann: Espero que não. Os países desenvolvidos estão diante da seguinte escolha: a decadência ou o declínio. Decadência é a desorganização, a ruptura política. Um dos sinais de decadência é o que ocorreu recentemente nos Estados Unidos na disputa política dos pela ampliação do limite de endividamento. O governo Obama tinha sido autorizado três vezes e de repente não foi. Isso é um constrangimento inimaginável. Decadência é a incapacidade de construir maiorias políticas. É o que estamos vendo na Europa. Crise política aberta, quase uma volta ao colonialismo, a impossibilidade de ter decisões nacionais. A Grécia foi fortemente afetada pelos países da União Europeia porque quis se submeter ao vaticínio popular. Declínio seria aceitar que o padrão de vida do país não vai mais crescer como vinha crescendo. E essa acomodação pode ser feita em termos civilizados. Claro que a decadência dos países ricos contamina os BRICS também, mas o cenário que está aberto para nós não é de decadência nem de declínio, é de crescimento. Não sabemos, no caso brasileiro, para aonde vai esse crescimento. Eu costumo lembrar que o crescimento é possível no vaco ou na fama [dois acrônimos que o entrevistado explicará]. Fama é muita fazenda, muita mineração, muita maquiladora, quer dizer, o Brasil vai crescer como cresceu nos quatro séculos passados, como produtor e exportador de produtos primários.

O senhor acha que o Brasil hoje sofre esse problema? Há uma qualidade insuficiente do crescimento? Cresce errado?

Pochmann: Já te respondo. A outra alternativa é o Brasil do vaco, do valor agregado e do conhecimento. Acredito que a novidade do Brasil nessa primeira década do século XXI é a construção de maioria política que tem clareza que o país não pode mais continuar com voo de galinha. O voo de galinha nos fez mal nos anos 80 e 90 e levou a uma regressão econômica e social. Em 1980, o Brasil era a oitava economia do mundo, no ano 2000 era a 13ª, até o México nos superou. No meu modo de ver, há uma maioria em torno de que o Brasil não pode mais repetir os anos 80 e 90. Isso nos deu a possibilidade de construir políticas de compromisso com o crescimento. O que não está claro, é objeto de disputa dentro do governo, é um governo muito amplo, é: qual crescimento? Quando olhamos a taxa de juros e a taxa de câmbio, isso aí é aplauso para o país da fama. Agora, quando você olha o Brasil Maior, uma tentativa de organizar uma política industrial, o Brasil Sem Miséria, a ênfase na educação, a elevação dos gastos na educação, a expansão das bolsas para o exterior, a constituição da Embrapi [Empresa Brasileira de Pesquisa Industrial], essas ações são para o Brasil do vaco.

E quem está ganhado essa disputa dentro do governo, na sua avaliação?

Pochmann: Não temos um balanço, porque o que aconteceu nesse período de expansão não se deu apenas por determinações endógenas, nacionais. Claro que são elas as mais importantes, no entanto, o Brasil se reposiciona no mundo frente a uma perda de influência dos Estados Unidos e um crescimento da China. Em 2000, as exportações brasileiras para a China representavam 2% das nossas. Hoje, se aproximam dos 20%. Os Estados Unidos eram 25%, agora são menos de 15%. Essa inversão, da forma com que foi feita, trouxe impactos do ponto de vista produtivo. Com os Estados Unidos, nossa pauta de exportação era mais rica do que é com a China. Hoje, 50% das exportações são produtos primários para a China. Não é porque a China impõe, foi a maneira que o Brasil encontrou, dentro dos seus constrangimentos, de exportar mais. Nós podemos alterar isso, não dependemos da China.

Aproveitando que senhor falou em balanço. Estamos terminando o primeiro ano do governo Dilma. Do ponto de vista macroeconômico, o que se destaca na sua opinião? Qual é o balanço?


Pochmann: Em primeiro lugar, a busca de uma convergência na condução da política macroeconômica. É uma avaliação da presidenta em relação ao conflito entre a política monetária e fiscal que ocorreu nos dois governos do presidente Lula. Eu percebo uma convergência. Não houve um vencedor, as duas partes reconsideraram, digamos assim. Vejo um ano vitorioso nessa condução, que não contou com o apoio do mercado financeiro, especialmente no período mais recente, em que se alterou a trajetória da taxa de juros. Um segundo aspecto é uma busca de maior racionalidade na gestão do governo. Isso se iniciou com um corte orçamentário, buscando ampliar a eficiência a partir de um orçamento menor e maior interlocução entre os ministérios. Isso não é ainda perceptível e generalizado, mas é possível observar em algumas ações. A principal delas é a integração do governo para reduzir a miséria.

Não houve nenhum ponto negativo?

Pochmann: Numa avaliação ex-post, isso é mais fácil fazer, as medidas tomadas no início do ano se mostraram muito fortes, diante do aprofundamento da crise internacional. No início do ano, era quase um consenso que o Brasil não poderia continuar crescendo ao ritmo de 7,5%, tendo em vista deficiências de investimento. Precisava desacelerar. No entanto, essa medida tomada internamente se associou a um quadro internacional de agravamento e por isso levou a uma mudança nas expecativas de investimentos internos. E isso acelerou a queda da atividade. As medidas do início do ano eram para fazer com que saíssemos de 7,5% para 4,5%, 5% de crescimento. Só que, com a combinação de resultados negativos da crise, a desaceleração foi mais rápida. Se não houvesse alteração no comportamento do juro, se o governo não toma medidas necessárias, acho inclusive que poderia avança algumas mais, nós poderíamos correr o risco de ter um PIB crescendo 2%, 3% este ano e talvez uma estagnação no ano que vem.

O que seria avançar mais?


Pochmann: Do ponto de vista da política fiscal.

Como?


Pochmann: Uma revisão do superávit fiscal para baixo. E na política monetária, poderíamos ter uma desaceleração mais acentuada da taxa de juros.

Até quando o Brasil terá de conviver com superávit primário? Qual seria um patamar razoável de estabilização da dívida a partir do qual o Brasil não precisaria mais fazer superávit primário?


Pochmann: O tamanho da nossa dívida relativamente ao PIB não é um problema, especialmente quando olhamos países ricos muito mais fragilizados. Uma das nossas dificuldades é o perfil da dívida. Um esforço de alongamento dos títulos certamente nos ajudaria muito mais do que o tamanho da dívida. Eu acredito que o superávit fiscal passa a perder importância na medida em que o país tenha um crescimento acima de 5%.

O senhor defendeu reduzir o superávit mas no plano do governo para trazer a taxa de juros para baixo, o superávit tem de ser robusto. Seria então um cálculo exagerado?


Pochmann: Isso é do ponto de vista do discurso, da retórica. Nós fizemos um corte de R$ 50 bilhões no orçamento no inicio do ano, enquanto que a elevação da taxa de juros nos levou a um aumento do gasto financeiro de R$ 35 bi. Cortou-se o gasto operacional de um lado, e de outro se elevou o gasto financeiro com a taxa de juros.

Esses R$ 35 bi são um gasto adicional considerando que recorte de tempo?

Pochmann: Era para o ano todo, se continuasse a trajetória de alta da taxa de juros. Mas vai ser menor, porque o juro está em queda.

Qual seria o nível adequado do juro real no Brasil? Essa é uma discussão que já se impõe, não?


Pochmann: É difícil justificar num país de estabilidade monetária, de contas fiscais relativamente equilibradas, uma taxa de juros real acima de 2% ao ano.

Por que 2% e não 1% ou 3%?

Pochmann: É algo arbitrário, evidentemente. Mas se olharmos um pouco o comportamento da taxa de lucro do setor produtivo brasileiro, as empresas que conseguem ter acima de 2% de lucro real... Na verdade, é um parâmetro. Para que todo setor produtivo possa ter uma rentabilidade superior ao que seria oferecido pela taxa de juros, 2% é um parâmetro razoável. Taxa de lucro acima disso já é muito bem satisfatório.

É um patamar que não desestimula a produção...

Pochmann: É claro que as grandes empresas têm taxas de lucros maiores, mas se você olhar os pequenos...

Esse é um debate que não existe hoje. No último relatório de inflação divulgado pelo Banco Central, o diretor discretamente colocou a questão. Acredita que não há debate porque o 'mercado' não quer? Ou falta o próprio governo colocá-lo?

Pochmann: Evidente que um segmento que convive um longo período com taxas de juros muito altas não tem interesse em uma rentabilidade menor, embora o setor financeiro tenha feito esforços de ampliação de suas taxas de lucros com atividades operacionais, está investindo em tecnologia, já tem clareza também que essse cenário de voo de galinha não pode ser reproduzido. Eu acredito que eles trabalham do ponto de vista interno, mas publicamente não é interessante dizer: “nós aceitamos taxas de juros de tanto”. Porque a taxa de juros não é o resultado de uma decisão técnica-econômica. Evidentemente que os setores que ganham com a taxa de juros pressionam de várias modalidades, assim como o setor produtivo também pressiona.

É uma decisão política...

Pochmann: Existe também uma correlação de forças, de interesse. Alguns criticam que o governo do presidente Lula e mesmo a Dilma poderiam ter reduzido a taxa de juros mais rapidamente... Se você tivesse uma redução dramática, quando o Brasil não podia crescer suficientemente depois de duas décadas de semiestagnação, o que poderia ocorrer? Aquele montão de dinheiro do sistema financeiro vai para onde? Comprar ativos? Aumentariam os preços, teria inflação. Outra alternativa seria esses recursos saírem do Brasil. A escolha do presidente Lula, continuada pela Dilma, foi fazer um movimento coordenado. Você reduz a taxa de juros para limitar os ganhos financeiros e, simultaneamente, cria condições para a transição da liquidez financeira para o setor produtivo. No segundo governo Lula, o governo assumiu o compromisso político com o setor produtivo de fazer o país crescer 5% ao ano. E, com o PAC, disse ao empresário que ele ia ter os elementos necessários para a produção ocorrer, energia, estradas. Esse foi um movimento coordenado.

O que o Brasil terá como grande desafio em 2012?

Pochmann: Antes de falar de desafios. O governo poderia ser um pouco mais ousado. Utilizar a crise como uma grande oportunidade para aquisição de empresas cujos preços estão muito baratos, dada a queda nas bolsas de valores. A Noruega, a China e a Índia já se aproveitaram em 2008, da própria crise, da queda nas bolsas, para adquirir empresas. O Brasil tem um fundo soberano que poderia ser utilizado ao menos uma parte para aquisição de empresas.

Qual por exemplo? Dar o nome acho complicado, mas vamos falar de setor.


Pochmann: Em primeiro lugar, ao contrário da China, da Índia, o setor produtivo brasileiro é muito internacionalizado, você tem quase todas as grandes empresas em operação no Brasil. Alguns dos setores em que somos deficitários poderiam perfeitamente ter uma política mais agressiva de compra de ações. Empresas de transporte, por exemplo. O Brasil é o quinto maior mercado de consumo automobilístico e não tem uma empresa nacional. Nem sei se é o caso de ter. A General Motors estava de joelhos... Os chineses compram empresas, por que você não pode comprar?

Acho que diriam que a China não é um sistema político como é o brasileiro..
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Pochmann: Mas a Noruega não tem problema? A Índia não tem problema? Utilizaram os fundos soberanos...

Se tornaram controladores ou acionistas minoritários?

Pochmann: Você tem várias modalidades, acionistas, controladores. Veja uma dificuldade nossa. Quando o governo adota uma política de aumentar as exportações, com subsídios, não necessariamente as empresas transnacionais vão aumentar. A decisão de exportar não é tomada internamente, é na matriz. Você precisa ter empresa nacional.

Sim, e os desafios?

Pochmann: O que nós temos de desafio pela frente é preparar o governo para a transição demográfica que estamos vivendo. Transição de redução muito rápida do número de crianças por mulher, a taxa de fecundidade vem caindo muito drasticamente no Brasil, estamos num processo de envelhecimento, isso tem um impacto muito grande na condução da política pública na área social.

O senhor vai chegar até à reforma da Previdência?


Pochmann: O envelhecimento tem a ver, por exemplo, com a postura da saúde. Uma coisa é o gasto quando um país tem muitas crianças e adolescentes, outra coisa são os gastos com pessoas com mais idade, são mais caros, são mais pesquisas que você tem que ter. Daqui a 10 anos, 15 anos, começarão a sobrar escolas. Mas, ao mesmo tempo, temos uma exigência, tendo em vista a transição para a sociedade do conhecimento, de montarmos escolas para a vida toda. As grandes empresas já gastam 1% do PIB com universidades corporativas, para formação e capacitação dos seus trabalhadores ao longo do tempo. Um desafio aqui é montar uma universidade corporativa no setor público. Nós temos que qualificar melhor os servidores públicos, precisamos de um Estado mais eficiente, isso passa pela qualificação do quadro. A Previdência é um dos aspectos da demografia. Um outro desafio é montar uma indústria de defesa.

Por causa da inserção internacional cada vez maior e do pré-sal?


Pochmann: E das nossas fronteiras. O Brasil é segundo país do mundo com maior quantidade de fronteiras. São 15 mil km de fronteiras secas e 5,5 mil km de fronteira marítima. Não temos um sistema de defesa para isso. A nossa dificuldade está mesmo em setores em que nós somos relativamente avançados, como a indústria da aviação. Somos dependentes de tecnologia. Compramos equipamentos dos Estados Unidos que nos impedem de vender para países que eles não têm interesse que a gente venda.

O governo acabou de lançar um plano sobre isso.

Pochmann: Sim, mas isso é um desafio.

Botar de pé e ampliar.

Pochmann: Sim. Nós já fomos melhor nos anos 70 na indústria de defesa. Outro aspecto, e isso não depende só do Brasil, é construir uma moeda regional. O Brasil é muito pequeno para resistir às forças do dinamismo chinês. Se nós quisermos resistir em melhores condições, precisamos fazer aqui um grande arco com os países do sul do continente. Mais um desafio é elaborar um complexo de difusão tecnológica. O Brasil tem só 14% dos jovens entre 18 e 24 anos no ensino superior. Houve um esforço enorme, dobrou o número de alunos matriculados nos últimos dez anos, parabéns, mas isso é muito pouco. O Brasil tinha que chegar a 70% dos seus jovens matriculados no ensino superior. Isso é um esforço gigantesco.

Como se faz isso?

Pochmann: É um projeto, é alocação de recursos. O pré-sal vai colocar recursos, estamos discutindo se é mais para um estado ou para outro, e não estamos discutindo o que fazer com esses recursos. Nós fizemos um estudo que mostrou que municípios e estados que recebem royalties de petróleo não são os que mais avançam socialmente. Essa discussão que está sendo feita agora tem seu interesse evidentemente, é uma disputa de receitas, mas ela é pobre porque não está possibilitando que nós tenhamos, com o uso desse recurso, um país superior. A China quer ter as 50 maiores universidades do mundo, nós queremos ter quantas? O futuro está no conhecimento, é o principal ativo de um país.

Quando o senhor assumiu, houve uma leitura de que o Ipea estava sendo aparelhado e deixaria de ser uma instituição pública para ser estatal. Acha que essa situação foi superada ou ainda há desconfianças?

Pochmann: O Ipea deixou de ser órgão de assessoria do Poder Executivo. Fez acordos de cooperação com a Câmara e o Senado, com o Poder Judiciário, ampliou seu raio de ação. Uma instituição manipulada não teria essa capacidade. O Ipea se transformou também numa instituição de assessoria da sociedade civil. Temos uma quantidade imensa de acordos de cooperação com universidades, instituições de pesquisa, entidades patronais, entidades de trabalhadores, organismos não governamentais, instituições internacionais. O Ipea se transformou no principal think tank brasileiro. E nunca foi tão produtivo. Tenho viajado muito o Brasil, e é impressionante como a produção do Ipea se tornou recorrente nas universidades, nos sindicatos, nas empresas.

O senhor vai ser candidato a prefeito de Campinas no ano que vem?

Pochmann: Acho que esse é um assunto para se resolver para o próximo ano. Fui surpreendido pela sugestão do presidente Lula, tem muita água para rolar ainda, estou bem aqui no Ipea, mas não deixa de ser uma oportunidade.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Negros e pardos são maioria em 56,8% dos municípios, mostra estudo

piblicado no Correio do Brasil, em 14/11/11.


censo 2010
O Censo 2010 realizado pelo IBGE mostrou que a cidade com o maior número de negro e pardos é São Paulo, seguido pelo Rio de Janeiro e Salvador


O número de municípios onde os domicílios tinham maioria de pretos e pardos aumentou 7,6 pontos percentuais, entre 2000 e 2010, ao passar de 49,2% para 56,8%. A constatação faz parte do Mapa da População Preta & Parda no Brasil Segundo os Indicadores do Censo de 2010, divulgado nesta segunda-feira.
Em 1.021 cidades (18,3% do total), pretos e pardos eram mais de 75% da população. O estudo foi elaborado pelo Laboratório de Análises Econômicas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O percentual de pessoas que se declararam pretas passou de 6,2% para 7,6% em uma década. O aumento foi maior entre as que se declararam pardas, de 38,5% para 43,1% no mesmo período. Em 2010, aproximadamente 91 milhões de pessoas se classificaram como brancas, 15 milhões como pretas, 82 milhões como pardas, 2 milhões como amarelas e 817 mil como indígenas.
O coordenador da pesquisa, Marcelo Paixão, acredita que os indicadores com base no Censo 2010 foram influenciados pelo processo de valorização da presença afrodescendente na sociedade brasileira e pela adoção das políticas afirmativas.
- Esses dados demonstram não só uma mudança demográfica, mas também política, social e cultural, porque expressa uma nova forma de visibilidade da população negra brasileira ao estimular que as pessoas assumam sua cor de pele de uma maneira mais aberta.-
O censo, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a cada dez anos, introduziu, em 2010, a pergunta sobre cor ou raça para todos os domicílios e não mais por amostra, como era feito anteriormente.
Segundo Marcelo Paixão, a comparação dessa informação com dados futuros do IBGE, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do ano que vem e o Censo de 2020, será muito útil para traçar um perfil mais fiel da população.
- O interessante para 2020 é verificar se esse percentual da população preta e parda no Brasil vai continuar aumentando. Porque é claro que tem também uma população que não é negra. O ideal é que as bases de dados expressem melhor o perfil da população brasileira, que corresponda à realidade- , disse o economista.
De acordo com o levantamento de 2010, São Paulo é a cidade com maior número de pretos e pardos em todo o país, com cerca de 4,2 milhões, seguido do Rio de Janeiro (cerca de 3 milhões) e Salvador (cerca de 2,7 milhões).
Se forem considerados apenas negros, Salvador lidera o ranking com 743,7 mil, seguida de São Paulo (736 mil) e do Rio (724 mil).
No Norte e no Nordeste, respectivamente, 97,1% e 96,1% dos municípios eram formados por maioria preta e parda. No Centro-Oeste, esse percentual chegava a 75,5%, no Sudeste, a 37,1% e, no Sul, a apenas 2,3%.
Cunhataí, em Santa Catarina, é a única cidade brasileira sem a presença de pessoas que se declararam pretas.

Candidatura própria com unidade do PT e Frente Popular










Inscrição da pré-candidatura do companheiro Raul Pont

Reafirmamos a tese vitoriosa da candidatura própria com unidade do partido e convidamos a todos e todas para o ato de  inscrição do companheiro Raul Pont a pré-candidato a prefeito de Porto Alegre.




Dia: 16 de setembro, quarta-feira
Horário: 11h30
Local: Auditório do PT de Porto Alegre (Av. João Pessoa, 785)
APOIADORES DA PRÉ-CANDIDATURA DO COMPANHEIRO RAUL PONT

Lindo e trigueiro

publicado em Zero Hora, de 15/11/11.

DAVID COIMBRA

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    O Brasil já foi o mulato inzoneiro de Ary Barroso. Hoje não é mais. O que o Brasil é hoje, isso ninguém sabe. O Brasil vive uma crise de identidade, um atormentador dilema existencial, vive cheio de dúvidas e crises, como se estivesse atravessando a adolescência. E talvez esteja. Afinal, um país com 500 anos de idade ainda é jovem, embora já tenha enfrentado suas vicissitudes.

    A tendência mais poderosa é de que o Brasil, adulto, se transforme em conservador, moralista e repressor. É até uma reação natural aos seus pregressos anos de loucuras. O ex-drogado se torna o crente fervoroso, o carola inflexível, não é assim? É como se só houvesse dois caminhos na vida: o certo e o errado, o bom e o mau. Se antes tudo era permitido, agora tudo deverá ser proibido.

    Hoje, uma cantada pode virar “assédio”, praticamente um estupro.

    Hoje, as velhinhas que querem dissipar a aposentadoria no bingo correm o risco de ir para a cadeira elétrica.

    Hoje, os fumantes têm de se recolher ao leprosário para pitar.

    Mas o maior símbolo da crise espiritual do país é o combate à combinação de álcool com direção. Atenção: quero deixar claro, frisado e sublinhado que SOU CONTRA quem dirige embriagado. Só que a lei brasileira não concede ponderações. O sujeito vai ao restaurante com a mulher e partilha com ela uma garrafa de vinho durante a refeição? Se ele fizer isso, terá de voltar para casa de táxi, porque no inseguro transporte público nem pensar. Mas como confiar no serviço dos táxis da cidade? Você já andou de táxi por aí? Já dependeu de táxis? Eu já, e posso aferir: o serviço é caro e inconfiável.

    Então, como cumprir a lei?

    O perigo da lei draconiana é que ela clama pela burla. O cidadão, acossado por uma exigência que não pode atender, simplesmente encontrará meios de não atendê-la. Diante do moralismo feroz que está tomando conta da sociedade, as pessoas só poderão reagir da forma mais humana e inteligente possível: mentindo. A hipocrisia é a resposta à tirania.

    Mas todos os indícios apontam para um caminho sem retorno: o Brasil está se endurecendo, está se tornando intolerante. E isso se reflete no futebol. O Campeonato Nacional virou essa meleca europeia de pontos corridos, sem a indispensável avaliação da resistência psicológica de um time que só uma final é capaz de fazer. E o futebol brasileiro virou um futebol careta e mal-humorado, um futebol duro, que exige garra e raça e empenho e esquece que, às vezes, o bom mesmo é ser só inzoneiro.

domingo, 13 de novembro de 2011

Economia e Área Social no PSDB

por Marcos Coimbra*, extráido do Blog do Noblat

Quem prestou atenção na programação do último encontro nacional tucano, realizado no Rio de Janeiro no início da semana, deve ter reparado em uma coisa: a desproporção no “peso” de suas duas mesas.
O evento foi promovido pelo Instituto Teotônio Vilela, o órgão de estudos e pesquisas do PSDB, e seu título era “A Nova Agenda – Desafios e Oportunidades para o Brasil”. Segundo os realizadores, o objetivo era responder a uma “indagação profunda”: “Para onde vai o Brasil? Que Estado pretendemos, que futuro vislumbramos?”.
Estava organizado em duas mesas, uma sobre economia, outra sobre a “área social”. Na primeira, não se estabeleciam divisões temáticas ou setoriais. Ninguém estava escalado para falar sobre questões monetárias, fiscais, de política industrial, comércio exterior ou qualquer assunto específico. Os convidados podiam, aparentemente, falar sobre o que quisessem.
Na segunda, ao contrário, as regras eram rígidas. Havia um especialista para cada assunto: educação, saúde, segurança pública e previdência social. Sob a presidência de um economista, os membros da mesa deviam se ater ao que conheciam, sem se meter na seara do outro.
A visão de que a economia forma um todo – compreensível, apenas, se for considerada na sua inteireza-, e a “área social” é uma justaposição de partes estanques - construída por somatório -, é, em si, algo que revela uma maneira questionável de conceber o Estado e suas responsabilidades. Mas não é o aspecto que mais chama atenção.
Mais interessante é o perfil e a composição das duas mesas. Olhando-as, podemos entender melhor o que é hoje o PSDB e quais seus dilemas para ser (voltar a ser) uma alternativa capaz de levar a maioria do país a votar em seu candidato a Presidente da República.
No fundo, era isso que os tucanos queriam discutir, e não debater os temas propostos. Pelo clima na platéia, pela presença de suas principais lideranças (até o ex-governador José Serra resolveu aparecer, inesperadamente), foi mais uma pajelança política que um evento técnico.
A mesa sobre economia era recheada de notáveis. Só ex-presidentes do Banco Central, havia três, um dos quais também ex-presidente do BNDES. Dois exibiam no currículo a paternidade do Plano Real, como seus “formuladores”ou “implementadores”.
Todos são ou foram figuras de destaque no setor financeiro, donos de corretoras ou banqueiros. Em resumo, personagens com trânsito livre na elite econômica e relevante experiência no setor público.
Sem menosprezar qualquer um dos integrantes da mesa “social” (pois todos são figuras respeitáveis no meio acadêmico), seu perfil era outro: pesquisadores universitários, cientistas sociais, com trajetória menos destacada em cargos de governo. Um havia ocupado a presidência do IBGE - normalmente reservada a pessoas vindas de carreiras parecidas.
Para deixar ainda mais clara a diferença, quem coordenava essa mesa também era da “turma do real”.
Na hora de exibir seus economistas ilustres, o PSDB não parece ter problemas. Os há de sobra, entre ministros, assessores e amigos de FHC. O difícil é escolher.
Mas, e se tiverem que convidar participantes para uma “mesa social”? Quem são os tucanos famosos? Quais figuras do primeiro escalão dos governos do PSDB poderiam ser chamados? Quem é a intelligentsia tucana na área social? É tão limitada a escolha que, com a ausência de Paulo Renato, não resta (quase) ninguém (lembrando que Serra não aceitaria nem passar perto de uma mesa desse tipo, para não se sentir “diminuído”).
O desequilíbrio entre as mesas no evento tucano talvez seja circunstancial, mas pode ser a manifestação de uma característica “mais profunda” do PSDB (ainda que não de todo ele): considerar que a economia (vista como a veem seus integrantes) é o centro da ação de governo, o núcleo verdadeiramente importante do que deve ser feito.
A “área social” é matéria de segunda classe, mesmo se valorizada no plano retórico.
É isso que pensa do PSDB a maioria da opinião pública e ele apenas reforça o estereótipo, comportando-se como nessa oportunidade. Enquanto permanecer com a imagem de partido obcecado com a economia e um discurso meramente residual para a área social, não irá longe.

Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Uma permuta suspeita


por Paulo Muzell, publicado, originalmente, no blog RSGURGENTE.
 

Por ampla maioria de votos, a Câmara Municipal de Porto Alegre aprovou, quarta-feira (9) o projeto de lei do Executivo que autoriza a permuta de uma área do Jockey Club (JC) por um imóvel da Prefeitura. O imóvel do JC segundo a exposição de motivos seria necessário à uma estação do BRT (“Bus Rapid Transit”) e à implantação de uma nova rótula na região. É de se estranhar a velocidade relâmpago da tramitação e aprovação da permuta de vez que o projeto BRT dormita há vários anos no governo Fo-Fo (Fogaça-Fortunati) que até hoje não gastou sequer um real dos últimos três últimos orçamentos municipais na sua execução.
Tudo feito às pressas, a “toque de caixa”, sem melhor avaliação e discussão porque o vereador do PDT, Mauro Zacher, teve aprovado seu pedido de urgência. Com a troca, o JC terá uma área de localização privilegiada, altamente valorizada e cobiçada pelo mercado imobiliário, que viabilizará a construção de duas grandes torres com ampla vista panorâmica para o lago Guaíba. A informação foi prestada pelo ex-presidente do Jockey, Raul Gudolle, que, em meados de 2010, iniciou o processo de recuperação da entidade, atolada em dívidas. É bom lembrar que o Jockey Club contou à época com o decisivo apoio da ex-governadora Yeda Crusius que encaminhou e aprovou na Assembléia Legislativa projeto de lei doando ao JC a área de propriedade do Estado.
Até aí nenhuma novidade: o poder público utilizou – mais de uma vez, ressalte-se – o “manto” da recuperação financeira de uma entidade esportiva centenária para atender os interesses reais, ocultos, dos grandes interesses imobiliários. É bom lembrar que nos últimos anos a Copa do Mundo, o Grêmio, o Inter, a revitalização da orla, do Cais do Porto foram também pretextos utilizados para realizar alterações no zoneamento de uso, nas alturas, taxas de ocupação e índices construtivos de áreas estrategicamente localizadas, de vital importância para viabilizar empreendimentos da construção civil. Lamentavelmente, o Executivo Municipal com a chancela da Câmara transferiu para o setor privado através deste mecanismo centenas e centenas de milhões de reais do patrimônio público.
A bancada do governo, com o surpreendente apoio e voto de quatro vereadores do PT – do seu presidente municipal, Adeli Sell, de Aldacir Oliboni, do engº Comassetto e do seu líder de bancada, Mauro Pinheiro – votou a favor do projeto, totalizando uma esmagadora maioria de 26 votos favoráveis. Houve apenas seis escassos votos contrários: o de Maria Celeste (PT), Carlos Todeschini (PT), Sofia Cavedon (PT), Pedro Ruas (PSOL), Fernanda Melchionna (PSOL) e Haroldo de Souza (PMDB).
Moradores de inúmeras associações da região se manifestaram ruidosamente no plenário, protestando contra a permuta. Pretendiam que a área da Prefeitura fosse destinada para sua relocalização decorrente das obras viárias previstas. O vereador Pedro Ruas afirmou que a área da Prefeitura já foi negociada pelo Jockey com uma empreiteira, por valor muito superior à avaliação realizada pela Prefeitura, lançando, assim, suspeitas sobre a permuta.