domingo, 16 de outubro de 2011

Traços da África




Por Gilberto Cruvinel, Do Estadão - 15/010/2011

Traços da África
De Machado de Assis a Paulo Lins, os quatro volumes de Literatura e Afrodescendência no Brasil trazem o mais ambicioso painel crítico já publicado sobre a contribuição da herança africana para as letras do País. A história do continente também ganha um estudo completo em oito tomos.
Em março, as escolas públicas do País passam a receber o primeiro material sobre a África - Divulgação
'Literatura e Afrodescendência no Brasil' aborda herança africana para as letras no País.  Nova coleção traz importância da África para a literatura nacional15 de outubro de 2011 | 3h 08
Antonio Gonçalves Filho - O Estado de S.Paulo
A África está na ponta da língua dos brasileiros. A partir de março, as escolas públicas do País passam a receber o primeiro material didático produzido aqui sobre a história do continente, atendendo a uma lei publicada em 2003, que determina o ensino da história e da cultura africanas aos estudantes. Esse material foi preparado pela Universidade Federal de São Carlos com base na coleção de oito volumes da História Geral da África, compilada pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e agora lançada comercialmente pela Cortez Editora (leia na página ao lado). Simultaneamente, chega às livrarias outra coleção, Literatura e Afrodescendência no Brasil: Antologia Crítica, quatro volumes publicados pela editora da Universidade Federal de Minas Gerais que cobrem desde a produção de autores afrodescendentes nascidos antes de 1930, como Luiz Gama - de quem também é lançado Com a Palavra, Luiz Gama (leia artigo abaixo) - até contemporâneos como Paulo Lins, autor do polêmico Cidade de Deus. Finalmente, para os interessados no diálogo com línguas próximas a nós vindas do outro lado do Atlântico, a Bertrand Brasil publica o Dicionário Yorubá-Português, do ensaísta e especialista em cultos africanos José Beniste. Ele traz 18 mil verbetes e uma introdução básica ao aprendizado e à pronúncia do idioma. Vale o esforço: afinal, trata-se de uma língua falada por 30 milhões de pessoas na Nigéria, sul de Benin e nas repúblicas de Togo e Gana.
O interesse pela cultura africana no País está mobilizando a universidade brasileira. Só a antologia crítica de literatura, organizada pelo professor Eduardo de Assis Duarte, da Faculdade de Letras da UFMG, contou com a colaboração de 61 pesquisadores vinculados a 21 instituições do ensino superior nacionais e seis estrangeiras. Eles selecionaram 100 escritores de todas as regiões do Brasil, apresentando ao leitor ensaios críticos que não dispensam excertos das obras e dados biográficos curiosos como os do citado líder abolicionista Luiz Gama (1830- 1892), primeiro escritor brasileiro a se assumir afrodescendente, filho de uma quitandeira Nagô e de um fidalgo português.
O primeiro volume é dedicado aos autores precursores, cobrindo o período que começa no século 18 (com Domingos Caldas Barbosa), passa por Luiz Gama, Machado de Assis e avança até Lima Barreto. O segundo volume analisa obras de escritores nascidos nas décadas de 1930 e 1940 (como Nei Lopes e Muniz Sodré). O terceiro volume, que abarca os contemporâneos, apresenta um ensaio sobre 39 literatos nascidos na segunda metade do século passado (como Paulo Lins e Ana Maria Gonçalves). O último volume, além de depoimentos de autores como Abdias Nascimento, reúne textos críticos de, entre outros, Silviano Santiago, colunista do Sabático, e reflexões sobre o projeto de uma literatura afro-brasileira.
Dito assim, parece estar em curso uma espécie de evangelização africana por meio da literatura. E está. Séculos de colonização e eurocentrismo embranqueceram Machado de Assis a tal ponto que os críticos não param de atribuir as invenções literárias do brasileiro à influência do irlandês Laurence Sterne (1713-1768). Também os publicitários da agência contratada pela Caixa Econômica Federal ressaltaram num comercial supostos traços caucasianos do escritor - que era mulato e neto de escravos alforriados. Os homens da publicidade carregaram nas tintas - mais do que Bernardelli no famoso retrato pintado do autor - e usaram um ator branco para interpretar o escritor na propaganda comemorativa dos 150 anos da instituição. No comercial, Machado aparece como correntista da instituição, mais alvo que o Monte Fuji. Internautas revoltados com o que consideraram racismo conseguiram fazer com que a Caixa tirasse o anúncio do ar.
"Ainda vivemos sob a hegemonia dos valores etnocêntricos, brancos, cristãos e ocidentais", diz o organizador da antologia crítica sobre literatura e afrodescendência no Brasil, Eduardo de Assis Duarte. "Ela é silenciosa e constante, vem do nosso passado escravista, em que o negro era considerado apenas força de trabalho", conclui. Isso explica, em parte, a razão de a literatura dos afrodescendentes ter como principal característica a autorreferência. São textos autobiográficos porque, como diz o professor, "é raro encontrar o negro como tema da escrita do branco na literatura brasileira canônica". Se os escritores afrodescendentes insistem em falar da condição de escravizado é porque o país "multiétnico" esqueceu deliberadamente os pioneiros autores negros e pintou um retrato ambíguo de figuras como Machado de Assis.
Assis Duarte, autor de um livro sobre o fundador da Academia Brasileira de Letras, Machado de Assis Afrodescendente (Editora Crisálida, 2007), vai contra a tese dos que defendem a neutralidade do escritor na questão abolicionista. Para o professor, os textos do acadêmico contradizem o possível abstencionismo do romancista de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Segundo Assis Duarte, Machado usou 23 pseudônimos para atirar petardos nos jornais antiabolicionistas. O "embranquecimento" do bruxo de Cosme Velho faria parte do silencioso projeto de "genocídio do negro brasileiro" que viria a ser denunciado muitos anos depois pelo escritor Abdias Nascimento, morto em maio, ao nadar contra a corrente do rio da mestiçagem de Gilberto Freyre. Este, conclui o professor, estaria empenhado em camuflar a memória do passado africano e negar a alteridade dos afrodescendentes. "Nenhum país passa pela escravidão impunemente", observa. "Autores como Machado e Lima Barreto pagaram caro por isso."
O último, diz Assis Duarte, ainda teve a má sorte de ser visto como um "autor de subúrbio", acusado de tudo, "inclusive de desleixo verbal e falta de profundidade psicológica". Mulato num Brasil eugênico, Barreto testemunhou (aos 7 anos) a abolição da escravatura, mas morreu, aos 41 anos - meses depois da Semana de Arte Moderna -, dependente de álcool e deprimido, após ser internado por diversas vezes em clínicas psiquiátricas. "Muito se fala de Triste Fim de Policarpo Quaresma, mas, seis anos antes, em Recordações do Escrivão Isaías Caminha, ele já denunciava a hipocrisia da sociedade brasileira, que relegou os negros ao campo dos subalternos." No livro, marcado por referências autobiográficas, Lima Barreto fala do filho de uma mulata que sai do interior para estudar Medicina no Rio e não consegue, acumulando frustrações pelo caminho.
Lima Barreto tampouco se rendeu aos estereótipos dos quais nem mesmo os escritores modernistas escaparam, de acordo com o professor. "A mulata, na literatura canônica brasileira, de Rita Baiana a Gabriela, é sexy e estéril, foi moldada para suprir as necessidades do leitor das elites", analisa. "Em contrapartida, a Clara dos Anjos de Lima Barreto entrega-se por amor e fica grávida." Em tempo: Clara é mulata, filha de um carteiro de subúrbio. O amante, Cassi Jones, é branco, sardento, de classe social superior e malandro. Não pensa muito para eliminar aqueles que cruzam seu caminho. Guarda, enfim, algum parentesco com os pitboys do Brasil contemporâneo.
A reação natural à violenta discriminação racial do escritor de origem africana no Brasil foi a criação, nos anos 1960, de grupos literários articulados com os ideais pan-africanistas. "Poetas e ficcionistas se organizaram em grupos como o carioca Negrícia e o gaúcho Palmares, que nascem do impulso de resgatar a questão do negro como vítima do embranquecimento e para combater o mito da escravidão benigna, que de benigna não teve nada", comenta Assis Duarte. A organização em coletivos, como a dos poetas paulistas fundadores dos Cadernos Negros (livros em formato de bolso), seria apenas um manifesto político ou uma tendência? "Os Cadernos são, desde 1978, a principal vitrine da comunidade afrodescendente", responde o professor, que ainda assim não arrisca destacar um nome entre os contemporâneos.
Não haveria no Brasil dos afrodescendentes um escritor incendiário como James Baldwin (1924-1987) - autor de Da Próxima Vez, o Fogo (1963), dois ensaios sobre a condição dos negros na América e suas relações com o cristianismo e o islamismo - ou uma Toni Morrison (Nobel de Literatura de 1993), autora de romances em que a mulher negra é quase sempre a protagonista. "Uma das explicações para isso é que os negros americanos foram alfabetizados muito antes dos brasileiros, como prova a autobiografia de Frederick Douglas, publicada em 1845, que fugiu dos EUA para a Inglaterra e voltou como militante abolicionista." Referindo-se a Baldwin, nascido numa família pobre do Harlem, o professor lembra que o escritor, embora tenha abandonado a religião, frequentou a Igreja, assim como Mahommad Gardo Baquaqua, africano traficado para o Brasil em 1844 e que, batizado pelos mórmons como José da Costa, publicou a autobiografia em inglês, dez anos depois. "Como não admitiam a intermediação para a palavra do Senhor, todos tinham de aprender a ler a Bíblia e isso fez uma diferença tremenda."
O Brasil, na época, estava mais interessado em taxar mercadorias importadas e mal acabara de entrar no circuito de comunicação - 1844 foi o ano da primeira transmissão por telégrafo de Morse. Machado era um menino de 5 anos e os escravos nem sonhavam em ser alfabetizados. "Mesmo quando ele começou a escrever, seus leitores eram da elite branca, não havia a crença no livro como redenção." A expressão da cultura dos afrodescendentes continuou sendo oral nos anos seguintes, isso quando o debate da questão racial pegava fogo nos EUA e os movimentos de afirmação da identidade negra ganhavam força, nos anos 1920, com a poesia militante de Langston Hughes, aponta Assis Duarte. "Só nos anos 1930 é que o rádio passou a ser o porta-voz dos negros brasileiros, ainda assim por causa dos compositores de música popular."
Uma característica dos autores contemporâneos afrodescendentes, segundo o organizador da coleção de literatura afrodescendente no Brasil, é o uso da mídia eletrônica "como forma de estabelecer um contato mais direto com o público". É o caso do escritor carioca Paulo Lins, ex-morador da Cidade de Deus que começou sua carreira numa cooperativa de poetas - reafirmando a tese dos coletivos - e assinou vários roteiros para cinema e televisão. Outra característica é a predominância da poesia sobre a prosa. A descoberta mais surpreendente da coleção é a da participação regional dos escritores no bolo afrodescendente: o maior pedaço é do Sudeste, mais rico e desenvolvido. Dado que talvez explique outro ainda mais curioso, o do crescimento do número de mulheres afrodescendentes no mundo literário, antes dominado pelos homens.
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Antonio Gonçalves Filho - O Estado de S.Paulo
É uma história que começou a ser escrita em 1964 e só finalizada mais de 30 anos depois, exigindo a participação de 350 especialistas sob a coordenação de um comitê científico internacional de 39 intelectuais. Lançada originalmente entre 1980 e 1999, a coleção História Geral da África, que tem oito volumes, acaba de receber sua primeira edição comercial no Brasil pela Cortez Editora, em parceria com a Unesco. Coordenador técnico da edição em português, o professor Valter Silvério, do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos, anuncia que a publicação (320 mil acessos pelo site da Unesco) terá ainda uma edição resumida. Ela está a caminho e vai ser lançada, no próximo mês, em dois volumes, dirigidos a professores da área de educação básica.
A princípio, existia a proposta de um nono volume, sobre a diáspora africana, para completar a coleção, pois o oitavo, que começa em 1935, apesar de abordar as lutas políticas na África - de 1945 à independência de vários países -, não contempla as mudanças provocadas pela globalização. Dos oito volumes, o quinto, segundo Silvério, é fundamental para os professores, pois acompanha desde a vinda dos primeiros africanos para o Brasil até o colapso de antigos Estados como a Etiópia cristã e Songhai (oeste do Sudão).
Os dois volumes que estão prontos para os professores são mais acessíveis que os da coleção integral. "Por ser uma obra de referência, mantivemos a forma original de História Geral da África, respeitando o olhar dos pesquisadores africanos", justifica Silvério. Não é, portanto, o olhar do colonizador, nem despreza as fontes orais dessa história - cujo marco zero, no livro, é a pré-história do continente e o período final do Neolítico.
O olhar do colonizador, segundo o professor, "separou a África branca da África negra" e mais confundiu que explicou a diversidade de culturas do continente, visto na coleção numa perspectiva de unidade africana.
No primeiro volume, além de contar a pré-história da África, os pesquisadores abordam os aspectos linguísticos e as migrações no continente. Uma língua, cuja origem constitui um mistério, é o iorubá, que acaba de ganhar um dicionário.
Outro título fundamental recentemente relançado em nova e ampliada edição é A Mão Afro-Brasileira, organizado pelo curador do Museu Afro Brasil, Emanoel Araujo, que cedeu todas as imagens das capas da coleção História Geral da África. Além de analisar a contribuição de artistas afrodescendentes para a história das artes (pintura, escultura, música, dança, fotografia, arquitetura), do Brasil colonial ao contemporâneo, os volumes destacam o trabalho de pessoas que ajudaram a construir o patrimônio visual, jornalístico e literário do País.
Particularmente interessante é o capítulo dedicado aos escritores afrodescendentes, que apresenta, de maneira sintética, um panorama da literatura negra nacional, da primeira romancista brasileira, a maranhense Maria Firmina dos Reis (1825-1917), mulata e bastarda, ao poeta paulista Cuti. / A.G.F.

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'Com a Palavra, Luiz Gama' - coletânea de poemas, artigos, cartas e máximas - restitui o autor e não apenas o que se disse dele
15 de outubro de 2011
Lilia Moritz Schwarcz - O Estado de S.Paulo
 É poca difícil é a que atravessamos para as causas judiciárias. O leitor desavisado, que passeia rapidamente pelas seções dos jornais diários, pode imaginar que, a se fiar pela frase que abre esse artigo, estaríamos diante de mais uma manchete, entre tantas, que descrevem escândalos nesse setor.
Mas o dito saiu da lavra de Luiz Gama, advogado, jornalista, republicano, abolicionista e figura pública em finais do século 19. Diferentemente do que ocorreu nos EUA, por aqui restaram poucos relatos de ex-escravos, e também por isso o caso de Luiz Gama se destaca nesse ambiente que mais lembra um deserto. Claro que há muita incerteza cercando a vida do personagem, até porque, seu maior documento biográfico é ainda uma carta de autoria própria. De toda maneira, conta a história que Gama seria filho de Luiza Mahin - escrava que atuara na Sabinada (1837) e na revolta dos Malês (1835) -, e de um fidalgo português, que, endividado, tratou de vender o filho.
Se fosse só por isso, o exemplo de Gama já serviria de modelo. No entanto, a continuação da história é ainda mais comovente; exemplo não de passividade, mas de agência e protagonismo. O cativo aprende a ler no espaço da casa-grande, e se transforma com o tempo em advogado dos escravos. A trajetória e o destino se juntam para fazer desse personagem um exemplo, e desse exemplo uma alegoria.
Muitas vezes, porém, a biografia nubla a produção, ou então, essa última só aparece a reboque da primeira. É sempre louvável não se fiar no mero biografismo: essa espécie de ficção que impõe continuidades a relatos lacunares; ou confere previsibilidade a uma vida como as nossas; com avanços e recuos, cotidiano e negociação. Em Com a Palavra, volume de textos de Luiz Gama organizado por Ligia Fonseca Ferreira, quem dá o tom é o próprio autor. Mais ainda, a produção de Gama surge multifacetada, a partir dos vários gêneros que o consagraram: poemas, artigos, cartas, "máximas às pressas" retiradas de O Polichinelo, e material póstumo.
O resultado é uma obra variada e que permite identificar uma escrita sarcástica, irônica e crítica, assim como apreender recorrências estilísticas e temáticas. Forte, Luiz Gama não poucas vezes permeia sua narrativa com negritos, pontos de exclamação ou interjeições. Nesses momentos é como se víssemos o escritor debater-se e afirmar sua interpretação. Por sinal, num país em que o enriquecimento com frequência embranquece, e em que escritores negros ou mulatos se descrevem como brancos, Luiz Gama é dos primeiros a introduzir de maneira implícita e explícita a afirmativa de "negro sou". É isso que nos mostra Ligia Fonseca Ferreira, que, com rara elegância, democraticamente apresenta o material, deixando ao leitor a tarefa de avaliar e avaliar sua real importância.
Os temas, a despeito de serem muitos, são de certa forma recorrentes. Luiz Gama insiste em bater na corrupção política, nas mazelas do Império, no preconceito racial vigente, na venalidade do judiciário, na falsidade dos "doutores", na pouca idoneidade do clero. Por trás de tudo isso, tal qual sombra indigesta, está a escravidão e as contradições violentas que o sistema ensejava.
É interessante pensar que Luiz Gama não negava sua experiência passada, como escravo, mas escolhia "praticar sua liberdade", valendo-se do exercício da lei. A despeito de não ter concluído o curso de Direito, é conhecido o papel do ativista na libertação de mais de 1.000 cativos, e na acusação sistemática das falcatruas do dia a dia. Numa época em que a escravidão era um fardo pesado, e em que a liberdade não passava de prêmio frágil, Luiz Gama denunciou sempre que pôde as tantas formas de reescravização existentes no País. Alardeou a inoperância da lei, e como o final do tráfico de escravos não inaugurara um estado de direito jurídico. Africanos entrados no Brasil após 1830, ainda constavam na lista de escravos; cativos que lograram liberdade eram com frequência reconduzidos à antiga condição; negros libertos em testamento tinham sua condição revogada por novos senhores e assim por diante.
O fato é que num contexto em que a escravidão era uma certeza, e a liberdade (ou sua manutenção) uma imensa dúvida, Luiz Gama se bateu judicialmente pelo uso da lei. Dizia "que a lei deveria ser respeitada e não se tornar um joguete pernicioso". Escancarava a existência "de muitos africanos em situação ilegal e com o conhecimento das autoridades" e mostrava como "o próprio imperador teria dado a essas autoridades instruções secretas, para que não tomassem conhecimento das reclamações ...". E desabafava: "Deverão os amigos da humanidade, os defensores da moral cruzar os braços diante de tão abominável delito?".
O leitor tem em mãos um retrato de corpo inteiro de um batalhador dos direitos, nesse país da cidadania falhada. Para se ter uma visão completa faltaria correr os olhos nos processos judiciais, que completariam esse quebra-cabeças chamado Luiz Gama. Pouco importa. Vale mais elogiar a cuidadosa pesquisa que resultou nesse livro que restitui o próprio autor, e não apenas o que dele se disse. E Gama não perdeu atualidade. Não só o problema racial e o tema da cor retornam tal qual convidados imprevistos, como as elites perdem seu ar civilizatório para receber tom de suspeita e chacota: "Impera no Brasil o patronato, fazendo que o Camelo seja Gato". Com a palavra, Luiz Gama.
Nas salas de aula - Material didático começará a ser distribuído em março
15 de outubro de 2011
Lisandra Paraguassu - O Estado de S.Paulo

As escolas públicas brasileiras começarão a receber, já no próximo ano, o primeiro material didático produzido no País sobre a história da África, a diversidade cultural dos negros e a participação dessa população na formação do Brasil. Os textos, preparados pela Universidade Federal de São Carlos com base na extensa bibliografia História Geral da África, compilada pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), começam a ser distribuídos em março, inicialmente para as turmas de educação infantil.
O material completo inclui livros para os alunos e material de orientação para o professor. Até o fim de 2012, estudantes do ensino fundamental e médio em todo o País também terão nas mãos livros didáticos específicos sobre o tema, mas que vão além da história. "Quando falamos em história geral, se pensa na visão formal do processo histórico, mas serão trabalhados vários aspectos. A intenção é ter uma proposta multidisciplinar", explicou o coordenador de educação para as relações étnico-raciais do Ministério da Educação, Antônio Mário Ferreira. "Temos material de literatura, geografia, biologia, matemática e a história propriamente dita."
Para as crianças de 4 a 6 anos, o trabalho pode envolver, de acordo com o coordenador, cores, música - como o uso da percussão pelos povos africanos - e lendas locais, entre outros elementos. A intenção é que os professores, com ajuda dos livros de orientação, desenvolvam atividades que auxiliem os estudantes a aceitar, desde pequenos, a diversidade racial, cultural e social.
O ensino da história da África e da cultura negra nas escolas brasileiras tornou-se lei em 2003. No ano seguinte, um parecer do Conselho Nacional de Educação definiu a maneira como o tema deveria ser tratado nas escolas. Entretanto, não havia nenhum tipo de material didático que pudesse ser distribuído aos professores.
Um acordo com a Unesco permitiu ao MEC reproduzir a bibliografia preparada pela Organização, composta de oito volumes. Este ano, o ministério enviou o material para todas as universidades públicas e filantrópicas do País e permitiu o seu acesso via internet. "Até agora, já foram feitos mais de 30 mil downloads", revelou Ferreira. "No entanto, esse é um material muito denso, para pesquisadores." Por essa razão, o MEC contratou a UFSCar para fazer, além do material didático, um resumo da obra. São dois volumes, de 800 páginas cada um, que chegarão ainda este ano às bibliotecas das escolas públicas de ensino médio.

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