quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Rio Grande do Sul do Mundo


publicado no bloc RSURGENTE, em 11/10/11

O conceito central da campanha de Tarso Genro para o governo do Estado foi: “Rio Grande do Sul, do Brasil e do Mundo”. E o significado desse conceito, em linhas gerais, era (e segue sendo): o Rio Grande do Sul precisa superar seus limites provincianos e abrir-se para o Brasil e o mundo. Abrir-se para o Brasil e o mundo, por sua vez, tem, pelo menos, duas implicações. No que diz respeito ao Brasil, significa romper o quadro de isolamento e estagnação econômica que acompanha o Estado há algum tempo. Conforme a avaliação do professor Luiz Augusto Estrella Faria, técnico da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professor da UFRGS: “Com exceção do início dos anos 2000, quando o Estado teve uma media de crescimento maior que a do Brasil, na década de 90 tinha sido pior e na segunda metade dos anos 2000 voltou a ser pior que a média nacional. Historicamente, o Estado sempre teve algo entre 7 e 8% do PIB brasileiro. Hoje estamos entre 5 e 6%”.
Já no que diz respeito a abrir-se para o mundo significa, minimamente, dialogar e incidir sobre a grave crise econômica, política, social e ambiental que afeta o planeta. Além da importância em si do tema, o Rio Grande do Sul – ou uma parcela importante dele, ao menos – tem uma responsabilidade histórica em relação a esse tema. Porto Alegre e o Estado tornaram-se conhecidos mundialmente graças ao Fórum Social Mundial que veio para cá, justamente porque aqui, no final dos anos 1990 e início de 2000, estava em curso uma experiência política que caminhava na contramão da globalização neoliberal então cantada em prosa e verso.
Mais de dez anos depois, o sentido político daquele período está mais atual do que nunca. Isso significa que cobra uma atualização política no presente. Desde sua primeira edição, em 2001, em Porto Alegre, os movimentos que integram o Fórum Social Mundial denunciaram o modelo neoliberal e suas políticas. Elas cobram seu preço agora, provocando desemprego e sofrimento para milhões de pessoas no mundo. E essa realidade, por sua vez, cobra algumas iniciativas políticas urgentes.
Uma das pichações das manifestações estudantis que estão sacudindo o Chile afirma: “Chega de realizações, queremos ideias!”. É um sentimento presente também nas manifestações de jovens no Cairo, em Madri, em Nova York e em muitas outras cidades do mundo. Há claros sinais de esgotamento de um padrão civilizatório no ar. O Fórum Social Mundial nasceu fazendo essa advertência há mais de dez anos. Porto Alegre e o Rio Grande do Sul receberam milhares de pessoas de diversos cantos do mundo que vieram aqui tratar disso e não propriamente para conhecer as belezas turísticas do Estado.
O Rio Grande do Sul receberá um Fórum Social temático no início de 2012, preparatório à Conferência Mundial Rio+20, que será realizada em junho do próximo ano, no Rio de janeiro. E poderá receber o Fórum Social Mundial de novo em 2013. Mas a urgência e a gravidade da crise exigem, mais do que organizar eventos, ter clareza do momento histórico e das responsabilidades que ele coloca. A responsabilidade do FSM está ligada à necessidade de construir uma alternativa política em nível internacional para enfrentar essa grave crise. O Fórum nasceu com o compromisso de lutar por um “outro mundo possível”. A realidade acabou tornando o possível, necessário.
A responsabilidade de todos aqueles que participaram da construção do FSM, agora, é trabalhar em favor de uma articulação internacional em defesa da democracia, do emprego, da renda, da justiça social e do meio ambiente. Não é pouca coisa que está em jogo e, definitivamente, não é algo que deve ser tratado no âmbito da lógica de um evento.
O Rio Grande do Sul do Mundo, anunciado na campanha de Tarso Genro, tem a oportunidade – e a urgência – de se materializar. Obviamente, a tarefa central de um governo é fazer o Estado funcionar bem, o que, entre outras coisas, significa oferecer serviços públicos de qualidade à população e promover o desenvolvimento humano. Mas um governo também é feito de ideias, de atitudes e exemplos que inspiram e alcançam corações e mentes a quilômetros de distância. O mundo atravessa uma das mais graves crises das últimas décadas, talvez a mais grave desde aquela que marcou o início do século XX e resultou em duas grandes guerras. Vivemos, pois, um daqueles períodos históricos em que “pensar o mundo” não é uma abstração ou um devaneio.
Mesmo a solução das dificuldades cotidianas do Rio Grande do Sul hoje, como a qualidade dos serviços públicos e os salários dos servidores passa por movimentos políticos que transcendem as fronteiras do Estado. Debates sobre a renegociação da dívida com a União, o pacto federativo e a Reforma Tributária, por exemplo, estão indissociavelmente ligados ao posicionamento econômico do Brasil no cenário mundial. As direções dos partidos, dos sindicatos e das organizações que ajudaram a construir o Fórum Social Mundial têm a obrigação de saber isso.
Não há solução satisfatória para o problema do salário de professores e policiais, por exemplo, sem mudanças estruturais na questão do financiamento do Estado. E não ocorrerão tais mudanças estruturais sem se alterar a matriz tributária do país que faz com que os que ganham menos paguem mais impostos que os que ganham mais. O slogan para isso não é “Chega de tanto imposto”, mas sim “Chega de os pobres pagarem mais impostos que os ricos”. E para mudar isso, lamento dizer, é preciso debater o mundo e, principalmente, incidir sobre ele.
Ser um governo do Rio Grande do Sul do Mundo exige, por definição, pronunciar-se sobre e para o mundo. O Estado celebrou recentemente, com justeza e legitimidade, os 50 anos da Legalidade, nos lembrando que a memória e a história exigem uma construção e um cuidado permanentes. O mesmo vale para o presente e o futuro, pois é exatamente isso que está em jogo. E não é pouco o que está em jogo. Já estamos muito bem servidos de celebrações sobre a nossa identidade e os nossos feitos históricos. A crônica sobre eles é abundante. Chegou a hora de o Estado abrir-se para o mundo, debater o mundo, trazê-lo para nós e, principalmente, nos tornarmos parte dele. Afinal de contas, queiramos ou não, saibamos ou não, nós pertencemos ao mundo e ele está precisando de nós.

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