quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Cristina e Dilma

*por Marcos Coimbra (extraído do Blog do Noblat)


Embora sem deixar de registrar a vitória que Cristina Kirchner obteve domingo, nossa imprensa economizou no espaço e no destaque que deu à matéria. Foi manchete em alguns dos maiores jornais, em outros apenas título secundário na primeira página, mas recebeu tratamento discreto de todos.
O mesmo ocorreu no noticiário das principais emissoras de televisão e nos grandes portais de internet. Frente, por exemplo, ao tema do momento, os escândalos no ministério do Esporte, ficou quase apagada.
Pode ser que esse comedimento decorra da certeza de que Cristina se reelegeria. Havia muitas pesquisas que apontavam para o que acabou acontecendo: que ela conquistaria um novo mandato, bem à frente de seus oponentes, já no primeiro turno.
Foi o que ocorreu e a vitória terminou sendo ainda maior. Ela não só definiu a eleição presidencial com votação recorde na história argentina recente, chegando a 54% dos votos (apenas Perón teve mais que isso, nas eleições de 1951 e de 1973), mas levou sua coligação à maioria nas duas Casas do Congresso e ao governo de oito das nove províncias que estavam em disputa.
Embora esperado, o resultado merecia ser discutido com mais atenção. E não apenas pela importância que tem a Argentina para o Brasil, como nosso maior parceiro comercial na América do Sul, superada somente pela China e os Estados Unidos como destino de nossas exportações e origem do que compramos no resto do mundo.
As trajetórias dos dois países sempre foram próximas, apesar das grandes diferenças existentes. Tivemos ditadores populistas na mesma época, experimentamos ditaduras militares simultâneas, saímos delas quase juntos (sem contar o breve interregno que houve por lá entre 1973 e 1976, sem paralelo aqui).
Depois das redemocratizações, as semelhanças permaneceram, mas era como se o relógio da história andasse mais depressa na Argentina. Foi o período em que se brincava dizendo que, entre os países, havia um “efeito Orloff” (“Eu sou você amanhã!”), em que eles sinalizavam a cada dia o que seríamos no dia seguinte.
Aconteceu assim com o neoliberalismo, com a adoção do receituário preconizado pelo chamado Consenso de Washington (liberalização, integração internacional, privatização, entre outras medidas), primeiro na Argentina, em 1991, e depois no Brasil, em 1995. Para sublinhar nossos paralelismos, tivemos um paradoxo semelhante: lá, foi Carlos Menem, um peronista, e aqui Fernando Henrique, um socialdemocrata com formação de esquerda, que implantaram essas políticas.
No ocaso do neoliberalismo, o Brasil assumiu a dianteira e inverteu o “efeito Orloff”. Kirchner tomou posse quase ao mesmo tempo que Lula, mas demorou mais que o brasileiro a por em prática programas de ampliação do consumo, através de políticas sociais e da valorização de salários e aposentadorias.
Os observadores da política argentina são unânimes ao considerar que Kirchner teria sido reeleito se tivesse participado da eleição em 2007, ao invés de ceder a vaga a Cristina. O fato é que não o fez e ela ganhou. Se o desejo de Néstor era voltar à Presidência, importa pouco. Ele morreu, foi Cristina quem disputou e venceu.
(Será que haverá uma analogia brasileira para a contradança que os Kirchner pareciam encenar e que foi interrompida pela morte de Néstor? Néstor, depois Cristina, depois ...? Lula, depois Dilma, depois....?)
Hoje, as similaridades entre as agendas de Cristina e Dilma são visíveis. Mas elas as encaminham de maneiras diferentes.
As duas governam com alta popularidade. Cristina acabou de obter uma vitória consagradora e só um desinformado imagina que Dilma não se reelegeria (com folga) se disputasse hoje. A oposição a ambas se enfraqueceu, e atravessa dificuldades para encontrar um discurso e definir lideranças.
Os grandes conglomerados da indústria de comunicação não gostam de seus governos, coisa que Dilma trata com naturalidade. Cristina, de seu lado, é adepta do “Bateu, levou”.
O que diriam nossos conservadores se Dilma fizesse como Cristina? Se levasse o Congresso, onde tem maioria, a aprovar uma “Ley de Medios” para evitar a concentração do poder de mídia em poucas empresas?
Se usasse recursos orçamentários para comprar os direitos de transmissão dos campeonatos de futebol de todas as divisões, cedendo sua veiculação à emissora pública (e a qualquer outra), assim permitindo que todos possam ver as partidas sem pagar?
Se estendesse a iniciativa para o vôlei, o basquete, o rúgbi, o tênis e os Jogos Olímpicos? Se impedisse que os dois maiores jornais do país continuassem a usufruir vantagens de monopolista na indústria de papel-jornal?
Reeleita e mais forte, Cristina pode radicalizar (algo nada surpreendente em seu país). De domingo para cá, seus adversários não estarão dormindo tranquilos.
Enquanto isso, a direita brasileira deveria soltar foguetes por alguém como Dilma ser nossa presidente.

*Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

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