quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Dilma, a estadista

extraído do blog Sul 21 de 27/09/11

por Marcelo Carneiro da Cunha

Pois foi com uma razoável dose de surpresa que vi a minha, a sua, a nossa Dilma estreando em horário nobre mundial para abrir a Assembléia Geral da ONU na semana passada. Ao vê-la falar, tirei da carteira uma foto da Dilma candidata que eu guardo, todos vocês também, evidentemente, para esses momentos. Não era a mesma pessoa, não era a mesma persona, caros leitores.
A Dilma candidata passou boa parte da campanha tentando compreender o que fazia ali, e por que ela. A Dilma da campanha era alguém com um senso de missão que a fazia aceitar o que para ela parecia doloroso. Mas também era alguém em claro desconforto com o modelito e com o discurso, que saía rangendo com a naturalidade de um cigano Igor nos bons tempos. Dilma candidata era uma biografia e uma capacidade muito maiores do que o momento, e talvez por isso mesmo, em descompasso com ele. Mais: Dilma é claramente alguém movido pela ética pessoal, alguém que não sente a falta de escrúpulos que torna a direita uma vencedora natural nas carnificinas das campanhas políticas.
Aquela Dilma vacilou no momento em que as igrejas, tanto a oficial e católica quando as outras, ainda mais malucas, vieram com tudo, no final do primeiro turno. Ali, na hora de peitar aquele bando, ela hesitou, sem dúvida a conselho dos mais experientes em batalhas desse tipo e que pensam em votos, talvez não tanto em consequências.
Aquela Dilma que se apresentou diante da ONU teria hesitado diante da barbárie do primeiro turno? Aposto aqui todas as minhas bolas de gude que não, não teria. Teria enfrentado e teria vencido, e afastado por um bom tempo a ameaça fundamentalista, que segue por aí esperando 2012.
Porque a presidente Dilma Rousseff que falou para a ONU é outra Dilma. Dizem que aquela cadeira presidencial faz da pessoa que senta nela uma outra pessoa. Ou ela desaba sob o efeito de forças obscuras e engarrafadas, como o nosso desastroso Jânio, ou ela perde a noção do que é ou não pecado abaixo do Equador, como no caso do ex-presidente Collor. Ou ela adquire uma nova dimensão sob o sentido da História, como no caso do nosso estimado e subestimado Itamar Franco. Ou ela cumpre o seu destino, como foi o caso de FHC, de Lula, e talvez seja o caso de Dilma Rousseff.
Eu sou um daqueles brasileiros que se jogava debaixo de uma mesa para não ver os nossos presidentes falando a quem quer que fosse. Em primeiro lugar, porque na maior parte da minha vida ou eles eram generais, ou eram o Sarney, ou o Collor.
É recente a sensação de poder assistir sem chorar ou morrer de vergonha, e, caros leitores, ela é ótima. Ver como somos percebidos lá fora é sim agradável, mesmo que isso não descreva a realidade que vivemos aqui dentro. Voltei agora de uma viagem até Berlim e outra até Caracas, e sair do Brasil hoje é ver a diferença que foi estabelecida e consolidada a partir do governo Lula.
Pois o discurso da nossa presidente diante da ONU mostrou tanto uma nova Dilma quanto um novo Brasil. Falamos basicamente mais coisas certas do que qualquer outro governo no mundo todo. Falamos, através da nossa presidente, que o mundo de hoje não pode mais viver das fórmulas do passado. Falamos que estamos fazendo o que podemos e devemos, e que os demais devem fazer o mesmo. Falamos que somos pacíficos, e se não fôssemos, a América do Sul seria muito pior do que é, e com muito menos chances de se tornar o continente que ela vai se tornar. Falamos o óbvio, que está na hora de a Palestina receber a justiça que merece e tarda demais. Quem mais falou o mesmo, ou com tanta clareza e qualidade? Em contraste, o presidente Obama não falou, gaguejou.
Dilma, a presidente, se não falou com a oratória que consagrou grandes estadistas, Lula inclusive, falou com a qualidade que diferencia o estadista dos políticos. Dilma tem a coisa, caros leitores. Aquela visão que faz a gente ir além quando o mundo não está exatamente exigindo isso da gente. Aquela convicção que aparece nos olhos e nos braços. Dilma pode vir a ser sim, muito mais do que a primeira mulher presidente do Brasil, e isso ficou claro para mim na semana passada. Talvez tenha ficado mais claro para o mundo também.
Nós, brasileiros, temos sorte e algum juízo. Soubemos criar uma política que não é perfeita – porque isso nem mesmo eu, esse neto da minha avó Jovita, sou – mas se mostra funcional, noves fora histerias. Temos tido bons ou ótimos governantes e temos caminhado de um jeito que transforma uma boa parte do possível em real. Nossos enormes problemas seguem aí em toda parte, mas pela primeira vez parece que temos chance de dar conta deles, em uma ou duas gerações. Nada como regressar da Venezuela para apreciar a diferença que isso faz, caros leitores.
A semana passada me deixou uma sensação forte e a qual divido com meus estimados sulvinteumenses. Agora, e sim, pra valer, é Dilma. E a viagem está apenas começando

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