segunda-feira, 30 de abril de 2012

A crise capitalista e suas repercussões políticas, por Angel Guerra Cabrera - de Cidade do México

publicada em Correio do Brasil.

29/4/2012 11:41,14
capitalismo
 A crise do capitalismo


Trata-se de uma crise civilizatória que exige transformar totalmente os padrões culturais e o sistema de produção e consumo como única forma de preservar a vida de nossa espécie. O capitalismo já ameaçou arrasar a civilização nos terríveis anos de guerra geral entre 1914 e 1945, agravados pela Grande Depressão de 1929 e culminados com o genocídio de Hiroshima e Nagasaki. Quem sabe em que tragédia maior teria terminado aquele drama se não fosse pela derrota infligida ao nazismo pelo Exército Vermelho.
O transtorno atual se iniciou em 1973, quando o presidente Richard Nixon interrompeu o deslizamento da economia estadunidense para o abismo, provocado pelos gastos da guerra do Vietnã, o aumento dos preços do petróleo e o declínio na taxa de lucro. Unilateral e ditatorialmente desligou o dólar – moeda de câmbio internacional – do padrão ouro e o pôs a “flutuar”. Vulnerava assim, em proveito dos capitais ianques e em detrimento dos demais países – sobretudo os pobres – os acordos de Bretton Woods, que pautaram as regras da economia internacional sob a batuta dos Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial.
A partir de então, Washington empreendeu uma demencial voragem de impressão de dólares e instrumentos de dívida sem respaldo produtivo, com os quais inundou os circuitos financeiros globais de moeda desvalorizada e levou à maior estafa da história da humanidade. A especulação financeira passou a ocupar um lugar muito mais relevante que a produção e o comércio na circulação monetária e reforçou as políticas neoliberais, experimentadas no Chile sob a ditadura de Pinochet (1973-1990), elevadas à categoria de dogma de fé mundial pelos governos de Ronald Reagan e Margaret Thatcher (1979-1990).
São essas políticas generalizadas de diminuição do Estado, contenção salarial, desmantelamento das conquistas dos trabalhadores, circulação livre de capitais mas não da força de trabalho, privatização do patrimônio público, socialização das perdas das corporações, especulação até com os alimentos, inclemente degradação ambiental e início de um novo ciclo de guerras coloniais (Afganistão, Iraque, Líbia), as quais têm conduzido à debacle econômica manifestada abertamente a partir do estouro da bolha imobiliária em Wall Street (2008).
Citada por poucos autores, outra causa fundamental, na ordem geopolítica, da descomunal ofensiva internacional do capital contra os trabalhadores e povos oprimidos, foi a queda da União Soviética e demais países da experiência socialista do Leste da Europa, empurrada sim, por gravíssimos erros e desvios de seus partidos dirigentes, mas também portadora de valiosas experiências na libertação humana e fator de equilíbrio até aquele momento no balanço internacional de poder. A arremetida capitalista foi favorecida pelos traumas subjetivos que a inesperada catástrofe provocou, aprofundados por uma vulgar campanha antissocialista que dura até hoje e a deserção para as fileiras do liberalismo econômico – sem exceção – das cúpulas social-democratas europeias e partidos associados em outras latitudes, assim como de muitos intelectuais. Enquanto isso, um número considerável dos partidos e grupos de orientação marxista e socialista demoraram a sobrepor-se à comoção e fazer uma leitura correta da nova realidade.
Em 2010 irrompeu na Europa a chamada crise da dívida soberana com graves consequências sociais, acentuadas pelo ultraliberalismo da senhora Merkel. A Espanha entrou de novo em recessão e se vaticina a rápida queda da importância, do tamanho de sua economia e sua quebra não distante, dadas a fragilidade de seus bancos, às extremas medidas de ajuste ordenadas por Berlim, cumpridas ao pé da letra pelo fidalgo Rajoy.
Sendo assim, arrastará consigo a União Europeia, atingirá os Estados Unidos, que padecem essencialmente os mesmos problemas, solapados pela suicida injeção de liquidez, e são, no final das contas, o maior responsável pela crise.
Angel Guerra Cabrera é jornalista do periódico La Jornada.

Forçar as portas do futuro: Políticas de cotas raciais como elemento constitutivo para um Brasil de todos/as, por Clédisson Júnior e Marcela Ribeiro



No Brasil são comuns as ações, os conceitos, as medidas serem valoradas de formas distintas. As diferenças coadunam de acordo a orientação ideológica de quem reivindica ou ataca qualquer preceito.

Historicamente em nosso país as perspectivas ideológicas dominante sempre foram alinhadas ao poder do capital e suas necessidades de manutenção, por consequência, aos interesses de pequenos grupos econômicos. A partir da ascensão de setores progressistas ao poder central do país houve um deslocamento de pautas anteriormente marginalizadas reorientando o olhar do poder público para políticas direcionadas as maiorias oprimidas.

Destacamos hoje no cenário político nacional as ações afirmativas para promoção da igualdade racial como um desses avanços. O Sistema de cotas se configura na atualidade como um dos principais instrumentos de democratização das instituições públicas de ensino superior.

Trata-se de uma medida de reparação étnico-racial e promotora de oportunidades para segmentos populacionais historicamente marginalizados, com centralidade nas populações negras e indígenas.

Tanta polêmica criada em torno das políticas de cotas raciais por setores conservadores tem no horizonte a defesa de seus interesses, como por exemplo a manutenção do ensino superior como centro de formação de quadros dirigentes todos ligados aos grupos detentores dos meios de produção em nossa sociedade. Democratizar o conhecimento e promover um processo de emancipação de consciência das classes populares, em especial da classe trabalhadora nitidamente coloca em risco os privilégios desta mesma elite.

Ao defendermos as ações afirmativas não estamos promovendo ineditismos. Ao optar por uma política de substituição de mão de obra negra escravizada por de mão de obra assalariada imigrante oriunda da europa no final do século XIX, o Estado brasileiro ofereceu como incentivo à vinda destes imigrantes porções de terras cultiváveis para a reprodução de suas vidas, assim como suas moradias e garantias de empregos.

O pressuposto de que reservas de vagas para afrodescendentes nas universidades públicas fere a Constituição Federal é uma das mais propagadas falácias difundidas por setores reacionários que constroem interpretações dos artigos constitucionais a partir de seus próprios interesses.

A partir do princípio da igualdade regido pela constituição organizamos nossa intervenção e defesa em torno das políticas de ações afirmativas. Com base neste princípio, todos/as são iguais diante da lei. O que mais se observa é a construção de mitos a despeito de tal princípio apresentar duas interpretações plausíveis e não antagônicas.

O primeiro trata-se do acesso a justiça e o segundo trata da promoção de garantias de oportunidades iguais. Fruto desta compreensão, o tratamento dado pelo Estado à indivíduos em situais de desvantagens políticas, econômicas e social no mesmo patamar que são tratados os demais em situações de vantagens em relação aos anteriores se configura como um ato de injustiça.

Na obra Ética a Nicômaco, o filósofo Aristóteles já se preocupava com questões referentes a equidade. Defendida por vários juristas brasileiros inclusive pelo coautor da constituição da Primeira República, Ruy Barbosa, equidade consiste na adaptação da regra existente à situação concreta, observando-se os critérios de justiça e igualdade.

Além de não ferir ao referido princípio há outro que legitima e nos instrumentaliza na defesa das políticas de cotas. Sendo este o princípio da dignidade da pessoa humana, pelo qual está previsto uma série de direitos dentre eles o direito a moradia, ao trabalho, a EDUCAÇÃO.

As cotas raciais são frutos de uma política de inclusão e justiça social formulada pelo movimento social negro e apropriada para fins de políticas públicas pelo Estado e pelas instituições de ensino superior com fulcro no artigo 206, inciso I, da Constituição Federal, o qual determina como princípio do ensino, dentre outros, “a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”, resultante da autonomia universitária garantida constitucionalmente pelo art. 207.

O entendimento sobre o fato das cotas não resolverem os problemas imediatos das disparidades entre negros e não negros em nossa sociedade é aceito por todos/as. Compreendemos políticas de cotas como uma medida necessária a fim de promover o amplo debate sobre as distorções históricas no tratamento dada pelo Estado a população negra assim como a importância de medidas reparatórias que visem ressignificar o papel deste mesmo Estado frente à construção de uma sociedade solidaria, justa e socialmente referenciada.

É essencial compreendermos a dívida histórica do Estado brasileiro com o povo negro. Após a “abolição” da escravidão, os/as negros/as foram postos a margem da dinâmica de socialização ao passo que trabalhadores europeus foram trazidos como parte de um projeto de embraquecimento de nossa sociedade. Naquele período observou-se a formulação de políticas e leis que dificultavam o acesso dessa grande parcela populacional de ex escravos a direitos, a cidadania e a dignidade.

Ao divulgarem que promover um processo reparatório com um século de atraso é simplesmente penalizar as gerações atuais pelos erros das anteriores é ignorar que as gerações atuais ainda se beneficiam desse histórico de opressão. A luta e os esforços empreendidos por políticas reparatórias visam problematizar e dar respostas a um preocupante nível de desigualdade enraizado em nosso país fruto deste criminoso processo histórico.

São alarmantes os dados sobre a situação da população negra , segundo o Censo de 2000 a população negra detinha cerca 4% do rendimento do país entre aposentadoria, salário, programas de renda mínima e aplicações financeiras, pardos 21,9% e brancos 74,1%.

O panorama do nível superior em 2002 também se apresentou desanimador: havia 2 milhões 864 mil e 46 jovens, destes 78,5% eram de brancos, 0,23% de negros que juntando com os pardos representavam apenas 1,84%. Já na pós graduação a predominancia dos brancos é de 86,4%, tendo 9,2% de pardos, 1,8% de negros, 1,9% amarelos e 0,2 de indígenas.

Passadas uma década do levantamento destes dados hoje lidamos com uma tímida, mas significativa alteração nestes índices graças à adoção de políticas de reservas de vagas a partir de critérios étnico-raciais. Estamos falando de uma verdadeira revolução na inclusão de segmentos populacionais historicamente marginalizados nas universidades brasileiras.

Todo esse panorama demonstra como a dívida do Estado com os afrodescendentes é atual e acumulativa. Evidencia as disparidades sociais e a cor de quem são os oprimidos, por consequência deixando em evidência a cor de quem são os opressores.

Há aqueles/as que defendam que as cotas sejam apenas sociais. Com tudo existe uma necessidade objetiva quanto ao caráter racial das vagas reservadas. Segundo Bourdieu “desempenho escolar não é resultado apenas da formação e origem social mas de uma serie de fatores que condicionam sua participação na escola”, a discriminação sofrida pelas crianças, a violência psicológica, o racismo na infância influenciam em sua aprendizagem.

É falaciosa a afirmação de que as políticas de cotas agravam o problema do racismo em nosso país. Essa mesma política promove um enfrentamento direto ao interesse do conservadorismo e do atraso em continuar hegemonizando o acesso a academia e a produção do conhecimento cientifico.

Ao analisarmos dados de 2009 que nos apresentam uma radiografia das instituições de ensino superior no Brasil observamos que o objetivo de construir uma universidade democrática e reflexo da diversidade étnico-racial de nossa sociedade enfrenta um desafiador obstáculo no que diz respeito à composição étnica do seu corpo docente.

Na ocupação das vagas docentes na USP de um total de 4.705 professores/as apenas 5 eram negros/as; na UFRGS dos 2.000 professores/as, 3 eram negros/as; na UFRJ do total de 3.200 professores/as, 20 eram negros/as e essa disparidade se reproduz nas diversas instituições de ensino por todo o país. A instrumentalização de um numero maior de negros/as para ocupar estes e outros espaços em nossa sociedade é estratégico para a construção de uma sociedade verdadeiramente justa e democrática.

O aprofundamento e intensificação das políticas de inclusão e justiça social como as cotas raciais são fundamentais para a edificação deste novo marco civilizatório, uma vez que estas políticas propiciam a inserção de diferentes realidades ao tecido social e a partir delas são construídas novas perspectiva, novos referenciais de mundo.

Com base nesta compreensão medidas que democratizem e promovam a inclusão de estudantes de origem popular, trabalhadores e trabalhadoras no ensino superior como o sistema de cotas, o PROUNI, o REUNI são essenciais para o avanço do caráter democrático e emancipatório das políticas educacionais. Permitindo assim a construção de um modelo de educação que dialogue com todas as diversas realidades, todas as diferentes juventudes, um modelo educacional libertário que propicie o salto qualitativo da educação brasileira.

Ao construírem argumentação visando imputar inconstitucionalidade a políticas de cotas raciais, setores reacionários buscam deslegitimar e conter o vigoroso processo de democratização e popularização da universidade brasileira. Ao lado destes assistimos argumentos como o da inversão do sistema meritocrático do vestibular, e o fato de que as cotas raciais baixam o nível acadêmico das instituições de ensino, argumento este derrubado pelos recentes dados que apontam para o sucesso dos/as estudantes cotistas nas avaliações de desempenho, assim como inúmeros outros argumentos já problematizados e desmistificados pelas reflexões e formulações do movimento negro, seja atuando na academia ou na arena pública.

Estamos distantes de vivenciarmos no Brasil a tão falada democracia racial, mas medicas como as políticas afirmativas nos fazem acreditar e tecer uma trajetória neste sentido. A vitória que esperamos será fruto das mobilizações dos setores progressistas de nossa sociedade com centralidade no movimento negro brasileiro, que compreende a política de cotas raciais como um verdadeiro salto para o futuro, será essa política o motor deste novo Brasil que ao olhar para trás em nossa historia não se furtará de construir um destino melhor para todos e todas.

Nada virá de graça ao povo negro, mas os processos históricos mostram que somos herdeiros de uma tradição de intensas lutas e processos de resistência, em nossa constituição identitaria não paira o medo, mas a garra, a vontade de lutar, a certeza de vencer!

Clédisson Júnior é Conselheiro Nacional de Promoção da Igualdade Racial e militante do Coletivo Nacional de Juventude Negra ENEGRECER.

Marcela Ribeiro é Vice Presidenta da União dos Estudantes da Bahia e militante do Coletivo Nacional de Juventude Negra ENEGRECER

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Data Histórica, por Antônio Carlos Côrtes*

Minha esperança é de que esta nova geração, saída das universidades, tenha 
a força para realizar o que sempre foi meu grande sonho:a elevação dos negros 
brasileiros a uma situação condigna e reconhecida(Carlos Santos)
 

O Supremo Tribunal Federal compõe-se de 11 ministros, escolhidos dentre cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada. A competência constitui-se na guarda da Constituição, cabendo-lhes processar e julgar, originalmente, dentre outras as ações diretas de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual.
Neste  histórico   dia 26 de abril de 2012, o órgão referido  em muito boa hora, validou a adoção de políticas   de reserva de vagas ao garantir  o acesso de negros e índios ao ensino superior no território nacional.  Julgou que as políticas de cotas raciais nas universidades estão em consonância a Constituição Brasileira e que urge a reparação da discriminação racial no Brasil.
Aduzo que desde 1980 a maioria dos alunos que freqüentam as 58 universidades federais é composta pelos que estudaram em escolas particulares. E, pasmem os estudantes formados em escolas públicas vão para universidades particulares- esta inversão responde que andou bem o STF, pois os ricos ficam com as vagas dos pobres.
Ação Positiva do Estado  revela que se o Brasil por sua Constituição-cidadã de 1988(art.3º III) diz que pretende acabar com a miséria do povo, precisa de meios para fazei-lo e os mecanismos que existem são políticas públicas. O que todos precisam saber é que as cotas não são para sempre e sim até diminuir o fosso social da desigualdade. Quando a igualdade for realidade, naturalmente serão extintas. A Constituição ao revelar que o objetivo fundamental é erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais, está afirmando que hoje estas desigualdades existem. Reza ainda o art.3º IV da CF que objetiva promover  o bem de todos  sem preconceito raça,cor,sexo  e quaisquer outras formas de
discriminação.  Já no art.5º § 2º ensina que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Pois bem o Brasil é signatário da CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
O grande Joaquim Nabuco já afirmara há mais de século: “Não basta acabar com a escravidão. É preciso destruir sua obra”.   Feliz do país que tem STF a admitir a marca do erro histórico e move-se no sentido de mudar o presente quadro que descortina momento novo para Brasil.

(*)  Advogado

domingo, 22 de abril de 2012

De Quem É a CPI?, por Marcos Coimbra

Faz tempo que, na política, não temos um caso tão estranho como esse da CPI do Cachoeira. Quanto mais se leem os jornais, menos se compreende o que está acontecendo.
Dão voltas extraordinárias.
Não faz mais que dias, a CPI era apresentada como fruto exclusivo das movimentações dos partidos governistas.
Como em um passe de mágica, no entanto, na foto dos congressistas saudando a coleta do número suficiente de assinaturas para instalá-la, só havia figuras da oposição. E todas sorriam, com cara de quem celebrava uma vitória.
Primeiro, diziam que PT e PMDB estavam unidos na disposição de viabilizá-la. Atualmente, o que se lê é que o PMDB foge da CPI. Que pretende, mantendo-se distante, garantir-se como aliado de Dilma (estaria, por acaso, arriscado a perder essa condição?).
Em um esforço de imaginação, pintam agora um quadro em que o PMDB teria decidido permanecer na espreita, apostando no “desgaste do PT” (?) junto à presidente, para assim “aparecer como salvador da Pátria”. Que suas principais lideranças planejam carimbar a CPI como “invenção do PT”
Por que precisariam fazê-lo? Não foi o próprio Lula quem, pessoalmente, pôs a Comissão em marcha?
Passaram dias apregoando que o PT tinha entrado em pânico e estudava a melhor opção para se desembaraçar dela. Na hora em que os votos da bancada foram contados, o que se viu foi que a endossava por unanimidade.
Quem procura entender o caso recorrendo à leitura de alguns colunistas famosos fica perplexo. Chegam a caracterizar a CPI como uma espécie de apocalipse petista, sua “hora da verdade”, o momento em que se defrontará com tudo que evitou em sua história.
Afinal, a CPI é a “cortina de fumaça” que o lulopetismo inventou para esconder os malfeitos do mensalão - como estampou, na capa, a revista Veja -, ou o Dia do Julgamento Final para o PT?
São análises engraçadas. Por elas, parece que Lula não passa de um principiante, um aprendiz de feiticeiro, que deixa livres forças que é incapaz de controlar. Que teria cometido um erro infantil, ignorando a verdade acaciana - que muitos adoram repetir - que “todo mundo sabe como começa uma CPI, mas ninguém sabe como termina”.
Achar isso de alguém como Lula - que já deu as mais óbvias provas de que é tudo, menos tolo -, é pura pretensão. E não há, na política, erro maior que subestimar o outro lado.
E os rostos dos parlamentares da oposição? De onde vinha tanta alegria?
Do fato de que o inquérito que envolve Demóstenes Torres se tornará público? De que as relações entre Cachoeira e o PSDB de Goiás serão reveladas?
Ou será da satisfação de saber que as conversas entre Cachoeira e a redação da Veja serão conhecidas? Que o papel do bicheiro na fabricação de dossiês usados para criar crises políticas será exposto?
Pelo que se sabe até agora, há muita gente e algumas grandes empresas envolvidas nos negócios de Cachoeira. Alguns são petistas de alto coturno.
Entre as empresas, estão fornecedores graúdos do governo federal (assim como de governos estaduais e prefeituras administradas por quase todos os partidos).
Só um ingênuo imaginaria que Lula e as lideranças petistas ignoravam isso quando resolveram criar a CPI. E só quem não conhece Brasília supõe que deixarão que ela seja transformada em palco para que sejam questionados.
Quando Lula afirma que a CPI deve ser feita “doa a quem doer”, podemos apostar que sabe o que diz. E que já calculou em quem doerá mais.
Em matéria de previsões políticas, a taxa de acerto de Lula é muitas (mas muitas) vezes maior que a de nossos comentaristas e colunistas.

Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

A publicidade premia o mau jornalismo, por Mino Carta




Mino Carta, na Carta Capital

Capas exemplares. Quando o caso explode, a revisitação do Sudário. Decidida a CPI, a versão que agrada ao patrão
Recheada de anúncios, a última edição da Veja esmera-se em representar à perfeição a mídia nativa. A publicidade premia o mau jornalismo. Mais do que qualquer órgão da imprensa, a semanal da Editora Abril exprime os humores do patronato midiático em relação à CPI do Cachoeira e se entrega à sumária condenação de um réu ainda não julgado, o chamado mensalão, apresentado como “o maior escândalo de corrupção da história do País”.
A ligação entre o inquérito parlamentar e o julgamento no Supremo Tribunal Federal é arbitrária, a partir das sedes diferentes dos dois eventos. Mas a arbitrariedade é hábito tão arraigado dos herdeiros da casa-grande a ponto de formar tradição. Segundo a mídia, a CPI destina-se a desviar a atenção da opinião pública do derradeiro e decisivo capítulo do processo chamado mensalão. Com isso, a CPI pretenderia esconder a gravidade do escândalo a ser julgado pelo Supremo.
O caso revelado pelo vazamento dos inquéritos policiais que levaram à prisão do bicheiro Cachoeira existe. Pode-se questionar o fato de que o vazamento se tenha dado neste exato instante, mas nada ali é invenção. Inclusive, a peculiar, profunda ligação do jornalista Policarpo Junior, diretor da sucursal de Veja em Brasília, com o infrator enfim preso. Não é o que se espera de um qualificado integrante do expediente de uma revista pronta a se apresentar como filiada ao clube das mais importantes do mundo. Pois é, o Brasil ainda é capaz de dar guarida a grandes humoristas.
Não faltam, nesta área, os alquimistas, treinados com requinte para cumprir a vontade do patrão. Jograis inventores. Um deles sustenta impávido que a presidenta Dilma despenca em São Paulo para recomendar a Lula toda a cautela em apoiar a CPI do Cachoeira, caldeirão ao fogo, do qual respingos candentes poderão atingir o PT. É possível. E daí? Certo é que a recomendação não houve. E que o Partido dos Trabalhadores escala, no topo da pirâmide, um presidente, Rui Falcão, tão pateticamente desastrado ao rolar a bola na boca da pequena área para o chute midiático. Disse ele que a CPI vinha para “expor a farsa do mensalão”. De graça, ofertou a deixa preciosa aos inimigos. Só faltava essa…
De todo modo, o mensalão. Se o inquérito policial falou claro a respeito de Cachoeira e companhia, o mensalão ainda não foi provado. É este um velho argumento de CartaCapital, pisado e repisado. É inaceitável, em tese, antecipar-se ao julgamento, mesmo que no caso haja razoável clareza para admitir outros crimes, como uso de caixa 2 e lavagem de dinheiro. Não há provas, contudo, de um pagamento mensal, mesada pontual a irrigar o Congresso. A sentença compete ao Supremo, e a presença de Ayres Brito na presidência do tribunal representa uma garantia. O mesmo Ayres Brito que não aceita declarar mensalão enquanto carece de provas.
Sobra a CPI do Cachoeira. Veremos o que veremos. Resta, de minha parte, a convicção de que poderia tornar-se o inquérito da mídia nativa. Outros são os jornalistas (jornalistas?) envolvidos, além de Policarpo Junior, de sorte a configurar a chance de naufrágio corporativo. Entendam bem, evito ilusões. Não creio, infelizmente, que o Brasil esteja maduro para certos exames de consciência entre o fígado e a alma.
Casa-grande e senzala continuam de pé e, por ora, falta quem se atire à demolição. No fundo, os graúdos sempre anseiam aparecer no Jornal Nacional e nas páginas amarelas de Veja. Um convescote promovido por João Dória Jr., de próxima realização, conta com a presença de 14 governadores. Nem ouso me referir ao ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, advogado de Cachoeira. O qual, obviamente, está em ótimas mãos. Igual a Daniel Dantas.
Resta algo mais, merecedor de destaque e, suponho em vão, da atenção da mídia nativa. Passou oito anos a agredir o presidente Lula e o agredido contumaz deixou o governo com quase 90% de aprovação. A presidenta Dilma, embora ex-guerrilheira não é ex-metalúrgica, e tem merecido alguma condescendente compreensão. Mesmo assim, se houver oportunidade, não será poupada. Por enquanto, cuida-se, de quando em quando, de colocar pedras em seu caminho. Não são o bastante, ela cresce inexoravelmente em popularidade. Não me arrisco a crer que os alicerces da senzala comecem a ser abalados, já me enganei demais ao longo da vida. Por parte da mídia, não valeria, porém, analisar os fatos com um mínimo de realismo?

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Lula, Dilma e Maquiavel. Pobre oposição





Saiu na Carta Maior artigo imperdível de Maria Inês Nassif:


A política brasileira, a virtude e a fortuna

Depois de 27 anos de redemocratização do país, e de um período prolongado de luta aberta entre forças que se opõem no cenário político, talvez seja conveniente lembrar Maquiavel também no nosso pedaço de mundo, onde atribuímos à velha ordem excessivo poder para decidir nosso futuro.


Maria Inês Nassif


Houve um tempo em que a desenvoltura de velhas raposas da política tradicional, e uma vocação dessas lideranças para remar a favor da maré, davam a impressão, para quem as assistia do lado de fora do palco institucional, de que elas tinham um quase monopólio, um poder ilimitado de construir a história. Depois de 27 anos de redemocratização do país, e de um período prolongado de luta aberta entre forças que se opõem no cenário político, talvez seja conveniente lembrar Maquiavel também no nosso pedaço de mundo, onde atribuímos à velha ordem excessivo poder para decidir nosso futuro.


Dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva e pouco mais de um ano com Dilma Rousseff – três gestões onde a disputa política saiu dos porões do poder e se escancarou para outros setores sociais – mostraram que o jogo político, mesmo quando escamoteado, é virtude e fortuna. Ou seja, nunca é produto exclusivamente da vontade de um governante, embora a virtude seja fundamental para mover um governo, e a fortuna, isto é, a roda da história, nunca acontece descolada da virtude.


As virtudes de um e outro governante não são iguais, mas já se pode dizer, com um alto grau de certeza, que o correr dos acontecimentos – a fortuna – foi adequada às diferenças entre Dilma e Lula. Dilma está no lugar e na hora onde tem que estar; Lula cumpriu o seu papel no seu momento. E o processo histórico, como se move, saiu de uma realidade onde o governo era defensivo e tinha como contraponto um presidente com raras qualidades de conciliação; para uma outra, em que o governo é ofensivo e a presidenta, sem habilidades específicas para manobrar a política institucional, encontra terreno para exercer a sua vocação maior, que é a de se contrapor.


A rápida intervenção de Dilma nos juros domésticos (o pesadelo para todos os governantes das últimas duas décadas) tanto pela via institucional, o Copom, como da pressão direta sobre os bancos, é o estilo Dilma, beneficiado pelo gradual abandono da ortodoxia econômica iniciada no governo Lula e pela crise mundial. A volta por cima da crise política do chamado “mensalão” de 2005, via apoio popular, é estilo Lula.


Nos mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), exceto em um breve primeiro ano de lua-de-mel com as elites políticas brasileiras, o governo foi mantido acuado na política institucional por uma minoria oposicionista amplificada por uma mídia hegemônica; e, no plano da sociedade civil, manteve uma aproximação permanente com setores não organizados, beneficiados pelos programas sociais e/ou atraídos pelo carisma do chefe do Executivo.


Com os movimentos sociais organizados o governo Lula não teve sempre um bom diálogo, mas o fato de ser entendido como um mal menor, contra um partido, o PSDB, que criminalizou a ação política desses setores, poupou-o de uma oposição forte à esquerda. O MST, por exemplo, nunca se declarou feliz com o PT no governo federal, mas foi atraído pelas suas próprias bases e pela opção do “mal menor” a se encontrar com o partido em períodos eleitorais, e a aliviar a pressão quando os setores conservadores tocavam fogo na política institucional.


O governo Dilma Rousseff mostrou algumas coisas mais. Primeiro, que no final das contas os estilos diferentes dos dois presidentes petistas vieram na hora certa. Em segundo, que a vontade pessoal de um mandatário popular conta, mas desde que ele entenda, conflua e aproveite o processo histórico que o levou ao poder.


Dificilmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria chegado ao final de seu mandato, se não tivesse algumas qualidades essenciais: a habilidade e pragmatismo de negociador sindical e uma grande facilidade para se fazer ouvir pelas massas, que deram a ele a sustentação política necessária para se contrapor a uma oposição fraca, porém associada a uma mídia tradicional hegemônica. Suas duas administrações, exceto a trégua inicial – necessária para atenuar os efeitos da investida especulativa do mercado financeiro no ano eleitoral de 2002 – ocorreram sob forte ofensiva. A pequena oposição falou grosso pela voz da mídia.


Dilma Rousseff tem outro perfil. Não teria cintura para sobreviver numa conjuntura política tão desfavorável como a enfrentada por Lula, mas o fato é que o governo de seu antecessor, os compromissos políticos assumidos por ele e a montagem de seu palanque permitem, ironicamente, que ela seja ela mesma. Se tivesse tentado ser Lula, teria fracassado. Além disso, uma gestão econômica que é continuidade do governo Lula, mas que é a sua praia, numa conjuntura que o mundo chafurda na lama do neoliberalismo, simplesmente desmonta qualquer oposição significativa às orientações de governo, e dão a ela dimensão própria no âmbito internacional, mesmo fazendo uma política externa de continuidade à anterior.


Dilma falou de igual para igual na Cúpula das Américas porque sabe ser positiva; mas tem o respeito da comunidade internacional não apenas porque é positiva, mas porque o ex-presidente Lula, que atuou com desenvoltura nessa área, deixou no passado o complexo de vira-lata neoliberal. Antes disso, a elite brasileira tomava como referência os países ricos nas formulações econômicas externas e extasiada, olhando para fora, deixava visível a enorme vergonha do próprio país.


Os êxitos do governo Lula encheram o palanque de Dilma e sua base aliada. A habilidade política de Lula costurou o resto. Sem isso, no entanto, dificilmente a presidenta teria condições de tentar mudar os termos de relacionamento com a sua base parlamentar. E sem o estilo Dilma, seria complicado levar essa tentativa muito longe.


Também seria difícil manter o estilo Dilma nas relações políticas institucionais se a oposição, menor ainda do que era no governo Lula, não tivesse sido severamente atingida pela enorme crise decorrente das denúncias contra seu principal porta-voz, o senador Demóstenes Torres, envolvido com uma quadrilha comandada pelo contraventor Carlinhos Cachoeira. Não foi apenas a oposição que perdeu a credibilidade, mas a banda de música do DEM e do PSDB passou a ser menos crível numa mídia que acuou o governo passado, mas está acuada agora. Por mais irônico que seja, fica mais fácil agora para Dilma definir novas relações com o Legislativo. Ela não está na posição permanente defensiva em que Lula foi mantido nos seus dois governos, não tem as dívidas de gratidão que seu antecessor tinha com políticos tradicionais da base aliada e lida numa situação em que foi escancarado não apenas o uso da máquina administrativa pelos aliados, mas pelos próprios oposicionistas, ao que tudo indica um avanço sobre território alheio obtido pelo expediente da chantagem.


O momento é outro e o processo histórico anda, sempre. Qualquer análise política sobre o Brasil de hoje tem que se livrar dos fantasmas do passado e dar a eles sua devida dimensão. Esta é a condição para virtude e fortuna.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

RACISMO TCHE ?, por Antônio Carlos Côrtes e José Reis

artigo publicado no Jornal do Comércio, em 18/04/12.



 O futebol não é algo indissociável da realidade social
 sendo assim nos campos vão se refletir as diferenças,
 discriminações e as mesmas injustiças sociais
 presentes na sociedade brasileira (Euzébio Assumpção)

A imprensa registrou que: jogo Novo Hamburgo e Caxias, disputado dia
24, no estádio do Vale, o árbitro Jean Pierre Gonçalves de Lima fez
constar na Súmula que toda a vez que o centroavante Vanderlei, do
Caxias, tocava na bola, torcedores do Novo Hamburgo chamavam-no de
“macaco” ostensiva e insistentemente. O racismo no futebol
sulriograndense é tema recorrente, sem que autoridades desportivas e
clubes tomem medidas enérgicas e exemplares. A guisa de ilustração o
artigo vai recordar alguns casos pontuais que felizmente a mídia
nacional denunciou com força:
(1) Talentoso arbitro de futebol sulriograndense   Fabiano Gonçalves,
tecnicamente perfeito, disciplinador era chamado de pára-raios, a cada
partida que apitava, chegaram a dizer no rádio mesmo antes de um jogo
que “se ele não fizesse na entrada, faria na saída”.
(2) Em outubro/2005, jogo do Juventude de Caxias do Sul e
Internacional de Porto Alegre, os torcedores imitavam macaco quando o
jogador Paulo Cesar (Tinga), tocava na bola.
(3) O jogador Jeovânio, então do Grêmio em jogo contra o Juventude
também sofreu racismo por parte do jogador Antonio Carlos, que ao ser
expulso por falta naquele jogador esfregou o mão direita no antebraço
esquerdo apontando a etnia do jogador gremista para a torcida. As
punições foram brandas.
(4) Paulo Cesar Caju, pág.205- Ed.Record relata no livro FALA CRIOULO,
do Haroldo Costa que jogador do Botafogo do RJ e foi jogar aqui no
interior do estado (Bagé, Santana do Livramento, Uruguaiana), ele e os
demais jogadores leram placa na porta de estabelecimentos comerciais
proibida à entrada de negros.
Para coroar este racismo a pergunta: Se tudo isto não é verdade, onde
estão os dirigente e treinadores negros em nosso Estado?

 (*) advogado criminalista   e radialista
OAB/RS 9476 F.32264256 e 99823366

(*) Economista – CRE 4971e Cientista Político.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Sempre aconteceu e vai acontecer de novo!

publicado no blog SUL21, em 10/04/12.

O título acima já encabeçou o editorial do Sul21 do dia 06/02/2012 que tratou do mesmo assunto abordado no presente editorial. A única diferença nos títulos está na pontuação utilizada. No título anterior, a frase aparecia entre aspas, pois era a citação da fala de um brigadiano, e terminava com um ponto de interrogação, que expressava a esperança deste jornal de que os procedimentos racistas na Brigada Militar pudessem terminar em um curto espaço de tempo. No título atual, sem as aspas, porque foi assumida pelo Sul21, a frase termina com um ponto de exclamação, que expressa a indignação deste veículo frente a constatação de que as atitudes racistas da polícia militar continuam ocorrendo, sendo acobertadas e não punidas.
A conclusão do Inquérito Policial Militar (IPM), conduzido pelo major comandante do 9º Batalhão da Brigada Militar, de que a soldada que prendeu e humilhou dois negros africanos estudantes da UFRGS adotou “uma abordagem dentro da técnica” da corporação é uma confissão oficial de que a Brigada é racista e que a instituição está convencida que deve continuar assim. O fato de uma policial puxar uma arma dentro de um ônibus para duas pessoas negras e colocá-la na cabeça de um deles, sob a justificativa de que eles falavam uma “língua não entendida” pela brigadiana, deveria ser algo inadmissível em uma corporação policial séria e empenhada em oferecer bons serviços à população.
Se a brigadiana agiu deste modo porque os indivíduos eram/são negros, fica caracterizado o racismo dela própria e, agora, de sua instituição. Se a brigadiana agiu deste modo independente do fato de os indivíduos serem negros, fica caracterizado que a BM como um todo não tem competência para abordar quaisquer cidadãos “suspeitos”. Em qualquer dos casos, fica evidente que o comando da Brigada Militar precisa ser trocado e que todo o treinamento e todas as orientações que vem sendo passadas aos policiais precisam ser profundamente modificados.
Igualmente gerador de indignação é o comportamento da Secretaria Estadual de Segurança Pública do RS, que se recusou a se manifestar sobre as conclusões do IPM sob a alegação de que o secretário Airton Michels (PT) “não comenta um procedimento administrativo interno da Brigada Militar”. Se não cabe ao secretário de Segurança comentar um “procedimento administrativo” da BM, a quem, teoricamente, a polícia estadual está subordinada, cabe a quem comentar e adotar medidas reguladoras? A omissão do secretário evidencia falta de comando e, consequentemente, conivência com os fatos. Conivência, neste caso, com um procedimento que aparenta grande evidência de racismo e/ou com o acobertamento de procedimentos agressivos adotados rotineiramente contra os cidadãos.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

O metrô é o pretexto da vez da bancada imobiliária de Porto Alegre, por Paulo Muzell

publicado no blog RSURGENTE, em 04/04/12.



Recordemos brevemente sua trajetória recente. Derrota no projeto do Portal do Estaleiro e depois as alterações urbanísticas – leia-se aumento de índices e da permissividade no zoneamento de uso – dos projetos dos Eucaliptos, Beira Rio, Olímpico, Arena e do Cais Mauá, dentre outros. A proximidade de ano eleitoral – não tínhamos nenhuma dúvida -, aumentaria o risco de que Fortunati e a sua grande bancada imobiliária da Câmara de Porto Alegre – sempre muito atenta, unida e ativa -, viesse a atacar novamente. Não deu outra.
No final do ano passado o vereador Reginaldo Pujol (DEM), um suplente em final de mandato – face ao que dispõe a lei eleitoral terá neste início de abril sua cadeira devolvida ao titular que retorna do Executivo -, protocolou um projeto de lei complementar que propõe a elevação dos índices construtivos do plano diretor numa faixa de 120 metros da linha do metrô e da Terceira Perimetral e suas áreas contíguas.
O projeto prevê a possibilidade de uso do solo criado e de transferência de potencial construtivo até o limite 3,0 (índice de aproveitamento máximo), permitindo a aquisição de forma direta, sem licitação. É óbvio que grandes empreendimentos como a Terceira Perimetral e o projeto de uma linha de metrô, que alteram a estrutura e a dinâmica da cidade, devem merecer estudos e medidas de ajustes que impliquem em necessárias alterações do plano diretor da cidade. O que não se justifica é que alterações sejam propostas sem que sejam procedidos os necessários estudos e avaliações urbanísticas.
Ora, sequer existe ainda o projeto final de engenharia do metrô: ele se encontra em fase de elaboração. A implantação total do projeto exigirá um prazo não inferior a dez, doze anos, talvez mais, tempo mais que suficiente para que amadureçam as avaliações que deverão dar sustentação à qualquer mudança que venha a ser feita.
O próprio prefeito Fortunati, embora tenha se manifestado a favor da proposta, pediu tempo para que ela possa ser melhor avaliada. Cautela que não teve, por exemplo, o líder do PT na Câmara, vereador Carlos Comassetto que apressou-se e já protocolou emenda que propõe estabelecer um raio maior, de 500 metros, medido a partir do centro das estações do metrô, ampliando, assim, a área que seria beneficiada pelo regime urbanístico especial. Se aplicarmos o Pi.r² (fórmula da área do círculo) teremos uma área de quase oitenta hectares circundando cada estação, com os seus índices construtivos elevados até o limite máximo. Se considerarmos que linha 1 do metrô deverá ter uma extensão total de 15 ou 16 quilômetros, com uma estação a cada 800 metros, teremos cerca de mil e seiscentos hectares, o equivalente a cerca de 10% da área urbanizada total da cidade com índice máximo.
Quais os efeitos disso? Haverá, certamente, em espaços hoje já densamente povoados uma situação de saturação. Que efeitos estes incrementos de população e de atividades trarão e quais as necessidade e o custo da adequação da infraestrutura urbana? No caso de ser adotado um raio de ação único – de 500 metros – estaremos adotando um mesmo parâmetro para situações diversas. Cada raio de ação a ser adotado deverá considerar as características peculiares, específicas do entorno de cada estação.
Audiências públicas, realização de estudos e avaliações técnico-urbanísticas, ampla discussão com a sociedade é o que um projeto desta natureza requer. A pressão não se justifica num projeto deste porte e torna-se especialmente suspeita por se tratar de ano eleitoral.