sábado, 4 de fevereiro de 2012

Padrão europeu de hegemonia étnica

 por Edilson Nabarro*

publicado em Zero Hora, em 04/02/12.

A mudança dos critérios do vestibular na UFRGS, cuja reserva de vagas permitiu a classificação de 21 candidatos autodeclarados negros no curso de Medicina, reacendeu um debate que na verdade nunca foi superado. Atinge níveis mais elevados de controvérsia à medida que mexe com universos “naturalizados” de hegemonia dos candidatos de famílias de classe média, oriundos majoritariamente de escolas particulares. Não houve sinais de desassossego quando todas as 21 vagas de Ciências Contábeis foram preenchidas em 2010, ou se em 2012 as de História fossem inteiramente ocupadas.

Quanto se trata de ocupações de prestígio, invocam a injustiça praticada contra os possuidores do mérito de obterem médias superiores , supostamente privativas das raças “superiores” ou mal havidas pelos cotistas, posto algum nível de “estelionato acadêmico” praticado por respeitáveis e reconhecidas instituições de ensino, onde se inclui a UFRGS e cujas regras do vestibular são definidas pelos conselhos superiores.

Há um falso dimensionamento sobre o impacto das cotas na UFRGS sobre o que está denominado por alguns como injusta ampliação. Em primeiro lugar, o aumento do número de autodeclarados negros, que ingressaram em 2012 sob a vigência das novas regras, é inferior ao já estipulado de 15%. Especificamente em relação ao curso de Medicina, de 2008 a 2012, das 700 vagas disponíveis, 677 foram ocupadas por candidatos brancos, sejam concorrentes das vagas universais ou ensino público.

Restaram 23 vagas para os autodeclarados negros. Qual a razão do espanto, se ainda persiste um padrão de representatividade étnica dos não negros, incompatível com a estrutura demográfica brasileira? Será que estamos diante de um novo esforço de branqueamento ou limpeza racial da população brasileira sob o argumento de defesa do mérito?

Em algumas das palestras de que participo sobre o tema das ações afirmativas, tenho perguntado para os presentes se já foram atendidos por um médico negro ou se já solicitaram um projeto para uma arquiteta negra. Ninguém costuma levantar a mão. Realmente vivemos em um padrão europeu de hegemonia étnica nos universos de prestígio, poder e renda. A sexta economia do mundo não pode continuar perseguindo indicadores de crescimento econômico sem ao mesmo tempo resolver as suas desigualdades internas. Qual a vantagem de a cada ano mais brasileiros ingressarem no restrito círculo de bilionários, se ainda temos milhões de analfabetos no país e se menos de 1% dos professores universitários são negros?

Políticas de inclusão no Ensino Superior são mecanismos de redistribuição de renda para as famílias daqueles estratos que necessitam conquistar capital escolar e propiciar mobilidade social para seus filhos. Além do mais, respeito às diferenças, Estado democrático e sociedade com direitos para todos é próprio de todos os países desenvolvidos.

*Sociólogo

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