segunda-feira, 29 de agosto de 2011

AP - Empresa condenada por crime de racismo - Extrafarma condenada por fazer escala de turnos baseada na cor do empregado



O Juízo da 4ª Vara do Trabalho de Macapá (AP) condenou a rede de farmácias Extrafarma (Imifarma Produtos Farmacêuticos e Cosméticos S/A) a pagar R$ 30 mil por danos morais decorrentes de discriminação racial contra ex-funcionária.
Na inicial, ela afirmou que a gerente dizia fazer as escalas de trabalho de acordo com a cor de cada empregado, e que ela, negra, devia trabalhar no turno noturno porque “combinava com a escuridão”.
A funcionária ingressou na Justiça com pedido de reconhecimento da dispensa indireta, verbas rescisórias e a condenação da empresa a indenização por danos morais sob a alegação de que, dois meses depois da contratação, passou a ser discriminada e humilhada em seu local de trabalho, a ponto de sentir-se obrigada a parar de trabalhar. A primeira testemunha confirmou as informações prestadas e acrescentou outras. Segundo seu depoimento, em certa ocasião um cliente confundiu a empregada com a gerente, e esta reagiu com indignação por ser confundida com uma pessoa negra. Segundo esta e outra testemunha, os comentários racistas eram feitos na frente dos clientes e dos demais colegas.
A empresa alegou que a ex-funcionária não se conformou em ser mantida no turno da noite e deixou de comparecer ao emprego, e juntou documentos a fim de comprovar a alegação. Entretanto, a documentação não convenceu o juízo, pois foi emitida em data posterior ao ajuizamento da ação. Analisando os autos, o magistrado ainda constatou que a ex-funcionária não teve falta injustificada até a data de início do processo.
Com farta fundamentação legal, o juiz invocou o princípio constitucional que define racismo como delito inafiançável, pois “desqualifica um ser humano em relação a outro em virtude da simples pigmentação da pele”. Aplicou também o princípio da isonomia previsto no artigo 5º da Constituição Federal, que dispõe que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
Normas internacionais
A decisão considerou, ainda, o previsto na Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da formulação de política nacional que elimine toda discriminação em matéria de emprego, formação profissional e condições de trabalho por motivos de raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, no sentido de promover a igualdade de oportunidades e de tratamento.
Outra norma internacional que serviu de fundamentação para a decisão foi a Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, que prevê a promoção e a aplicação de boa-fé dos princípios fundamentais do Direito no Trabalho, inclusive o da não-discriminação em matéria de emprego e ocupação.
Com base nesses fundamentos, e ainda na Lei nº 9.029/95, que proíbe práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho, o juiz da 4ª Vara do Trabalho de Macapá concluiu pela responsabilidade da empresa por indenizar o empregado, pois esta “tinha o dever de evitar que seus representantes cometessem abusos na condução dos serviços de seus subordinados, ato a que se furtou, ao permitir que se discriminasse a funcionária”.
Uma vez evidenciados os fatos, além de reconhecer a rescisão indireta do contrato de trabalho, a sentença determinou a anotação da baixa na CTPS e o pagamento de todas as verbas rescisórias devidas. “O dano moral se caracteriza pela violação de um direito de personalidade, e é dispensável sua demonstração, caso provado o fato e demonstrada a culpa do agressor, já que o dano é presumido”, afirmou o juiz. Observando que o valor da indenização não está tarifado na legislação, e que cabe ao julgador sua fixação equitativa, a sentença definiu o montante em R$ 30 mil.
O magistrado determinou, ainda, a expedição de ofícios ao Ministério Público Estadual, para avaliar a possibilidade de abertura de inquérito policial em razão da possível existência de crime de racismo, à Superintendência Regional do Trabalho e ao Ministério Público do Trabalho, com cópias do processo para as providências cabíveis.
Processo 0001626-91.2011.5.08.0205
Fonte: TRT 8ª Região
Extraído de Lion & Advogados Associados

Nota do Ferreiro da Política - É louvável a decisão da $ª Vara do TRT do Amapá. O combate a todos os tipos de racismo e discriminação deve ser permanente e exemplar. Tomará que outros Tribunais sigam o exemplo.

O sentido politico da “faxina” de Dilma


Ao agir de modo aberto contra corrupção, presidente pode deixar direita sem discurso. Mas até onde ela levará sua ofensiva?

Por Felipe Amin Filomeno*, colaborador de Outras Palavras e editor de blog pessoal


O que a “faxina” que a presidente Dilma Rousseff está realizando nos ministérios tem a dizer sobre a conjuntura social do Brasil contemporâneo? Num sentido amplo, é um fenômeno político implicado na trajetória de crescimento econômico com equidade social promovida desde 2003 pelas administrações do PT. Ao longo desta trajetória, as forças sociais conservadoras foram esvaziadas de um discurso crítico sobre política econômica e social, tendo que concentrar seus esforços em ataques à corrupção. Por outro lado, à medida em que a democracia se fortalece e problemas sócio-econômicos são minimizados, segmentos politicamente conscientes da sociedade tendem a apresentar novas demandas ao Estado, tal como o combate à corrupção.
A novidade de Dilma pode ser a passagem de uma estratégia defensiva para outra de ataque, capaz de enfraquecer ainda mais as forças conservadoras. A “social democracia globalizada” de Lula trouxe aumento da massa salarial e do nível de emprego, redução das desigualdades e incorporação de milhares de brasileiros à classe média. Como estratégia politicamente moderada de desenvolvimento, envolveu  a criação de uma ampla coalizão de centro-esquerda, tendo PT e PMDB como componentes principais. Para os intelectuais de esquerda e movimentos sociais mais radicais, a agenda meramente reformista de Lula foi uma decepção. O que estes talvez não tenham percebido é que foi justamente a “moderação” de Lula uma das principais causas de uma grande vitória da esquerda brasileira: a anulação do Democratas, principal representação partidária do neoliberalismo no país. O reformismo de centro-esquerda de Lula atraiu a classe média, trouxe benefícios aos pobres e, num momento de prosperidade, deixou a oposição sem um discurso que veiculasse um projeto alternativo ao país.
Na falta de uma estratégia focada em políticas econômicas e sociais, à oposição restou o ataque à corrupção. Isto não foi fácil. Em primeiro lugar, era preciso convencer a sociedade de que a corrupção era um traço distinto da administração do PT, ao invés de uma prática arraigada no Estado brasileiro que, por séculos, foi comandado por aquelas mesmas forças conservadoras em benefício das elites do país. Em segundo lugar, era preciso que tais ataques enfraquecessem não apenas o governo ou o partido, mas Lula, pessoalmente. Não funcionou. Apesar do mensalão, Lula derrotou Geraldo Alckmin.
Entretanto, não era nem o Democratas, nem o PSDB, o grande articulador da estratégia conservadora focada no ataque à corrupção. Foi a grande mídia tradicional, através de reportagens baseadas em versões e boatos, e de uma cobertura tendenciosa e desproporcional dos fatos. Seja em sua forma partidária ou em sua versão midiática, o ataque conservador à corrupção contribuiu mais para gerar crises de governabilidade do que para combater este terrível problema. Afinal, o ataque era muito mais fruto do oportunismo das forças sociais conservadoras do que de um compromisso com a ética no serviço público. Fosse isto teriam expurgado a corrupção do aparato estatal durante os 500 anos em que governaram o país, certo?
Bom, mas há um lado positivo nisso tudo. À medida em que o brasileiro se acostuma com a democracia, consegue emprego formal, obtém aumento salarial, e alcança um padrão de consumo de classe média, outros problemas – como a corrupção – passam a ganhar mais destaque em sua “agenda de preocupações”. Isso provavelmente aconteceria mesmo sem a pressão da mídia e me remete a algo que o Fernando Henrique chamou uma vez de “pedagogia da democracia”. É a este aspecto do problema que a administração de Dilma deve se voltar. Mais especificamente, é salutar que deixe a estratégia defensiva adotada no governo Lula (de tentar “blindar” o governo sem promover uma “faxina”) para uma estratégia ofensiva (promovendo de fato a “faxina”).
As dificuldades da nova estratégia estão na manutenção do apoio ao governo no Congresso, pois lideranças políticas envolvidas em casos de corrupção acabam afastadas da administração federal, e na perda do foco em outras prioridades do Estado (como o enfrentamento da crise mundial através de ajuste fiscal e política industrial). Por outro lado, seus benefícios estão em satisfazer demandas genuínas do eleitorado contra a imoralidade no serviço público, em aprimorar a gestão pública, e em esvaziar o conservadorismo do único discurso que lhe restou (o do combate a corrupção).

Felipe Amin Filomeno
é sociólogo e economista, doutorando em Sociologia pela Johns Hopkins University, com apoio da CAPES/Fulbright. Tem artigos publicados nas revistas Economia & Sociedade, História Econômica & História de Empresas, e da Sociedade Brasileira de Economia Política.

publicado no blog Carta Maior, em 29/08/11

domingo, 28 de agosto de 2011

Crise: turma de FHC culpa os gastos sociais

por Fernando Brito



Ontem, a gente postou aqui uma matéria sobre o espanto revelado pelo professor Joseph Stiglitz com o fato de autores de políticas econômicas fracassarem continuarem por aí, pontificando sua “genialidade” e, como aves de agouro, prevendo uma catástrofe econômica que só poderia ser evitada com sacrifícios humanos. Exatamente por isso, chamamos essa turma de “adoradores da recessão”
Pois não é que ontem mesmo houve uma reunião deles no Instituto FHC, com presença do próprio, houve um encontro desta turma da “roda presa”, que invocou o espírito da crise europeia para dizer que as políticas sociais foram as responsáveis pela crise de endividamento que assola o continente.
Está lá no Estadão:
A crise internacional evidenciou o fato de que a política de bem estar social, adotada pelos países europeus e almejada pelo Brasil, chegou ao seu limite. O ônus de oferecer serviços de educação, saúde, transporte e segurança apostando em um Estado capaz de socializar perdas e acomodar conquistas é o elevado nível de endividamento público”.
Socialização de perdas foi o que os governos dos países desenvolvidos fizeram ao emitir dívida para socorrer o sistema financeiro em 2008. Lá, na Europa, assim que eclodiu a crise, os governos colocaram nada menos que um trilhão de Euros à disposição do “bem-estar” do sistema bancário. A Espanha, que está agora com a corda no pescoço, só ela, disponibilizou 100 bilhões de Euros.
A cara de pau é tanta que criticam a política econômica brasileira por fazer, em escala muito menor, coisas que eles faziam sem pudor ou meias-medidas.
Primeiro, dizem que políticas sociais não permitem cortes orçamentários para reduzir a dívida pública. Fernando Henrique e esta turma chegaram ao governo com a dívida pública abaixo de 20% do PIB e, em oito anos, mesmo vendendo as estatais, conseguiram elevá-la para 58% do PIB. Hoje, com todas as políticas sociais “gastadeiras” que criticam, está abaixo dos 40% e, como todos viram ontem, a nota de risco sobre essa dívida é inclusive reduzida pelas agências internacionais.
A segunda crítica é que essas políticas não permitem que baixemos os juros reais de nossa economia. De fato, ninguém duvida que os juros estejam mais alto do que seria bom termos para produzirmos mais, mas vinda de onde vem, a crítica chega a soar irônica. Porque os juros durante todo o período em que comandaram a economia, foram muito mais altos que com Lula e com Dilma. Muito? Não, estratosfericamente mais altos, chegando até serem quatro vezes maiores que os mais altos já pagos entre 2003 e hoje. Quem quiser conferir, pode ver aqui uma tabela dos juros reais, nominais e inflação nos dois períodos.
Mas os mortos-vivos, que tiveram a faca e o queijo na mão para usar sua genialidade durante uma década, não conseguem ver sua imagem no espelho. E sua imagem está refletida com exatidão no gráfico aí de cima, que mostra que conduziram este país a passos de cágado, numa velocidade em que os nossos urgentes problemas sociais vão se resolver, talvez, lá pelo ano de 5820.
Claro, se essa gente que crê na genialidade divina do “mercado” não acabar com o mundo antes.


Falácias, amnésia seletiva e má sociologia da RBS deseducam o “Rio Grande”


publicado no blog RSURGENTE em 28/08/11.



Eu quase não acreditei quando enxerguei a manchete do jornal Zero Hora deste domingo (28): “Gosto pelo confronto emperra o Rio Grande”. Ainda isso? Não é possível. Mas o grupo da RBS não desiste de sua tarefa de deseducar a população do Rio Grande do Sul: “Falta de consenso em temas importantes trava o desenvolvimento do Estado, que está ficando para trás em comparação com outras unidades da federação”. Não se trata apenas de uma incursão sociológica equivocada. É uma tese falsa que consegue a proeza de tirar conclusões sobre a situação econômica do Estado sem tratar de economia. Os problemas do “Rio Grande” seriam “uma cultura que valoriza o conflito, a polarização ideológica, a atmosfera de discórdia e a força do corporativismo”.
É verdade. A economia do Rio Grande do Sul vem perdendo terreno no cenário nacional, não acompanhando o crescimento médio registrado no país. Mas não é possível analisar esse problema sem levar em conta dados objetivos sobre a economia do Estado. Chega a ser constrangedor ter que afirmar isso. Até onde minha memória alcança, esse discurso foi inaugurado pela RBS no governo Olívio Dutra (PT) que, do início ao fim, foi caracterizado pelos veículos dessa empresa como um “governo do conflito”. Há um editorial inesquecível de Zero Hora, no dia seguinte à vitória de Germano Rigotto (PMDB), na eleição para o governo do Estado em novembro de 2002: o jornal comemora a derrota do “governo de conflito” e saúda a chegada do “governador pacificador”, que iria recolocar o “Rio Grande” nos trilhos.
 
Não recolocou. Rigotto fez um governo apático, sem grandes conflitos ou realizações. Há uma amnésia permanente nas matérias editorializadas da RBS sobre o “Rio Grande”. Uma amnésia que anda de mãos dadas com uma postura de tirar o corpo fora. Esses textos “esquecem” que a RBS tomou posições claras nas últimas décadas, defendeu propostas, projetos e determinados governos. Aliás, não só defendeu como participou ativamente dessas escolhas como ocorreu durante o processo de privatizações do governo Britto (PMDB), onde participou da compra da empresa telefônica do Estado. Na época, a RBS prometeu ao “Rio Grande” em seus editoriais que as privatizações, a vinda da GM, a guerra fiscal e a renegociação da dívida do Estado feita pelo governo Britto iriam colocar o Estado em um novo patamar de desenvolvimento. Não deu certo, assim como a pacificação de Rigotto e como o choque de gestão de Yeda Crusius (quando, aliás, um dos fiadores da pacificação de então era o coronel Mendes).
Naquele período, a tese da “mania do conflito” ainda não existia. Ela surgirá com o governo seguinte e, a partir daí, passará a ser afirmada e reafirmada até hoje. O Rio Grande do Sul teria perdido posições em relação a outros Estados por que aqui há um gosto pelo confronto, que teria suas origens na Revolução Farroupilha. A alternância de governos e de projetos é apontada como uma erva daninha, como se, em outros Estados da Federação não houvesse tal alternância. Em três páginas de matéria, não há uma única menção à manutenção de uma matriz produtiva que ignorou as mudanças na economia mundial. O sucateamento do setor calçadista, por exemplo, não tem nada a ver com o “gosto pelo confronto”, mas sim com a concorrência massacrante da indústria chinesa e de outros países asiáticos.
Entrevistei dias atrás, para o jornal Adverso, da Adufrgs Sindical (Sindicato dos Professores das Instituições Federais de Ensino Superior de Porto Alegre), o professor Luiz Augusto Estrella Faria, técnico da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professor associado da UFRGS nos cursos de pós-graduação em Economia e em Estudos Estratégicos Internacionais. Entre outras coisas, Faria fala sobre a decadência da economia gaúcha e aponta alguns elementos que não frequentam a má sociologia do grupo RBS:
O Rio Grande do Sul vive uma semi-estagnação desde nos anos 80. O Estado teve poucos momentos de crescimento neste período. É verdade que todo o Brasil viveu duas décadas perdidas em termos de crescimento, mas, mesmo assim, isso foi pior no Rio Grande do Sul, na média. Com exceção do início dos anos 2000, quando o Estado teve uma media de crescimento maior que a do Brasil, na década de 90 tinha sido pior e na segunda metade dos anos 2000 voltou a ser pior que a média nacional. Historicamente, o Estado sempre teve algo entre 7 e 8% do PIB brasileiro. Hoje estamos entre 5 e 6%.
A economia do RS não se modernizou neste período e ficou, em larga medida, vinculada a alguns setores tradicionais que passaram a crescer pouco por razões diversas. Durante boa parte desse período, os preços dos produtos agropecuários atravessaram uma fase ruim. Só foram melhorar na segunda metade dos anos 2000. Então, foram cerca de 15 anos com preços ruins para soja, milho, arroz e carne. Isso afetou um setor que, no RS, pesa mais do que a média nacional, que é a agropecuária. Além disso, a nossa indústria é, predominantemente, de pequeno e médio porte e vinculada a setores particularmente vulneráveis à competição da Ásia, principalmente.
 
O maior segmento da indústria gaúcha no início deste período era o calçadista. Hoje, ele praticamente sumiu do mapa, sufocado pela concorrência asiática, que produz o mesmo tipo de calçado, as mesmas grifes tradicionais, em condições de produção muito mais baratas, pois trabalha em uma escala gigantesca. Nós temos aqui pequenas empresas de calçado e lá tudo é mega. Há empresas com dezenas de milhares de trabalhadores fabricando calçado. Esse nível de escala dá um poder de competição gigantesco. Não dá para achar que podemos produzir com uma escala chinesa.
É pedir muito que, em uma matéria que pretende analisar a situação econômica do Estado, se utilize dados econômicos objetivos? Para os editores de ZH, aparentemente é. Mas isso não ocorre por acaso. A má sociologia é alimentada por uma postura arrogante que não reconhece os próprios erros e da “elite” econômica que esse grupo midiático representa. Uma “elite” que foi incapaz de ler as mudanças na conjuntura nacional e mundial e que sempre manteve um discurso hostil ao Estado, a não ser, é claro, na hora de pedir generosas isenções fiscais. A RBS se coloca do lado de fora do jogo, como se fosse um ente a-histórico a pairar sobre o “Rio Grande” e a explicar ao povo gaúcho o que ele deve ou não fazer. Suas escolhas políticas e econômicas permanecem sistematicamente dentro do armário. Isso é fundamental para que volta e meia Zero Hora venha nos alertar para os riscos da “mania de conflito” e do “gosto pelo confronto”. A RBS tem responsabilidade direta sobre várias das escolhas políticas e econômicas feitas no Rio Grande do Sul nas últimas décadas. E, sistematicamente, faz de conta que não tem nada a ver com isso. Talvez seja essa mistura de má fé, amnésia seletiva e má sociologia que esteja emperrando o “Rio Grande”.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Dilma faz refundação retórica do governo e tira 'faxina ética' da pauta


publicado no Blog CArta Maior de 25/08/11

BRASÍLIA – A queda do petista Antonio Palocci da chefia da Casa Civil produziu uma refundação do governo, ao obrigar a presidenta Dilma Rousseff a rever o modelo de relação política que tentara estabelecer de início com partidos aliados. Dois meses depois, de novo por motivos políticos, Dilma promove outra refundação, desta vez retórica, com o objetivo de botar no topo da agenda brasileira aquilo que, afinal, está por trás de seu slogan oficial, “país rico é país sem pobreza”.

A declaração mais enfática de que a prioridade zero do governo é a agenda econômica, que melhora a vida das pessoas e faz o país crescer, e não a agenda moral, que causa atritos com aliados e dá munição a adversários, Dilma deu nessa quarta-feira (24/08).

“Essa pauta de demissões não é adequada para um governo e eu jamais vou assumir. Não se demite nem se faz escala de demissão, nem sequer demissão todos os dias. Isso não é, de fato, Roma antiga”, afirmou a presidenta. “[Faxina] Não é o centro do meu governo. O centro do meu governo é fazer uma faxina contra a pobreza.”

Nos últimos dias, a presidenta já tinha dado diversos sinais de que gostaria de inverter prioridades, como Carta Maior relatara. Mas não havia sido tão incisiva quanto agora.

Na véspera, Dilma participara de jantar na residência oficial do vice-presidente, Michel Temer, com líderes e parlamentares do PMDB. O partido de Temer já perdeu dois ministros (Wagner Rossi, da Agricultura, e Nelson Jobim, da Defesa) e tem um terceiro alvejado por denúncias de corrupção - Pedro Novais (Turismo).

O PMDB é um dos dois maiores partidos governistas. Tem a maior bancada do Senado (20, das 81 cadeiras). E a segunda da Câmara (80, dos 513 assentos).

As denúncias contra Novais atingiram o outro grande aliado do Planalto, o PT (86 deputados e 13 senadores). Algumas das supostas irregularidades no ministério teriam origem na gestão do PT no ministério, ainda no governo Lula.

Para explorar mais a politicamente a “faxina contra a pobreza”, segundo Carta Maior apurou, Dilma vai botar cada vez mais peso nos atos regionais de assinatura de pactos de erradicação da miséria com governadores.

A presidenta já tinha encomendado à ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campelo, que organizasse lançamentos do programa Brasil sem Miséria nas cinco regiões. Já ocorreram dois – no Nordeste (Alagoas), dia 25 de julho, e no Sudeste (São Paulo), dia 18 de agosto. O próximo será no Norte (Amazonas), dia 5 de setembro.

O evento em São Paulo teve uma presença até à véspera desconhecida para Dilma, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Uma fonte do governo disse à Carta Maior que o convite ao tucano não partiu da Presidência, nem do ministério do Desenvolvimento Social, mas do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), em cuja residência oficial o evento aconteceu.

Quando deu as declarações à imprensa sobre faxina e agenda econômica nessa quarta-feira, Dilma tinha acabado de participar de um evento que também se encaixa no esforço de restabelecer prioridades.

Ela e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, haviam anunciado a reformulação de um programa de microcrédito (para pessoas pobres) criado no governo Lula.

Neste novo formato, os quatro bancos públicos vão cortar a taxa de juros (de 60% para 8% ao ano). Priorizar operações destinadas a atividades produtivas (montar uma barraquinha de pipoca, por exemplo), em vez de consumo (compra de TV, por exemplo). E multiplicar por quatro a clientela beneficiada e o volume de dinheiro emprestado, até 2013.

Uma decisão do STF que trocou seis por meia dúzia

publicado no blog Carta Maior em 25/08/11

Impregnado da ideia conservadora de que o mercado deve ser regulado o mínimo, porque é movido pela racionalidade do lucro, e de que a política, destituída de racionalidade e de bons propósitos, precisa de intervenções constantes que inibam a ação de interesses individuais e malfeitos coletivos, o senso comum brasileiro tende a apoiar as interferências constantes da Justiça nas regras eleitorais e a clamar por mais restrições legais à vida partidária.

A história da democracia recente do país, todavia, é a prova cabal de que são no mínimo discutíveis os efeitos de uma legislação draconiana, no que se refere a partidos politicos; e que o direito divino autoassumido pelo Supremo Tribunal Federal de regular coisas "mundanas e sujas", como o voto e os políticos, independentemente do que dizem as leis, é incapaz de resolver, por decreto, as limitações de um sistema partidário jovem, porém fundado em práticas tradicionais. Em suma, não existe lei partidária que mude, por si, uma realidade histórica.

Um exemplo de como são estéreis regras rígidas em um quadro partidário pouco maduro é o debate sobre a fidelidade partidária. No julgamento da consulta do antigo PFL (hoje DEM), sobre se o mandato parlamentar pertence ao eleito ou ao partido, o relator, ministro Gilmar Mendes, teceu considerações sobre um sistema que é, no seu entender, intrinsicamente corrupto, e em socorro do qual uma decisão favorável à fidelidade partidária - independente de o instituto estar claramente definido por lei - viria a atuar de forma favorável. A decisão do Supremo segurou as migrações partidárias nos últimos quatro anos, mas foi incapaz de resolver um problema estrutural da direita brasileira: com poucos vínculos ideológicos com o eleitor e sustentada em políticas de clientela, esse segmento ideológico não tem fôlego para sobreviver na oposição por muito tempo. Os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) foi mais do que quadros do DEM poderiam suportar na oposição.

Em vez de uma migração partidária média de 30% que tradicionalmente ocorria entre a eleição e a posse dos deputados federais desde 1982, segundo cálculo do cientista politico Carlos Ranulfo de Melo (Retirando as cadeiras do lugar: migração partidária, 1985-1998), e que era fracionada entre diversos partidos, a porteira fechada pelo STF em 2007 resultou na formação de um novo partido, o PSD, e no total destroçamento do ex-PFL, aquele que pediu a Gilmar Mendes para colocar grades nas agremiações partidárias. O PSD não vai se beneficiar da média histórica de defecções anterior à decisão do Supremo, mas o prefeito Gilberto Kassab, que inventou a história do novo partido, atirou no que viu e pegou no que não viu.

A legislação partidária prevê como exceções à regra da fidelidade a fusão ou incorporação de um partido a outro (os incomodados com o processo podem tomar o rumo que desejar) ou a formação de um novo partido. A criação de uma legenda é o máximo da liberalidade permitida na lei endurecida pela ação do STF: sai de qualquer partido quem quer participar da fundação do novo. Isso Kassab viu. O que não viu é que o chamado "partido-bonde", teoricamente constituído para permitir as defecções partidárias, poderia tornar-se, de fato, partido político - não apenas governista, mas com poder de barganha maior do que os pequenos partidos de direita, aliados de primeira hora mas com pouca bancada, e com parlamentares excessivamente despreocupados da repercussão de seus atos como participantes do governo.

O PSD se configura, hoje, como a única porta de saída para políticos marcados para morrer nas próximas eleições, ou por falta de espaço em seus partidos, ou por impossibilidade de manter a fidelidade de eleitores fora do governo. O prefeito Gilberto Kassab, sem querer, conseguiu ser o catalisador das dificuldades políticas impostas aos parlamentares abrigados no DEM e no PPS, que amargam oito anos na oposição, e dos pequenos partidos de direita, que estão no governo mas terão maior poder de barganha se se juntarem ao novo partido. A necessidade vai transformar um "partido-ônibus" numa legenda de fato. O PSD tem potencial para ser a terceira bancada na Câmara e ganha poder de fogo não apenas por apoiar o governo, mas por enfraquecer drasticamente a oposição.

Segundo um integrante do novo partido, o DEM deve perder de 11 a 13 parlamentares de uma bancada de 43 deputados federais (vai ser maior do que um PDT e menor do que um PSB). Ainda na oposição, o PPS, antigo Partidão, perde proporcionalmente mais bancada do que qualquer um para Kassab: 4 deputados em 12, ou seja, um terço dos eleitos em 2010 - uma defecção que não desmente a regra de que os partidos de direita são menos coesos, já que o ex-PC rumou fortemente para o conservadorismo, acompanhando a guinada do grupo tucano de José Serra.

Na bancada governista, perdem massa parlamentar os pequenos partidos com os quais o governo Dilma Rousseff vem acumulando problemas, como o PR e o PP. Por razões estratégicas - até para não inviabilizar coligações nas eleições municipais -, o PSDB foi poupado. O partido kassabista pode ganhar uma bancada federal com dois deputados a mais do que o PSDB e 12 a mais do que a bancada do DEM. Na sua frente, permanecem o PT e o PMDB.

A ilustrada decisão do STF não mudou em nada o quadro: os partidos de esquerda mantêm uma lealdade relativa de seus eleitos; os de direita acumulam defecções. Quando Luiz Inácio Lula da Silva conquistou o seu primeiro mandato de presidente, em 2002, com o apoio apenas de partidos de esquerda e pequenos partidos de direita, as legendas que apoiaram seu adversário tucano, José Serra, perderam deputados como se perde agulhas: entre a eleição e a posse, o PMDB passou de 75 para 69; o PSDB, de 70 para 63 federais; o PFL, de 84 para 75. O PPS, que era da base de apoio de Lula naquela eleição, engordou 6 deputados: sua bancada passou de 15 para 21 parlamentares. O PTB, governista sempre, aumentou sua bancada de 26 para 41 às custas das bancadas dos partidos derrotados no segundo turno das eleições presidenciais.

O Supremo Tribunal Federal (STF) conseguiu provar, com sua decisão sobre a fidelidade partidária, que a história política não se constrói por decretos. Um avanço mais significativo na distribuição de renda pode ser muito mais efetivo para a modernização política do país do que uma canetada da Suprema Corte.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Economia gaúcha cresce 6,7% no primeiro semestre, diz FEE

publicado em Clic Rbs em 25/08/11

Setor que mais cresceu foi o agropecuário, com avanço de 15,5%

A economia do Rio Grande do Sul cresceu 6,7% no primeiro semestre do ano, segundo dados do Índice Trimestral de Atividade Produtiva (ITPA), divulgados nesta quinta-feira pela Fundação de Economia e Estatística (FEE). O setor que mais cresceu foi o agropecuário, com avanço de 15,5% sobre o janeiro a junho de 2010. Depois vieram os serviços (6,3%) e a indústria (3,6%).

De acordo com o presidente da FEE, Adalmir Marchetti, o contexto é positivo para o Estado e indica que a tendência é de um crescimento a taxas mais elevadas que a média brasileira em 2011.

— A evolução é puxada de forma muito forte pelo setor agropecuário, que tem produtos tradicionais com alto desempenho. E isso acaba impulsionando a demanda por produtos de outros setores, como o de máquinas e equipamentos — disse Marchetti.

Os produtos que mais contribuíram para o crescimento do setor primário foram o fumo (45%), o arroz (29,2%) e a soja (13,7%). A produção da oleaginosa, que tem colheita concentrada no segundo trimestre, atingiu o recorde de 11,6 milhões de toneladas.

Os segmentos do comércio que mais cresceram foram material de construção (32%), móveis e eletrodomésticos (20,2%), artigos farmacêuticos (15,3%) e tecido, vestuário e calçados (12,2%).

A retração no setor industrial é o índice preocupante do levantamento, que atinge especialmente os setores voltados à exportação, como papel e celulose (-8,6%). Os destaques positivos são o crescimento dos segmentos de máquinas e equipamentos (11,8%), alimentos (6,6%) e veículos automotores (3,9%).

Em julho, desemprego é o mais baixo e salário, o mais alto, diz IBGE

publicado no blog Carta Maior em 25/08/11.

Taxa de desocupação cai de 6,2% em junho para 6% em julho, enquanto salário médio avança 2,2%, atingindo R$ 1.612. São os melhores resultados apurados desde 2002 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que divulgou os dados nesta quinta (25). Emprego com carteira assinada continua sendo destaque.

BRASÍLIA – O desemprego e a renda média do trabalhador tiveram em julho os melhores resultados já verificados no mês. O primeiro foi o menor (6%) e a segunda (R$ 1.612), a maior, de acordo com dados divulgados nesta quinta-feira (25/08) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em junho, o desemprego era de 6,2%, e a queda observada no mês seguinte foi classificada pelo IBGE como “estabilidade”. Em relação a julho de 2010, a desocupação recuou 0,9%, o que significou cerca de 200 mil pessoas a menos em busca de emprego.

No caso do salário, o patamar de julho (R$ 1.612,90) supera em 2,2% o do mês anterior (R$ 1577,89) e em 4%, o de 2010 (R$ 1.550,26). O principal motivo para o crescimento da renda, disse o IBGE, foi o aumento do número de pessoas com carteira assinada. Em julho, o batalhão formal era 10,9 milhões de pessoas, 1,2% acima de junho e 7,1% a mais do que em julho do ano passado.

O IBGE faz esta pesquisa desde 2002 em seis regiões metropolitanas (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio, São Paulo e Porto Alegre), o que significa que existem mais do que 10 milhões de pessoas com carteira no país.

Os dados reforçam uma situação favorável no emprego que havia sido apontada pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgado pelo ministério do Trabalho dia 16.

Pelo Caged, houve geração líquida de 140 mil empregos com carteira assinada, apesar de o ministro Carlos Lupi dizer que julho é um mês ruim, por força de férias escolares e entressafra no campo.

domingo, 21 de agosto de 2011

Repercussões Nacionais das Eleições Municipais

extraído do Blog do Noblat.

por Marcos Coimbra*

No meio político, as eleições municipais do próximo ano já começaram. Para o cidadão comum, ainda são um assunto distante, em relação ao qual o interesse é mínimo. Quando, nas pesquisas, se pede aos entrevistados que respondam como “se as eleições fossem hoje”, ficam perplexos. A vasta maioria nem se lembra que voltaremos às urnas em tão pouco tempo.
Toda vez que se inicia a temporada dessas eleições, surgem especulações sobre as consequências de seus resultados na política nacional. É como se todos concordassem com a premissa de que existem e são ponderáveis.
Em alguns países do mundo, tipicamente nos menores, a vida política local costuma interagir intensamente com a nacional. O que acontece nas cidades, inclusive as pequenas, repercute de fato no conjunto do sistema político. É o caso, por exemplo, de certas democracias do norte da Europa.
No Brasil, pensando em termos de seu impacto no encaminhamento das questões nacionais, as eleições municipais já foram muito mais importantes que hoje.
Nos menos de 20 anos que durou a República de 1945, elas desempenharam um papel inteiramente diferente do que passaram a ter depois da redemocratização. Conquistar prefeituras, possuir boa representação no maior número possível de Câmaras de Vereadores, eram elementos cruciais para os partidos nas eleições estaduais e presidenciais.
Essa importância decorria, fundamentalmente, das características socioeconômicas e culturais prevalecentes em nosso eleitorado. Com uma expressiva proporção da população vivendo no interior, em cidades pequenas e com contatos esporádicos com as capitais estaduais e as metrópoles, a política nacional chegava a essas pessoas filtrada pela realidade local.
A influência das lideranças de cada cidade, sua ascendência sobre comportamentos e atitudes dos eleitores e, portanto, sua capacidade de orientar e dirigir decisões de voto eram incomparavelmente maiores que hoje em dia. Um partido que tivesse sólidas “bases municipais” estava com meio caminho andado para alcançar bom desempenho nas eleições gerais.
Um dos elementos fundamentais de diferenciação entre aquele Brasil e o de hoje é a comunicação de massa. Salvo o rádio de ondas curtas, nada integrava eleitores vivendo nas várias partes do país.
Não existia a televisão em rede nacional (muito menos as formas mais modernas de comunicação eletrônica).
Em função disso, eram diferentes os modos de fazer campanha e estruturar a comunicação entre candidatos e eleitores. Só havia dois caminhos básicos para a apresentação das candidaturas e suas plataformas. Diretamente, através da presença física dos candidatos em eventos públicos, como comícios e assembleias. Indiretamente, através da intermediação das chefias partidárias locais. Ou o candidato ia aos municípios (para o que era imprescindível ter apoio local) ou alguém passava a ser seu porta-voz na localidade, falando por ele.
Mudamos tanto, de lá para cá, que não faz sentido raciocinar com essas categorias. O eleitor brasileiro médio é muitas vezes mais autônomo em relação às lideranças municipais e tem condições de se informar sozinho sobre quem são e o que representam os candidatos ao Legislativo, aos governos estaduais e, especialmente, à Presidência da República.
Por esses motivos, a discussão sobre os efeitos de 2012 sobre 2014 é, em grande parte, uma perda de tempo. Como foram as que fizemos nos últimos anos, em situação semelhante. Nenhuma das eleições municipais que tivemos de 1988 em diante teve consequências significativas nas presidenciais seguintes.
Quem gosta de sublinhar sua importância são as lideranças de alguns partidos, a exemplo do PMDB e, em escala menor, o DEM e o PTB. Como são organizações estruturadas em quase todos os estados, saem-se bem nos balanços que se fazem depois de apurados os resultados municipais. Com isso, incham o peito, proclamam-se vencedores e valorizam seu passe.
Compra quem quer. Na política, também há maus negócios.

*Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

Brasil tem munição contra a crise

publicado no blog tijolaco.com

por Nogueira Batista



Pouca Munição
“Um dos fatores que agravam a turbulência financeira é a percepção generalizada de que os governos dos países desenvolvidos já gastaram boa parte da sua munição com a crise de 2008. Estados Unidos e Europa, que estavam – e continuam – no epicentro da crise, lançaram mão dos mais variados instrumentos: políticas fiscais anticíclicas, redução das taxas básicas de juro para quase zero, injeções maciças de liquidez pelos bancos centrais e operações custosas de socorro a instituições financeiras privadas.
A crise foi contida, mas nunca chegou a ser superada. As economias dos EUA, da Europa e do Japão crescem pouco ou nada; as taxas de desemprego e subemprego permanecem elevadas, especialmente entre os jovens; as finanças públicas estão fragilizadas; uma parte do sistema bancário continua vulnerável, particularmente na Europa.
No momento, o grande risco é o de um novo mergulho recessivo, desencadeado por choques oriundos do sistema bancário ou de riscos soberanos. Se isso acontecer, os governos não poderão responder como antes.
Como as dívidas públicas aumentaram rapidamente e os balanços dos bancos centrais estão sobrecarregados, fica mais difícil promover uma nova rodada de estímulos fiscais e monetários. Pior: alguns países, notadamente na zona do euro, estão sendo forçados a adotar políticas fiscais pró-cíclicas em face das pressões dos mercados.
A munição política também é menor. Hoje, existe mais resistência à ampliação dos gastos públicos do que há três anos. E novas operações de salvamento de instituições financeiras privadas seriam recebidas com uma onda de indignação da opinião pública.
Os EUA e a zona do euro são os principais focos de preocupação, mas há problemas em outras áreas da economia mundial.
É o caso da China, por exemplo. Em 2008-2009, o governo chinês pôde adotar um vigoroso programa de estímulo à demanda interna que compensou, em parte, o choque recessivo provocado pelos desmandos financeiros nos EUA e na Europa. Em 2011, contudo, a China enfrenta inflação significativa dos preços de bens e serviços, que se adiciona ao problema mais antigo de uma onda especulativa com ativos imobiliários. A menos que a inflação ceda rapidamente, a China dificilmente poderá responder a uma segunda recessão nas economias desenvolvidas com políticas de expansão da demanda. Ou seja, o maior dos emergentes pouco poderá fazer para sustentar a demanda na economia mundial.
Como fica o Brasil? Como se sabe, a economia brasileira não escapará ilesa de um novo mergulho recessivo dos países desenvolvidos. Mas a nossa margem de manobra é maior do que a deles. Temos munição para gastar, em caso de um agravamento da situação mundial.
As reservas internacionais do país aumentaram consideravelmente desde 2009 e podem ser usadas em caso de redução de linhas internacionais de crédito e pressões sobre as contas externas. Há espaço, além disso, para permitir que o câmbio se deprecie. Uma desvalorização do real, desde que não seja abrupta, será até bem-vinda, uma vez que a moeda nacional se valorizou excessivamente nos anos recentes. O Banco Central pode também reduzir os elevados compulsórios sobre passivos bancários e injetar liquidez na economia.
Por último, mas não menos importante, também há espaço para diminuir as taxas de juro básicas. Caso a crise internacional se agrave, afetando o nível de atividade da economia, o Banco Central poderá baixar os juros sem comprometer o controle da inflação. Isso ajudará a reduzir o custo da dívida pública, favorecendo o equilíbrio das contas do governo. Além disso, desestimulará entradas de capital, ajudando a corrigir a sobrevalorização cambial.
Nas circunstâncias atuais, melhor seria responder a um choque recessivo externo com estímulos monetários, mantendo uma política fiscal mais rigorosa. A coordenação entre as políticas fiscal e monetária é hoje melhor do que em 2008. Naquela época, Fazenda e Banco Central atuavam de forma divergente, com frequentes conflitos. Hoje, a equipe econômica está mais coesa, uma vantagem considerável em época de incertezas e turbulência.”


Os limites da ordem

publicado originalmenete nop blog Carta Maior

por Boaventura de Sousa Santos*

Os violentos distúrbios ocorridos na Inglaterra não devem ser vistos como um fenômeno isolado. Eles representam um perturbador sinal dos tempos. Sem se dar conta, as sociedades contemporâneas estão gerando um combustível altamente inflamável que flui nos subsolos da vida coletiva. Quando chegam à superfície, podem provocar um incêndio social de proporções inimagináveis.

Trata-se de um combustível constituído pela mistura de quatro componentes: a promoção conjunta da desigualdade social e do individualismo, a mercantilização da vida individual e coletiva, a prática do racismo em nome da tolerância e o sequestro da democracia por elites privilegiadas, com a consequente transformação da política na administração do roubo “legal” dos cidadãos e do mal estar que provoca.

Cada um destes componentes têm uma contradição interna: quando se superpõem, qualquer incidente pode provocar uma explosão.

- Desigualdade e individualismo. Com o neoliberalismo, o aumento brutal da desigualdade social deixou de ser um problema para passar a ser uma solução. A ostentação dos ricos e dos multimilionários transformou-se na prova do êxito de um modelo social que só deixa miséria para a imensa maioria dos cidadãos, supostamente porque estes não esforçam o suficiente para ter sucesso na vida. Isso só foi possível com a conversão do individualismo em um valor absoluto, o qual, paradoxalmente, só pode ser experimentado como uma utopia da igualdade, a possibilidade de que todos prescindam igualmente da solidariedade social, seja como seus agentes, seja como seus beneficiários. Para o indivíduo assim concebido, a desigualdade unicamente é um problema quando ela é adversa a ele e, quando isso ocorre, nunca é reconhecida como merecida.

- Mercantilização da vida. A sociedade de consumo consiste na substituição das relações entre pessoas pelas relações entre pessoas e coisas. Os objetos de consumo deixam de satisfazer necessidades para criá-las incessantemente e o investimento pessoal neles é tão intenso quando se tem como quando não se tem. Os centros comerciais são a visão espectral de uma rede de relações sociais que começa e termina nos objetos. O capital, com sua sede infinita de lucros, submeteu à lógica mercantil bens que sempre pensamos que eram demasiado comuns (como a água e o ar) ou demasiado pessoais (a intimidade e as convicções políticas) para serem comercializados no mercado. Entre acreditar que o dinheiro media tudo e acreditar que se pode fazer tudo para obtê-lo há um passo muito menor do que se pensa. Os poderosos dão esse passo todos os dias sem que nada ocorra a eles. Os despossuídos, que pensam que podem fazer o mesmo, terminam nas prisões.

- O racismo da tolerância. Os distúrbios na Inglaterra começaram com uma dimensão racial. O mesmo ocorreu em 1981 e nos distúrbios que sacudiram a França em 2005. Não é uma coincidência: são irrupções da sociabilidade colonial que continua dominando nossas sociedades, décadas depois do fim do colonialismo político. O racismo é apenas um componente, já que em todos os distúrbios mencionados participaram jovens de diversos grupos étnicos. Mas é importante, porque reúne a exclusão social com um elemento de insondável corrosão da autoestima, a inferioridade do ser agravada pela inferioridade do ter. Em nossas cidades, um jovem negro vive cotidianamente sob uma suspeita social que existe independentemente do que ele ou ela seja ou faça. E esta suspeita é muito mais virulenta quando se produz em uma sociedade distraída pelas políticas oficiais de luta contra a discriminação e pela fachada do multiculturalismo e da benevolência da tolerância.

- O sequestro da democracia. O que há em comum entre os distúrbios na Inglaterra e a destruição do bem estar dos cidadãos provocada pelas políticas de austeridade dirigidas pelas agências classificadoras e os mercados financeiros? Ambos são sinais das extremas limitações da ordem democrática. Os jovens rebeldes cometeram delitos, mas não estamos frente a uma “pura e simples” delinquência, como afirmou o primeiro ministro David Cameron. Estamos frente a uma denúncia política violenta de um modelo social e político que tem recursos para resgatar os bancos, mas não para resgatar os jovens de uma vida de espera sem esperança, do pesadelo de uma educação cada vez mais cara e irrelevante dado o aumento do desemprego, do completo abandono em comunidades que as políticas públicas antissociais transformaram em campos de treinamento da raiva, da anomia e da rebelião.

Entre o poder neoliberal instalado e os rebeldes urbanos há uma simetria perturbadora. A indiferença social, a arrogância, a distribuição injusta dos sacrifícios estão semeando o caos, a violência e o medo, e aqueles que estão realizando essa semeadura vão dizer amanhã, genuinamente ofendidos, que o que eles semearam nada tinha a ver com o caos, a violência e o medo instalados nas ruas de nossas cidades. Os que promovem a desordem estão no poder e poderiam ser imitados por aqueles que não têm poder para colocá-los em ordem.

(*) Doutor em Sociologia do Direito; professor nas universidades de Coimbra (Portugal) e Wisconsin (EUA).

(**) Traduzido por Katarina Peixoto da versão em espanhol publicada no jornal Página/12

terça-feira, 16 de agosto de 2011

ELEIÇÕES 2012



Foto: Tatiana Feldens - Asscom PT-POA






Depois de Adeli, Raul também coloca seu nome à disposição








Ontem foi a vez da Executiva Municipal receber o também ex-prefeito de Porto Alegre, deputado e presidente do PT-RS Raul Pont para debater o futuro do partido na cidade. Sem rodeios, Raul defendeu a candidatura própria e colocou seu nome à disposição do partido para concorrer no ano que vem. “Não se trata de arrogância ou hegemonia”, disse ele, “seria um brutal retrocesso não ter candidato em Porto Alegre em 2012”.

Na avaliação do ex-prefeito, as condições estão postas e cabe ao partido construir um nome de consenso. “Criamos a tese, cabe a nós agora apresentar alternativas e meu nome está a disposição para esta construção (...), pois não podemos recusar dirigir esta cidade”, finalizou.

A fala do presidente estadual do PT precedeu uma série de intervenções dos membros da Executiva Municipal. Adeli Sell, presidente do PT-POA, lembrou a recente passagem do presidente nacional da legenda, Rui Falcão, de que as eleições de 2012 não necessariamente repetem as alianças e coligações construídas em 2010.

Rodrigo Oliveira, vice-presidente do PT-POA, falou do papel da legenda como oposição na cidade. “Temos uma avaliação de que Porto Alegre não evoluiu nos anos que passaram. E a nossa militância tem condições de liderar essa frente e fazer um debate por uma cidade melhor, capitaneada pelo PT”.

Zé Reis, Secretário Geral do PT-POA, manifestou seu desejo de acelerar o debate. Segundo ele, a sigla, em qualquer condição, partirá dos 20% dos votos dessa cidade. “Temos condições de apresentar candidato para fazer a disputa. Nossa cidade recuou em todos os sentidos. Não há vazio e nem vácuo, PT tem e terá candidato”, disse ele.

Reginete Bispo foi na mesma linha de pensamento do secretário-geral, acrescentando o fato de que as outras candidaturas que se apresentam até o momento não demonstram a preocupação com um projeto que luta por melhorias para os porto-alegrenses.

BLOCO DE ESQUERDA
O Secretário de Finanças do PT-POA, Gladimiro Machado, sustentou a necessidade de o PT figurar como o grande articulador político do bloco de esquerda instalado no País, com PT, PCdoB e PSB na linha de frente. “Temos que fazer com que o pensamento de esquerda seja hegemônico no País”, disse ele, acrescentando que o PT pode e deve ter candidatura em Porto Alegre, “mas ela deve ser construída e não imposta”. Michele Sandri, Secretária de Comunicação, referendou as palavras de Machado.

Danilo Toigo Caçapava, Secretário de Movimentos Sociais do PT-POA, lembrou que o partido deve primar pela unidade, construindo um bom programa de governo que projete a volta do partido ao Paço Municipal não apenas por um mandato, mas para outros 16 anos, como ocorreu no passado recente.

Ubiratan de Souza, Secretário de Organização, lembrou os 16 anos em que o PT esteve a frente da Prefeitura de Porto Alegre, sendo exemplo de gestão pública no Brasil e internacionalmente. Bira lembrou que desta maneira o PT Nacional, baseado na Capital dos gaúchos, rompeu com a barreira da grande mídia e provou que o partido tinha condições de governar. Além disso, reforçou ele, muitas pessoas na rua pedem a volta do PT ao Paço Municipal. “Temos legitimidade para isso”, disse ele.

O vereador Aldacir Oliboni finalizou elencando as três principais razões que o levam a apoiar a candidatura própria: PT tem a maior bancada na Câmara Municipal; tem projetos estruturantes, capitaneados pelo governo estadual e federal; e é o partido com a maior aceitação nacional, de acordo com pesquisa divulgada recentemente pelo Vox Populi.

Vale ressaltar que os interessados em concorrer no ano que vem deverão se inscrever no partido até o dia 5 de novembro.

O presidente Adeli Sell encerrou o debate chamando a atenção de todos para o cumprimento das agendas de debates nas zonais, setoriais e núcleos, convocando todos também para mais uma edição do PT NA RUA, que será realizado na próxima sexta-feira, dia 19, a partir das 7h da manhã nas redondezas do Mercado Público, com distribuição do boletim da bancada e do partido sobre o abandono da cidade.

Por Tatiana Feldens, Asscom PT-POA
 

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

PT tem mais um pré-candidato a eleição de 2012



Na noite desta segunda-feira, 15/08, a Executiva do PT de Porto Alegre reuniu-se com o Dep. Est. e Presidente Estadual do PT, Raul Pont. A reunião faz parte de um calendário de reuniões que a instância municipal começou a realizar com os ex-prefeitos petistas da capital. Na sexta-feira foi ouvido o ex-prefeito e ex-governador, Olívio Dutra.
As reuniões têm servido para um debate sobre as conjunturas municipal, estadual, nacional e pré-eleitoral.  Principalmente, foi abordado o estado de abandono da capital, a regressão na participação popular e a péssima qualidade na prestação dos serviços públicos.
Foi também reafirmado a importância do processo eleitoral de 2012, para a consolidação dos Governos Tarso e Dilma e a necessidade de manter um diálogo com os partidos que compõem a base aliada dos governos. Nesse sentido, foi reafirmado que o PT fará os esforços necessários para a manutenção do bloco de esquerda, embora não abrirá mão de um protagonismo no processo eleitoral, por sua representatividade política na capital e no estado.  Foi destacado, também, que se não for possível construir uma aliança dentro do campo o partido trabalhará para construir plataformas comuns e, até, um pacto de adesão para o segundo turno.
Igualmente, foi abordada a possibilidade de o companheiro disponibilizar seu nome á disputa eleitoral de2012. Raul afirmou que entende que o ideal será o PT apresentar uma candidatura para liderar o bloco de esquerda e colocou seu nome à disposição do PT para participar do processo eleitoral, respeitando, evidentemente a manifestação do companheiro Adeli Sell, o qual também já apresentou seu nome para a disputa eleitoral.
Assim, o PT passa a contar com dois pré-candidatos às eleições de 2012, dando mais um passo na construção de sua tática e sua estratégia.

A PRIVATIZAÇÃO DA ÁGUA: O MEDIEVO CHEGA AO RS

do blog Armarinho da Política,  em 15 de agosto de 2011

 


foto: Gabariel Marques - Fetrafi/RS

 O Rio Grande do Sul é conhecido no cenário nacional pela decantada bipolarização que permeia a sua vida quotidiana: colorados e gremistas, chimangos e maragatos, esquerda e direita, e outras mais.
     Ao longo da história, este “grenalismo” produziu fatos marcantes na vida dos gaúchos, tais como a Revolução Farroupilha, a Revolução Federalista e o Movimento da Legalidade (que neste mês de agosto completa 50 anos), além de, é claro, memoráveis batalhas entre o Internacional e o Grêmio.
     No campo eleitoral, considerando apenas as eleições ocorridas a partir da década de 90 alternaram-se, no comando do governo do Estado, forças políticas fortemente antagônicas: Alceu Collares (PDT), Antônio Britto (PMDB), Olívio Dutra, (PT), Germano Rrigotto (PMDB), Yeda Crusius (PSDB) e Tarso Genro (PT).
     Analisando-se superficialmente os eventos e resultados eleitorais acima, poder-se-ia dizer que o modo de viver dos gaúchos se afigura algo esquizofrênico, diante das sucessivas opções por forças políticas frontalmente contraditórias.
     Em réplica à provocação, alguém poderia afirmar que esta é uma característica salutar da população do autoproclamado “Estado mais politizado do Brasil”, eis que demonstraria um certo desapego a preconceitos.
    Na verdade, nem uma coisa, nem outra. O que ocorre no RS é um embate entre duas formas de pensar que forjaram a alma gaúcha: a republicana, modernizadora, introdutora do conceito de Estado fundado na “coisa pública”, enraizada nos centros urbanos, herança da forte influência do pensamento positivista, e a cultura do latifúndio, privatista, atrasada, oriunda nas áreas de extrema concentração da propriedade da terra.
     Ocorre que estas duas culturas não se manifestam, no entanto, sempre de forma clara e apartada: não raramente misturam suas características, gerando subprodutos que embora contraditórios na aparência, são perfeitamente explicáveis quando analisados à luz dos elementos fundantes do modo de ser dos gaúchos.
     É exatamente o que se observa agora no RS quando, precisamente no momento em que a população gaúcha, após a experiência desastrada do governo Yeda, aposta na gestão republicana e modernizadora de Tarso Genro, emerge um movimento, capitaneado pelo prefeito (não por acaso) tucano de Uruguaiana, de privatização dos serviços de água e esgoto.
     Pois na mencionada cidade, localizada na fronteira com o Uruguai – região na qual a cultura do latifúndio predomina -, os serviços públicos em questão foram retirados da CORSAN, estatal estadual que, à exceção de algumas cidades maiores, possui contratos de concessão firmados com 324 municípios, atendendo a mais de 7 milhões de gaúchos e transferidos, sem qualquer indenização ou garantia de que a mesma ocorrerá, à empresa Foz do Brasil, subsidiária do grupo Odebrecht.
     A história da CORSAN é igual à de tantas outras estatais na mira da privatização: os governos neoliberais encolhem os investimentos, baixando a qualidade dos seus serviços e, diante das reclamações da população, a solução não é outra senão a de entregar os serviços à “competência da iniciativa privada”.
     A privatização a água, antigo desejo dos mascates do patrimônio público, toma novos contornos diante da constatação de que o aumento da população mundial, em contraste com as previsões da redução da oferta de água no planeta, transformará o precioso líquido no “petróleo do futuro”.
     Esquecem os profetas do mercado que a água não pode ser tratada como simples mercadoria, pois dela dependem a vida e a saúde de bilhões de pessoas no mundo todo. 
     Em artigo reproduzido pelo PTSUL, o escritor Eduardo Galeano, comentando o caso de Cochabamba, na Bolívia, na qual a população se levantou e promoveu, em 2002, a “desprivatização” da água, cita o diretor-geral da UNESCO, Frederico Mayor, para o qual “esta fonte rara, essencial para a vida, deve ser considerada como um tesouro natural que faz parte da herança comum da humanidade”, registrando ainda o escritor uruguaio que o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU declarou, em Genebra, em 2002, o acesso à água como direito humano indispensável e que a água é um bem público, social e cultural; ou seja, um produto fundamental para a vida e a saúde e não um produto básico de caráter econômico (leia a íntegra do artigo aqui).
     Até mesmo em Paris os serviços de água foram remunicipalizados em 2010, depois da privatização comandada por Jacques Chirac em 1985, cujo resultado foi a apropriação dos lucros pelos controladores privados, em detrimento dos investimentos.
     Aliás, todos sabem como funcionam as privatizações: no início tudo é festa, milhões de promessas são feitas, os serviços vão melhorar, os preços vão baixar, e todos serão felizes. Depois vem a dura realidade: baixo índice de investimentos, precarização dos serviços e preços que vão ficando impagáveis, especialmente pelos mais pobres.
     Aqui, caso a moda pegue (além de Uruguaiana, mais três cidades com mais de 50 mil habitantes estão com processos de privatização em curso), poderá ainda haver o encarecimento do preço da água eis que, pelo sistema adotado pela CORSAN, os resultados da operação em cidades maiores compensam os déficits gerados em municípios menores, permitindo água mais barata para todos. Se o equilíbrio for quebrado, perdem todos.
   Mas no Rio Grande latifundiário e privatista, isto não conta: para alguns, aqui, o atrasado posa de moderno, mesmo na contramão da história e do interesse público. E, o que é pior, ainda se orgulham disto.

colaborou Paulo Müzzel

domingo, 14 de agosto de 2011

Presidentes em Números


Saíram, nos últimos dias, três pesquisas de opinião sobre o governo Dilma. Com suas dessemelhanças, todas são comparáveis. E pintam um retrato parecido, no qual ressalta a boa avaliação que dele faz a maioria da população.
A mais recente é do Ibope e é a segunda do instituto a ser divulgada este ano. Antes, havia sido publicada uma pesquisa da Vox Populi e a terceira que o Datafolha realizou em 2011.
Segundo os dados do Ibope, a soma dos que acham “ótimo” e “bom” o governo caiu de 56% para 48%, entre março e o final de julho. Considerando a margem de erro admitida, é uma diferença real, mesmo que não muito grande.
Não por outra razão, foi a que teve maior repercussão na mídia e a única a respeito da qual a própria Dilma foi instada a falar. Como era de esperar, manifestou-se de maneira protocolar, dizendo que via a queda “com naturalidade”.
É assim mesmo que deveria vê-la. Aliás, foi apenas na comparação da mais recente com a anterior do Ibope que se verificou uma diminuição significativa. De acordo com os outros institutos, a avaliação do governo tem permanecido estável desde o início do ano.
Olhando o conjunto das pesquisas disponíveis, o que se nota é que os resultados do Ibope relativos a março eram mais altos que a média. Nenhuma outra feita no período chegava a números como os seus, acima dos 55 pontos percentuais. Naquele mesmo mês, o Datafolha, por exemplo, apontava 47%.
Ou seja, a queda no Ibope decorre mais do ponto de partida que de chegada, pois os números de sua pesquisa de julho são idênticos ao dos outros institutos. Tanto ele, quanto o Datafolha, mostraram os mesmos 48% agora.
Não podemos, portanto, falar em tendência de queda na avaliação do governo, pelo menos por enquanto. A crer nas pesquisas, o que temos é uma aprovação elevada e estável.
Para discutir em que o governo Dilma se parece e se diferencia dos anteriores em suas relações com a opinião pública, podemos considerar pesquisas feitas em momentos semelhantes do passado. Fazendo isso, podemos também tirar algumas conclusões sobre o que torna popular (ou impopular) um governo.
Como os dados do Datafolha são os mais facilmente encontráveis pelos interessados, vamos nos basear neles. Estão disponíveis para Dilma e seus quatro antecessores mais próximos.
Aos três meses, em junho de 1990, Collor tinha 36% de avaliações positivas, e permaneceu igual aos seis, quando alcançou 34%. Sobre seu governo, só há outros dados para quando completou o primeiro ano, mas essa é outra história (nessa altura, só 23% o aprovavam).
Itamar, também três meses depois de ter tomado posse, em dezembro de 1992, tinha 34% e foi a 36% em fevereiro do ano seguinte, cinco meses mais tarde. Caiu, a partir de então, de maneira expressiva, alcançando apenas 24% sete meses depois, em março de 1993.
Em março de 1995, com três meses de governo, Fernando Henrique estava um pouco melhor que os dois, chegando a 39%. Em junho, foi a 40% e a 42% em setembro.
Lula começou acima disso e assim permaneceu. Em abril de 2003, alcançava 43%, 42% em junho e 45% em agosto. Para ele e FHC, faz pouco sentido discutir como estavam no começo de seus segundos mandatos.
De acordo com o Datafolha, Dilma sempre teve números melhores que todos: 47% em março, 49% em junho e 48% agora.
Comparando os cinco, o que mais chama atenção é a solidez da imagem dos presidentes ao longo dos primeiros meses. As oscilações são, salvo para Itamar (não custa lembrar, o único que não foi diretamente eleito), irrelevantes. Começando um pouco acima ou abaixo dos outros, todos, a rigor, não se moveram.
Tão interessante quanto isso é ver que essa solidez independe, ao que parece, da agenda e do desempenho de cada um.
Collor tinha acabado de decretar o confisco da poupança e tirado o dinheiro da circulação, traumatizando o país. Fernando Henrique pilotava o Plano Real, e celebrava que um quilo de frango custava menos que uma moedinha. Aos três meses, empatavam, um com 36% e o outro 39%.
Disso tudo, uma lição: o compromisso do eleitor com o eleito parece mais forte que qualquer outra coisa. É com base nele que começa um governo.

Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
publicado originalmente noi blog do Noblat.