quinta-feira, 29 de março de 2012

O golpe, a ditadura e a direita brasileira, por Emir Sader


publicado no Blog do Emir, em 28/03/12.





O golpe e a ditadura foram a desembocadura natural da direita brasileira – partidos e órgãos da mídia, além de entidades empresariais e religiosas. A direita brasileira aderiu, em bloco, ao campo norteamericano durante a guerra fria, adotando a visão de que o conflito central no mundo se dava entre “democracia”(a liberal, naturalmente) e o comunismo (sob a categoria geral de “totalitarismo”, para tentar fazer com que aparecesse como da mesma família do nazismo e do fascismo).

Com esse arsenal, se diabolizava todo o campo popular: as políticas de desenvolvimento econômico, de distribuição de renda (centradas nos aumentos do salário mínimo), de reforma agrária, de limitação do envio dos lucros das grandes empresas transnacionais para o exterior, como políticas “comunizantes”, que atentavam contra “ a liberdade”, juntando liberdades individuais com as liberdades das empresas para fazer circular seus capitais como bem entendessem.

A direita brasileira nunca – até hoje – se refez da derrota sofrida com a vitória de Getúlio em 1930, com a construção do Estado nacional, o projeto de desenvolvimento econômico com distribuição de renda, o fortalecimento do movimento sindical e da ideologia nacional e popular que acompanhou essas iniciativas. Foi uma direita sempre anti-getulista, anti-estatal, anti-sindical, anti-nacional e anti-popular.

Getúlio era o seu diabo – assim como agora Lula ocupa esse papel -, quem representava a derrota da burguesia paulista, da economia exportadora, das oligarquias que haviam governado o país excluindo o povo durante décadas. A direita foi golpista desde 1930, começando pelo movimento – chamado por Lula de golpista, de contrarrevolução – de 1932, que até hoje norteia a direita paulista, com seu racismo, seu separatismo, seu sentimento profundamente antipopular.

A direita caracterizou-se pelo chamado aos quarteis quando perdiam eleições -e perderam sempre, em 1945, em 1950, em 1955, ganharam e perderam com o Jânio em 1960 – pedindo para “salvar a democracia”, intervindo militarmente com golpes. Seu ídolo era o golpista Carlos Lacerda. Esse era o tom da mídia –Globo, Folha, Estadão, etc., etc.

Era normal então que a direita apoiasse, de forma totalmente unificada, o golpe militar. Vale a pena dar uma olhada no tom dos editoriais e da cobertura desses órgãos no período prévio ao golpe a forma como saudaram a vitória dos militares. Cantavam tudo como um “movimento democrático”, que resgatava a liberdade contra as ameaças do “comunismo” e da “subversão”.

Aplaudiram as intervenções nos sindicatos, nas entidades estudantis, no Parlamento, no Judiciário, foram coniventes com as versões mentirosas da ditadura e seus órgãos repressivos sobre como se davam as mortes dos militantes da resistência democrática.

Por isso a cada primeiro de abril a mídia não tem coragem de recordar suas manchetes, seus editoriais, sua participação na campanha que desembocou no golpe. Porque esse mesmo espírito segue orientando a direita brasileira – e seus órgãos da mídia -, quando veem que a massa do povo apoia o governo (O desespero da UDN chegou a levar que ela propusesse o voto qualitativo, em que o voto de um engenheiro valesse muito mais do que o voto de um operário.). Desenvolvem a tese de que os direitos sociais reconhecidos pelo governo são formas de “comprar” a consciência do povo com “migalhas”.

Prega a ruptura democrática, quando se dá conta que as forças progressistas têm maioria no país. Não elegem presidentes do Brasil desde 1998, isto é, há 14 anos e tem pouca esperança de que possam vir a eleger seus candidatos no futuro. Por isso buscam enfraquecer o Estado, o governo, as forças do campo popular, a ideologia nacional, democrática e popular.

É uma direita herdeira e viúva de Washington Luis (e do seu continuador FHC, ambos cariocas de nascimento adotados pela burguesia paulista) e inimiga feroz do Getúlio e do Lula. (Como recordou Lula em São Paulo não ha nenhum espaço público importante com o nome do maior estadista brasileiro do século passado, o Getúlio, e tantos lugares importantes com o nome do Washington Luis e do 9 de julho).

É uma direita golpista, elitista, racista, que assume a continuidade da velha república, de 1932, do golpe de 1964 e do neoliberalismo de FHC.

terça-feira, 27 de março de 2012

Longo caminho pela frente

publicado no blog da Carta Capital, em 27/03/12
Por Beatriz Mendes

Ser revistado pela polícia durante um passeio ou na volta para casa é situação rotineira para os estudantes da Faculdade Zumbi dos Palmares. A instituição paulistana é especializada na inclusão de afrodescendentes no ensino superior: 90% dos alunos matriculados são negros e (não) acham graça quando questionados sobre as batidas policiais. “Você está se referindo ao número de vezes só hoje, não é?”, brincam. Eles têm de conviver com o preconceito que ainda persiste na sociedade brasileira, apesar de o País ter abolido a escravidão há mais de 120 anos.

Apesar dos avanços da última década, os principais postos no Brasil ainda não são ocupados pela população negra


Mas o racismo não se limita às investidas dos oficiais. Ele está comprovado nos índices de pobreza, nas taxas de escolaridade, de analfabetismo e de longevidade. Na última década, muitos avanços no combate à desigualdade racial ocorreram no Brasil. Entretanto, eles ainda não são suficientes para superar os boicotes enfrentados pelos negros na História do Brasil. É o que afirma  Ricardo Paes de Barros, subsecretário de Ações Estratégicas da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
Segundo ele, a população negra foi a grande protagonista da ascensão da nova classe média brasileira. Uma pesquisa realizada pelo Data Popular em dezembro do ano passado apontou um aumento de negros na classe C – de 34%, em 2004, para 45% em 2009. Eles movimentam 673 bilhões de reais por ano, mas ainda não têm pleno acesso a oportunidades do topo da distribuição de renda. “Um exemplo disso é a venda de celulares. Hoje em dia o número de aparelhos vendidos para os negros é equivalente à média brasileira, mas o acesso à internet ainda é um privilégio dos brancos”, declara.
Para o subsecretário, as estatísticas mostram que o Brasil criou um colchão, uma base para melhorar a qualidade de vida dos negros, mas as políticas públicas na outra ponta da pirâmide social foram deixadas de lado. “Atualmente a pobreza é bicolor, mas os principais cargos e empregos ainda pertencem à população branca.”
Ele exemplifica dizendo que os negros são apenas 20% do total de pessoas que ganham mais de dez salários mínimos. Esta mesma porcentagem representa a população negra no total de brasileiros que fazem pós-graduação. “Portanto, nesses postos mais desejados, a diferença entre brancos e negros foi preservada no sentido de desigualdade. Falhamos em identificar os talentos negros do Brasil”, conclui.
A saída para reverter esse quadro, segundo ele, é a adoção de medidas afirmativas para o topo dos bens e serviços. “Nós temos que incentivar as políticas meritocraticamente, arejando as classes altas com pessoas que merecem ocupar os bons cargos. Adotar uma política de ‘caça-talentos’ desde cedo, nas escolas e em outras instituições de ensino”, reflete.
Mário Lisboa Theodoro, secretário executivo da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, adianta que o governo federal já está trabalhando nesse sentido. Ele diz que em abril deve ser lançado o Programa Nacional de Ações Afirmativas. A medida será o cumprimento do Estatuto de Igualdade Social e vai englobar três grandes áreas: trabalho, educação e de comunicação/cultura. “Estamos montando esse programa, ele será pactuado com oito ministérios e deve ser levado à presidenta da República até o início de abril”.
Observatório da População Negra
As secretarias de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e a Especial de Promoção da Igualdade Racial, em parceria com a Faculdade Zumbi dos Palmares, lançaram na quarta-feira 21 o Observatório da População Negra, primeiro banco de dados nacional sobre os afrodescendentes no Brasil.
O Observatório vai reunir informações sobre mercado de trabalho, distribuição de renda, demografia, habitação, estrutura familiar e educação. “É o maior banco de dados sobre negros no Brasil. Hoje ele se inicia com 50 mil informações, dos últimos 20 anos, e com perspectivas socioeconômicas que abrangem habitação, políticas públicas e mercado de trabalho, entre outros”, explicou José Vicente, reitor da Zumbi dos Palmares.
Eliane Barbosa da Conceição, professora da faculdade e uma das pesquisadoras do Observatório, diz que a intenção é revelar valores que explicitem as desigualdades, indicando quais as melhores políticas a serem adotadas em cada região do País.
O Observatório pode ser acessado no link  www.observatoriodonegro.org.br

quinta-feira, 15 de março de 2012

O público e o privado em Porto Alegre, por Paulo Muzzel

publicado no blog rsurgente.opsblog.org, em 15/03/12.




Há uma constante nos nossos pouco mais de cinco séculos de história: a promíscua relação entre o interesse público e o privado. Começando lá pelas capitanias, passando pelo Brasil-Colônia, pelo Império, pela República Velha, e depois pela Nova, tenentista, em quase todos os períodos – com raras exceções -, uma elite conservadora e apátrida dirigiu o Estado com um objetivo central: consolidar um poder político monolítico, nada democrático que atendeu, invariavelmente, às necessidades de consolidação de seus patrimônios particulares. O país sofreu cinco séculos de exploração impiedosa de uma elite predadora.
No nebuloso período – que alguns anos atrás – vivemos sob a égide da ideologia neoliberal forjada lá fora por Thatcher e aqui por Efe Agá, o símbolo maior do desmonte foi a vergonhosa venda da Vale, a preços de banana. Aqui no estado tivemos o obscuro britismo, que deixou como herança dois mega escândalos: a doação à GM de quase trezentos milhões de dólares e a privatização da CRT, atendendo os interesses do ex-patrão do governador, a RBS.
Aqui em Porto Alegre os dezesseis anos da Administração Popular (Olívio-Tarso-Raul e Verle) interromperam a “onda privatista” embora deva se reconhecer que houve, também, considerável avanço na terceirização dos serviços especialmente no DMLU e no DMAE. Mas é a partir de 2005, quando começa o governo Fo-Fo (Fogaça-Fortunati), é que a coisa desanda. Acelera-se a contratação de serviços e se aceleram e se estreitam as relações perigosas com o setor privado.
O Araújo Viana é oferecido a grupo privado que se propõe reformá-lo e, em contrapartida, a empreiteira terá mais de dois terços do seu tempo de uso por um período de dez anos. Decorridos muitos anos a obra não é iniciada e, em 2010, quando retomada, anuncia-se que seu custo foi subestimado: custará três vezes mais, em vez dos 6 inicialmente previstos, serão gastos 18 milhões de reais!
O Largo Glenio Peres, o espaço público mais central e nobre da cidade é “adotado” pela Coca Cola. A multinacional coloca sua propaganda no local e o poder público restringe o uso do local para preservar os interesses da empresa. O porto-alegrense certamente quer saber quais são os “encargos” da Coca, o que receberá a população em contrapartida por ter restringida sua possibilidade de desfrutar aquele valiosíssimo espaço público.
Na Fazenda Municipal o governo Fo-Fo, no início de 2005 concedeu seis meses para a Procempa concluir a elaboração de um novo sistema de administração tributária (SIAT) e decidiu contratar uma consultora privada. Início de 2012, sete anos e três meses depois – reunião de técnicos fazendários conclui que o trabalho da consultora – eivado de erros – não tem qualquer condição operacional, talvez possa, depois das necessárias correções e adequações, entrar em funcionamento em 2013. Deverá ser totalmente reestruturado, provavelmente pelos próprios técnicos da empresa municipal. O pequeno detalhe é que mais de 5 milhões (a preços atuais 6 milhões) já foram pagos à consultora. O Ministério Público de Contas recebeu denúncia e está apurando os fatos.
Há, também, o desmonte da Carris, agravado pelo fato de que a tarifa de ônibus da capital ser extorsiva (dobrou desde o início do Plano Real) e os serviços muito ruins. A taxa de lucro do empresário é elevada e o governo municipal não realiza licitação para concessão de novas permissões de uso. Há problemas menores, embora igualmente graves tais como a “venda de chaves” de bancas do Mercado Público Central, tudo ilegal, e feito na “moita”, sob as barbas das autoridades municipais.
Há, também, um pequeno e exemplar escândalo: um tradicional bar instalou várias “salas” (deques de madeira) com inúmeras mesas, pasmem, na pista de rolamento da rua Gal. Câmara!!

segunda-feira, 12 de março de 2012

O mito do “Brasil desmobilizado” - Por Fernando Perlatto. na Revista Pittacos

publicado no blog Outras Palavras, de 12/03/12.


É hora de questionar a visão eurocentrista que vê país “passivo” — porque é incapaz de enxergar formas difusas de organização, resistência e construção de novas lógicas


Em artigo publicado no jornal O Globo em 11 de julho de 2011, Juan Arias, correspondente do jornal El Pais no Brasil, motivado pelas manifestações dos “Indignados” contra o sistema político e financeiro nas praças de Barcelona, questionou a passividade do povo brasileiro. Ao contrário do que ocorria por lá, nossa sociedade, ainda que assolada por diversas mazelas, sobretudo associadas à corrupção, permanecia em silêncio, parecendo ignorar os desvios do dinheiro público. Tal diagnóstico acerca da passividade do povo brasileiro não foi isolado e ganhou novos contornos com as comparações que se estabeleciam entre a realidade aqui e as diversas eclosões populares que sacudiram o mundo em 2011, desde as manifestações na Praça Tahrir, no Egito, até o Occupy Wall Street, que comprovavam uma percepção muito forte no senso comum nacional: nossa sociedade civil seria desmobilizada.
Esse tipo de imaginação não se move no vazio, possuindo terreno a lhe sustentar, ancorado em análises clássicas das ciências sociais brasileiras. Para uma forma de interpretação consolidada, nossa sociedade seria marcada pela desmobilização salvo em momentos específicos da nossa história, como os anos 1960, que antecederam o golpe militar, ou os anos 1980. Nesses contextos, movimento operário, intelectualidade, segmentos religiosos e partidos políticos teriam criado mecanismos de articulação capazes de fazer frente ao status quo. Nos outros momentos da nossa história, apenas o silêncio de um povo desorganizado, acostumado com os desmandos do poder e incapaz de tecer redes de solidariedade, bem como criar estruturas organizativas. A ler nossa história pelos termos habermasianos, os sistemas da política (estado) e do dinheiro (mercado) dominaram a nossa trajetória, em diferenciados momentos, como decorrência da natural indiferença do nosso povo, insolidário pela sua própria natureza, contendo desde o início dos tempos coloniais o DNA da indiferença. Na parte de baixo do mundo, nada se moveu e ainda não se move.
Será isso mesmo uma verdade? Nossa sociedade civil foi e ainda é desorganizada? A meu ver, não é possível corroborar esta tese. Diversas pesquisas historiográficas recentes vêm procurando demonstrar que desde o Império, passando pela Primeira República e atravessando o século XX, o mundo de baixo da sociedade brasileira tem se organizado para além das estruturas formais de poder. Naturalmente, essas formas de organização não assumiram as características dos mecanismos associativos idênticos ao mundo europeu. Muitas vezes elas se manifestavam não por “falas públicas”, mas assumindo formas ocultas, que configuravam, nos termos de James Scott, em Domination and the arts of resistance, uma infrapolítica dos subalternos. Ao espaço negado no “discurso público”, os setores populares exerceram práticas e criaram formas expressivas fora da cena pública, constituindo “discursos ocultos”, por meio dos quais buscaram romper, de diferentes maneiras, com a aparente homogeneidade da fala oficial.
Em diálogo com as formulações de Nancy Fraser acerca dos “subaltern counterpublics”, podemos apontar para a existência de uma esfera pública subalterna no Brasil, constituída por espaços heterogêneos de fala e organização, mediante os quais os segmentos populares e médios lograram descobrir e articular espaços que testavam a todos os momentos os limites da ordem. Uma forma de resistência difusa – que se manifestava desde a resistência dos escravos para além da luta aberta contra os senhores no período imperial até a constituição de associações operárias no começo da Primeira República, passando pelas irmandades religiosas formadas pelos negros ao longo do XIX – se articulou e buscou constituir um lugar diferente de fala. Não se trata, é óbvio, de afirmar que os discursos e práticas constituídos nesta esfera pública subalterna eram necessariamente virtuosos. O que se está aqui a dizer é que eles existiam e isso é o que tem importância para a nossa discussão.
A reflexão aqui proposta busca chamar a atenção para o fato de que perceber e compreender este mundo implica um olhar diferenciado, uma perspectiva que não parta de modelos pré-concebidos de organização e agregação, tomados do mundo europeu. Trata-se de abrir nossas capacidades cognitivas para formas diferentes de associativismo, que se configuraram no decorrer da nossa história e que ainda permanecem fortemente presentes na sociedade brasileira, assumindo, obviamente, novos elementos. Esta nova forma de olhar deve ser capaz de perceber uma sociedade civil que se movimenta, ainda que mobilizando canais alternativos e informais de organização.
Ir para as ruas em época de carnaval, observar a organização dos blocos e das escolas de samba e dizer que o povo brasileiro não se organiza é uma enorme contradição. Pelos menos 300 blocos ocuparam as ruas e avenidas do Rio de Janeiro neste carnaval, além de tantos outros em todo o país, em uma apropriação diferente, mas democrática do espaço público. Escolas de samba, não apenas na capital fluminense, muitas dotadas de enormes recursos, outras se aproveitando de sobras e remendos, mobilizaram pessoas, criaram redes de sociabilidade e articulação. Caso lancemos um olhar mais generoso para o país, sem termos em mente modelos de organização pré-concebidos anteriormente, veremos uma sociedade que se mobiliza de diferentes formas, seja artisticamente – como testemunham as diversas manifestações culturais, como festas e círculos de forró, música brega e sertaneja, saraus de poesia, bailes funk e de hip hop, rodas de samba e pagode etc. que explodem pelas periferias do país e das grandes cidades, potencializadas pelas novas ferramentas da internet, como o twitter –, seja esportivamente – com a criação de diversos clubes e campeonatos amadores, peladas aos finais de semana, reuniões para assistir conjuntamente um jogo de futebol –, seja religiosamente – mediante a mobilização de pessoas de diferentes idades em cultos, procissões e festas religiosas por todo o país.
Reitero novamente que não estou a afirmar a virtuosidade necessária inscrita nas práticas e nos discursos formulados nesses espaços, os quais muitas devem ser objetos de crítica, sobretudo devido ao fato deles não conseguirem chegar ao mundo da política. Mas, este é outro ponto. Dizer que a forma não existe por conta do conteúdo é uma balela. Do mesmo modo, poderíamos afirmar a superficialidade do movimento dos “Indignados” na Espanha, destacando o fato de que enquanto ocupavam as ruas protestando contra a política in toto, o Partido Socialista perdia as eleições para o Partido Popular e sua coalização conservadora. Não o fazemos, pois, ainda que questionando eventuais reivindicações, sabemos valorizar a importância de pessoas estarem nas ruas protestando contra o sistema financeiro e as mazelas de uma classe política completamente distanciada daqueles a quem devia representar. O ponto aqui é: a sociedade brasileira se organiza e se mobiliza, assim como o fazem os espanhóis, porém de forma diferenciada; nem melhor, nem pior, apenas diferente.
Desloca-se, pois, o foco da questão: não há uma sociedade civil “parada” por sua essência natural. Não temos um povo naturalmente apático. Há, pelo contrário, uma sociedade que se move de diferentes maneiras, sobretudo naquilo que genericamente chamei de esfera pública subalterna. A questão – e isso importa ressaltar – é que não houve historicamente, nem por parte das ciências sociais brasileiras, nem por parte dos partidos políticos de esquerda, uma atenção para este mundo, que se movimenta e se reinventa a cada nova conjuntura. Quando se olhava e ainda se olha para ele, se buscava e ainda se busca uma classe nos padrões europeus, se deseja uma forma de organização organizada que não passa pela organização desorganizada dos nossos mecanismos associativos, que mobilizam mecanismos muito mais expressivista do que racionais, muito mais ancorados na emoção e nos sentimentos do que nas palavras de ordem prontas e bem formuladas. A espera de um modelo ideal de mobilização turva a vista para a percepção das potencialidades de um mundo complexo que se organizou e ainda está se organizando fora dos padrões tidos como corretos.
Para além da necessidade de um novo olhar por parte das ciências sociais brasileiras e dos partidos políticos sobre esta sociedade civil, está colocada, no âmbito da política, a necessidade da ampliação da democratização da esfera pública, mediante não apenas a institucionalização de procedimentos democráticos capazes de dar vazão a argumentos “racionais”, mas de mecanismos que a tornem mais porosa aos valores, demandas, reivindicações e manifestações expressivistas desta esfera pública subalterna. A ideia subjacente a esta perspectiva é a da necessidade da ampliação de canais que permitam que suas potencialidades possam se manifestar em uma esfera pública renovada e democrática.

O Pinheirinho visto pela ciência política clássica

publicado no Correio do Brasil, em 09/03/12.


Por distintos motivos, Hobbes, Locke e Montesquieu condenariam sem vacilar a brutalidade do governo paulista. Mas… e Maquiavel?


Por Luís Fernando Vitagliano


Segundo Thomás Hobbes o estado moderno deve ser como um Leviatã, com todos os poderes opressores possíveis. Detentor da força e da capacidade de submeter seus cidadãos ao poder das suas opressões. Mas um bom leitor de Hobbes vai se lembrar do contrato social ao qual até mesmo o rei deve se submeter. Todo estado moderno deve levar em consideração que os cidadãos abram mão da sua liberdade e ganhem com isso segurança. Contra a barbárie de uma guerra de todos contra todos, da sujeição do homem ao egoísmo do próprio homem, nasce o Leviatã, o estado, aquele aparato que vai impor ordem à sociedade. E mesmo nesta proposta hobbesiana de política, onde o estado é monárquico e absoluto há uma única possibilidade de desobediência civil: quando o estado não dá segurança aos seus cidadãos, os cidadãos têm o direito de questionar a autoridade do rei.
Porém, devemos entender segurança no seu sentido mais amplo: segurança alimentar, segurança civil, segurança contra ameaças internas e externas à vida dos cidadãos, e também segurança de que se pode ter uma vida plena para realizar tranquilamente o trabalho e a devoção a Deus (Hobbes era um dedicado cristão). Enfim, para resumir a teoria hobbesiana, se não é por todas essas funções exercidas pelo estado em nome da segurança, por que uma pessoa trocaria sua liberdade? Justificam-se, em consequência, as atitudes que confrontam as ações do estado, quando ele não garante condições dignas de segurança social.
John Locke, um dos pais do liberalismo moderno e talvez a principal referência clássica aos federalistas da Constituição americana defende que a propriedade privada deve ser resguardada em todos os casos. Para isso, não há exceção. A propriedade privada, fruto do trabalho e da dedicação do homem na transformação da natureza, deve ser defendida como o direito fundamental de qualquer sociedade política. Para Locke nenhum direito está acima deste. Para defender sua propriedade, uma pessoa pode até mesmo desobedecer as regras impostas pelo Estado. Todos os cidadãos têm direitos e deveres, mas nenhum direito pode se impor ao direito da propriedade, porque Locke entende que ela é fruto do trabalho e a dignidade de quem trabalha deve ser defendida a todo o custo.
E quando conquistamos propriedades ilicitamente, sem o uso do trabalho? Nem mesmo Locke defende este regime de propriedade. O estado, para ele, deve se preocupar exclusivamente com isso: as garantias das valorizações do trabalho como forma de resguardar a propriedade. Que ninguém use da força ou de poder para levar vantagens sobre ninguém e que simplesmente seja preservada a liberdade de fazer.
Dos liberais, o mais marcante cientista político clássico é Jean Jaques Rousseau. Sua obra é uma mistura de ensaios com defesas engajadas da emancipação humana. Rousseau teve influencia fundamental na Revolução Francesa e foi sem dúvidas um dos intelectuais mais lidos para a formação das noções da república moderna. No seu Discurso sobre as origens e fundamentos da desigualdade entre os homens, defende que, nas várias fases do desenvolvimento das sociedades humanas, a desigualdade começa a aparecer quando se cria a noção de propriedade privada. Neste momento os governos garantem que a divisão entre ricos e pobres preserve-se, assim como a divisão entre governantes e governados.
No Contrato Social, Rousseau não aceita que os homens entreguem sua liberdade aos dirigentes. Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Azul, Branco e Vermelho são os lemas da Revolução Francesa que colorem a bandeira daquele país e que se baseiam nas noções de pensadores clássicos como Rousseau (principalmente), Montesquieu, Diderot, d’Alembert, Voltaire etc. A ideia de república é a mesma: que o público se coloque acima dos interesses individuais. Para a filosofia política francesa, os interesses republicanos valem mais que os interesses privados.
Levando em consideração esses filósofos clássicos, há uma clara diferença entre a ciência política francesa e a saxônica. Enquanto as constituições inglesa (monárquica) e norte-americana (federalista) simplesmente versam sobre os direitos e deveres individuais, a constituição republicana francesa fala do universalismo dos direitos e das garantias básicas dos cidadãos. Pensa a sociedade de forma coletiva e universalizada, com garantias que devem sobrepor o coletivo ao individual.
O Brasil foi nitidamente influenciado pelo Estado de Direito francês onde a universalidade de direitos se impõe aos individualismos é a base da Constituição Federal. É só lembrar que a Carta Magna de 1988 foi batizada de “Constituição Cidadã”, dada a abrangência com que garantia direitos sociais aos brasileiros.
Não foi despropositado este longo exercício de memória da ciência política clássica e dos filósofos políticos. Se tomarmos esses pensadores para falar da recente crise da reintegração de posse dos moradores de Pinheirinho, nada do que se defende em relação à reintegração pode ser fundamentado.
Primeiro, o estado brasileiro tem obrigação de garantir aos cidadãos condições mínimas de direito. A tomar pela Constituição do estado republicano brasileiro, não podemos condenar comunidades que tentam, por meio da desobediência civil, garantir seu direito a moradia, educação e saúde. Hobbes poderia dizer que no Brasil o dever fundamental do estado em garantir segurança aos seus cidadãos não é cumprido e isso os desobriga de cumprir com o contrato social.
Locke, sobre o caso de Pinheirinho, diria que aquele espaço não foi conquistado com base no trabalho, mas em manobras de especuladores e criminosos do colarinho branco. E se os moradores locais trabalharam e promoveram benefícios ao lugar, construindo sua casa com seu próprio trabalho, isso deve ser mais valorizado que o termo de posse conquistado com base em manobras jurídicas. Rousseau argumentaria que o direito republicano dos cidadãos torna-os obrigados a contrariar o governo e que a propriedade privada neste caso é antirrepublicana.
No curso básico de pensamento político clássico, ainda teríamos uma discussão sobre Maquiavel. Bem, o caso de Pinheirinho, visto sob a ótica maquiavélica, é um exemplo de como o Príncipe não deve se comportar. Precipitada, mal dirigida, escandalosa e desnecessária foi a reintegração de posse. Provocou crise com os moradores, tornou-se manchete dos veículos de imprensa, desgastou a relação entre governo estadual e federal. Então, usando a frase famosa e maquiavélica: os fins justificam os meios? Engana-se que responde sempre sim. Em geral não, os fins justificam os meios somente quando esses fins levam em consideração o bem público. A reintegração de posse foi muito mais um exercício exagerado de autoridade, que não fez com que o Príncipe fosse amado ou respeitado, mas odiado. Ou seja, nenhuma das lições contidas em Maquiavel foi assimilada neste caso e a real politik foi abandonada em função de interesses absolutamente obscuros.
Falando especificamente da experiência brasileira, qualquer pessoa minimamente envolvida com as políticas de urbanização e desocupação de zonas irregulares sabe que os procedimentos são diferentes. Em primeiro lugar, quando se trata de uma ocupação irregular, a única justificativa plausível para a retirada das famílias é se o terreno é uma área de risco ou um espaço de preservação ambiental. Encostas e regiões ribeirinhas ocupadas não são prioridades dos ocupantes. O Estado deve providenciar a desocupação.
De outro lado, quando a região não é de risco, outras atitudes devem ser cogitadas e a primeira delas é considerar a manutenção das famílias nos locais e a urbanização das áreas, com a iluminação pública, a abertura de vias de trânsito, a regularização do fornecimento de água e luz e a garantia de tratamento do esgoto. Remoção das famílias tem que ser negociada, combinada, acertada e garantida com outras possibilidades. Se não acontece desta forma, o governo esta suscetível às criticas e o motivo é bastante simples: é obrigação de o Estado gerar moradias antes mesmo de garantir o direito de acumulação para especuladores. Alguém duvida dessa hierarquia em relação às prioridades de direitos?
A propaganda em favor da barbárie promovida pela desocupação tenta inverter a culpa e levar a população a crer que quem está em favor da comunidade do Pinheirinho é arruaceiro, quer rasgar a Constituição, não quer saber dos direitos na sociedade. Mas se levarmos o direito republicano a sério é justamente o contrário: defender a comunidade do Pinheirinho é defender a Constituição e os direitos sociais no Brasil – apesar de o Estado querer convencer as classes médias a defender o interesse de alguns poucos privilegiados.

Os PSDBs

por Marcos Coimbra*

extraído do blog do NOblat, de 11/03/12.

Com apenas 20% da bancada federal e um governador entre oito, o PSDB de São Paulo tem um destaque desproporcional na imagem nacional do partido.
Isso já foi bom para os tucanos Brasil afora. Hoje, no entanto, deixou de sê-lo.
A seção paulista sobressai por dois motivos. De um lado, por razões históricas, pois foi lá que o partido surgiu. Os primeiros peessedebistas de expressão nasceram ou fizeram carreira política no estado.
Foram paulistas todos os candidatos a presidente que o PSDB apresentou, Mário Covas, Fernando Henrique, Geraldo Alckmin e José Serra.
Uns mais, outros menos, fizeram campanhas usando amplamente - e até abusando - das referências a São Paulo. Especialmente nas duas últimas eleições presidenciais, Serra e Alckmin disseram-se qualificados a governar o Brasil mostrando o que tinham feito quando ocupavam o Palácio dos Bandeirantes.
Rechearam seus programas de televisão com cenas de obras, rodovias, hospitais e escolas paulistas, ao ponto que espectadores menos atentos ficavam confusos e imaginavam que eles concorriam ao governo estadual - como se percebia nas pesquisas qualitativas feitas à época. Para o cidadão comum, São Paulo e PSDB tornaram-se quase sinônimos.
A predominância do PSDB paulista é também decorrência de ser do estado boa parte dos principais veículos nacionais de comunicação. Por razões defensáveis ou puro bairrismo, dão ao dia a dia local e a seus personagens uma importância exagerada - do ponto de vista dos leitores e espectadores de outras regiões.
Alguns de seus comentaristas acham que tudo de relevante que há no Brasil acontece na esquina da Ipiranga com a Avenida São João.
Por isso - e mais o significado de São Paulo na vida nacional, o tamanho de sua população e eleitorado -, temos o descompasso. O PSDB paulista parece maior do que é.
Na época de Mário Covas, todo o partido ganhava com essa situação. Na eleição de Fernando Henrique e ao longo de seu primeiro governo, também.
De uns tempos para cá, no entanto, isso mudou. Agora, os tucanos do resto Brasil pagam um ônus pelo que seus correligionários paulistas dizem e fazem.
O pior, para o partido, é que muitos de seus líderes e filiados - na verdade, a maioria - não pensam da mesma maneira. São peessedebistas, mas de outro estilo.
Se o PSDB não-paulista prevalecesse - de Aécio, Anastasia, Beto Richa, Marconi Perillo, Téo Vilela, dos governadores do Norte, de bons senadores e deputados -, é possível, por exemplo, que, desde 2010, o partido já fosse diferente. O mineiro poderia ter sido o candidato, o que teria alterado a dinâmica da eleição.
É provável que Dilma tivesse igualmente vencido. Mas a pós-eleição não seria igual. Aécio, pelo que se conhece, não faria uma campanha como a de Serra e não se alinharia com o que existe de mais retrógrado em nossa sociedade. E o PSDB possuiria um nome nacional para 2014, com perspectiva de futuro.
Neste começo de 2012, o PSDB paulista volta a sinalizar negativamente e a envolver o partido como um todo nas suas indecisões e recuos. A novela da escolha do candidato a prefeito da capital em nada contribui para melhorar sua reputação.
Iam fazer prévias e a militância se animou. Quiseram trocá-las pelo lançamento da candidatura de Serra, o “grande nome” que as dispensaria. Mas dois pré-candidatos não cederam - pelo menos, por enquanto. Agora, é Serra quem tenta bombardeá-las, para que não exponham o tamanho de sua liderança.
Seus confidentes revelam que, se for eleito, preferirá fazer a campanha de Dilma à de Aécio. Ou que sairá do partido e fundar o dele. Ou que ficará na prefeitura enquanto espera que Aécio seja derrotado por Dilma em 2014, para voltar a concorrer em 2018. Ou que continuará tentando ser candidato a presidente já em 2014 - pouco se importando em deixar a prefeitura, outra vez, com apenas 15 meses.
Alckmin não quer - ou não consegue - exercer a autoridade maior do partido no estado. Fernando Henrique anda tão ocupado com coisas transcendentais que parece nem se dar conta do que acontece em seu torno.
E assim, enquanto os tucanos paulistas dão cabeçadas, quem sofre é a já combalida imagem nacional do PSDB.

* sociólogo e presidente do Instituto Vox Popu

domingo, 11 de março de 2012

Escândalo na Justiça: CNJ investiga esquema milionário em fundação de tucanos mineiros

copiado do blog Correio do Brasil, de 08/03/12.

Parente
Renato Parente é alvo de uma investigação no CNJ



A denúncia do jornalista Leandro Fortes, da revista Carta Capital, acerca da ação do funcionário do Tribunal Superior do Trabalho Renato Parente, levará o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a uma averiguação quanto ao repasse de recursos da Fundação Renato Azeredo, com sede em Belo Horizonte. Segundo fonte ouvida pelo Correio do Brasil, na condição de anonimato, o Conselho pedirá informações ao Ministério Público de Minas Gerais sobre as transferências do Poder Judiciário à fundação presidida por um ex-assessor especial do então governador Aécio Neves, no valor de R$ 23,3 milhões.
Segundo apurou o jornalista, “Renato Parente é um assessor especialmente influente nos tribunais superiores. Foi fiel escudeiro de Gilmar Mendes no Supremo Tribunal Federal (STF) e até pouco tempo ocupava a chefia da comunicação do Tribunal Superior do Trabalho, presidido por João Oreste Dalazen. Por uma questão formal, Dalazen rebaixou Parente de função, mas manteve seus poderes, que consistem basicamente em administrar as verbas do setor no TST, naco de um filão milionário do Poder Judiciário onde reina a Fundação Renato Azeredo, de Minas Gerais. Trata-se de um eficiente sorvedouro de dinheiro público comandado pelo PSDB”.
Ainda segundo o texto, o objetivo inicial da Fundação Renato Azeredo, criada em 1996 com o nome do pai do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), era o de auxiliar projetos de pesquisa da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG). A instituição, de direito privado e sem fins lucrativos, a partir de 2003, bateu recordes de faturamento.
“Apenas em Minas Gerais, entre 2003 e 2011, a Fundação Renato Azeredo faturou R$ 212,1 milhões de verbas repassadas diretamente do governo de Minas, graças a contratos firmados em gestões tucanas, duas de Aécio Neves e, desde o ano passado, a de Antonio Anastasia. A fundação é presidida pelo farmacêutico Aluísio Pimenta, ex-assessor especial de Aécio. Sob pretexto de notória especialização, a fundação sempre foi contratada pelos governos tucanos sem licitação. Na primeira gestão de Neves, por exemplo, a entidade recebeu cerca de R$ 20 milhões, limpos, dos cofres estaduais, para serviços em área de comunicação social”, apurou Leandro Fortes.
A tevê estatal mineira, a Rede Minas, repassou à Fundação Renato Azeredo, por transferência direta, R$ 17,6 milhões, também em quatro anos. Os dados que serão pedidos por setores do CNJ ao governo mineiro estão contidos na investigação ainda em curso no Ministério Público Estadual, que detectou, em 2008, uma transferência de R$ 23,3 milhões. “Mas nada comparado ao ano eleitoral de 2010, quando a Renato Azeredo levou uma bolada de R$ 51,7 milhões, R$ 35,9 milhões dos quais apenas no primeiro semestre, às vésperas das eleições. Os promotores suspeitam que a fundação possa ter substituído o esquema de caixa 2 montado por Eduardo Azeredo com o publicitário Marcos Valério de Souza, mais tarde importado pelo PT e revelado no chamado ‘escândalo do mensalão”, acrescenta Fortes.
“Ao contrário dos promotores mineiros, os procuradores da República em Brasília ainda não atinaram para o mesmo esquema montado no Poder Judiciário Federal, com verbas da União. Desde 2010, a Fundação Renato Azeredo passou a substituir outro baluarte do tucanato, a Fundação Padre Anchieta, responsável pela TV Cultura, de São Paulo, até então dona das contas de comunicação social do Supremo Tribunal Federal (STF), Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Superior Tribunal de Justiça (STJ). Sem aviso e sem justificativa, naquele ano eleitoral, a fundação do tucano paulista decidiu abandonar os tribunais e abrir espaço para a coirmã mineira, num esquema de revezamento pouco sutil”, relata o jornalista.
Fratura exposta
No STJ, de acordo com a matéria, “a Fundação Renato Azeredo ganhou, sem licitação, em 2010, um contrato de R$ 10,5 milhões por ano (depois reduzido para R$ 6,6 milhões). Foi beneficiada por decisão do ex-presidente do tribunal César Asfor Rocha, amigo dileto do ministro Gilmar Mendes, do STF, fundamental para garantir a presença de Renato Parente na história”.
– Renato Parente é a fratura exposta de um sistema que usa, no Poder Judiciário, as áreas de comunicação social para arrecadar fortunas em contratos fajutos e mal fiscalizados. Por 20 anos, ele fraudou esse mesmo sistema, com um currículo falso, mas se mantém prestigiado por conta de um apadrinhamento político, no mínimo, estranho: Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello – afirmou Fortes.
Procurado no TST, Parente não foi encontrado em seu local de trabalho, mas coube ao coordenador da assessoria de imprensa, Alexandre Machado, confirmar que ele é funcionário da repartição e estaria movendo um processo contra o jornalista de Carta Capital. A questão, porém, era pessoal e Machado, que somente poderia falar em nome do Tribunal, não teria dados sobre a ação. O Tribunal, no entanto, não movia até aquele momento nenhuma ação contra Fortes, segundo o assessor.
Em uma rede social, Fortes reforça que Parente seria “um afilhado funcional do ministro Gilmar Mendes, do STF, que passou os últimos 20 anos ocupando ilegalmente cargos comissionados no Poder Judiciário de posse de um currículo falso, no qual afirmava possuir um diploma de curso superior que nunca teve. Pego pela burocracia do TST, onde foi flagrado defendendo interesses de uma fundação tucana, Renato Parente já tem uma estratégia de defesa para tentar se safar: me processar! Por que será que não estou surpreso?”, escreve o jornalista.
No próprio CNJ, que agora passa a investigar as denúncias contra Parente, “a Fundação Renato Azeredo foi contratada também sem licitação, em 8 de março de 2010, durante a gestão de Gilmar Mendes, por um prazo de seis meses”, revela o jornalista. O valor desse primeiro contrato teria sido de R$ 1,6 milhão. Em 22 de setembro de 2010, o contrato fora renovado automaticamente por um ano, pelo valor de R$ 4,2 milhões, “situação que se mantém até agora”, afirma a matéria.
No Supremo, com a saída da Fundação Padre Anchieta, assim que assumiu o lugar do presidente Gilmar Mendes, Cezar Peluso teria promovido uma licitação, vencida pela Fundação Legião da Boa Vontade (LBV), de Brasília, em julho de 2010. Esta, porém, fora desqualificada “por não conseguir preencher os requisitos técnicos para a produção de noticiários para a TV e a Rádio Justiça, mantidas pelo Supremo. Classificada em segundo lugar, a Fundação Renato Azeredo levou o contrato de R$ 15 milhões”, relata Fortes.
“No TSE, a fundação mineira também venceu a concorrência e abocanhou dois contratos. Um, de junho de 2010 a junho de 2011, de R$ 4,2 milhões. Outro, a vencer em junho próximo, de R$ 3,1 milhões. A diferença de R$ 1,1 milhão é parte de uma regra do Tribunal que garante valores maiores para contratos firmados em anos eleitorais”, apurou.
Parente surgiu como elo nos processos milionários apenas no ano passado, “quando a burocracia interna do TST descobriu que, desde 1992, ele ocupa cargos comissionados de nível superior dentro do Poder Judiciário sem nunca ter-se formado em nada, apesar de se apresentar como jornalista e publicitário”, escreveu o repórter. “Mesmo sem diploma, ele disponibilizou currículos fraudulentos nos quais constava a seguinte informação: Graduado pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)’, de São Paulo. Há seis meses, uma ligação do TST para a direção da famosa escola paulista bastou para desmontar a farsa”, acrescenta.
“Técnico judiciário de nível médio do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, Parente foi assessor de imprensa do juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, responsável por desvio de dinheiro das obras do tribunal em 1998. Em 2001, sempre montado na história do falso diploma, foi levado pelo ministro Marco Aurélio Mello para o STF, para assumir a Secretaria de Comunicação Social. Em 2006, ainda pelas mãos de Mello, passou a ocupar o mesmo cargo no TSE. Nas duas oportunidades, contratou, sem licitação, a Fundação Padre Anchieta, subordinada ao tucanato paulista”, apurou.
E acrescenta: “Em 2008, Parente tornou-se o braço midiático do então presidente do STF, Gilmar Mendes, de quem passou a zelar como se fosse um capataz. A um repórter, no Acre, que ousou perguntar se Mendes era pecuarista, Parente ofereceu um pisão no pé. Em 2009, a pedido do chefe, conseguiu censurar temporariamente um programa da TV Câmara, no qual o autor desta matéria fazia críticas ao seu padrinho e patrão”.
Segundo o Diário Oficial da União, Parente foi exonerado “a pedido”, em 29 de dezembro de 2011, numa tentativa “desesperada de evitar o vazamento da informação sobre a fraude funcional”, revela a matéria. “No mesmo ato, Parente virou chefe de um “Núcleo de Comunicação Institucional”, que, como o nome indica, não significa nada. Na verdade, a solução interna achada pelo ministro Dalazen (lembrete: presidente do Tribunal Superior do Trabalho!) foi fazer com que um subordinado de Parente, o jornalista diplomado Alexandre Gomes Machado, passasse a assinar os papéis da secretaria e a responder, jurídica e administrativamente, por um cargo que não exerce”, disse Fortes. Machado preferiu não responder à entrevista do Correio do Brasil, por telefone, e pediu que as perguntas sobre as denúncias contidas na matéria de Carta Capital lhe fossem enviadas por mensagem eletrônica.
“O assessor tentou fixar o dia 7 de janeiro como data de exoneração porque há ao menos um documento interno assinado por Dalazen, datado de 6 de janeiro, para emissão de passagens aéreas e diárias para o ‘secretário de Comunicação Social’ Renato Parente”. O texto, ao qual a revista teve acesso pelo site do TST, “refere-se à emissão de passagens e diárias relativas a uma viagem a Caucaia (CE)”, segue adiante a matéria.
Outro fato que denuncia a ação de Parente, segundo apurou o jornalista, ocorreu no ano passado. Ele tentava levar a Fundação Renato Azeredo para o TST, sem licitação, mas foi impedido “pela burocracia, que o obrigou a realizar um pregão eletrônico”, relata Fortes. “Tropeço do acaso, algum funcionário da fundação tucana não conseguiu apresentar a proposta da entidade a tempo, pela internet. A solução encontrada foi a de melar o processo e impedir que a empresa vencedora, a AP Comunicação, de Brasília, ganhasse o contrato, orçado em R$ 8,8 milhões por ano, por cinco anos”.
“A agência vencedora foi enganada: um informe enviado pela internet depois do expediente deu 15 minutos a ela e a quatro outras classificadas para apresentar um plano de execução de serviços de produção de vídeo. Na manhã seguinte, os concorrentes souberam que tinham sido retirados do processo. A AP, contudo, entrou com um mandado de segurança para permanecer no páreo, mas Parente nem deu bola. Revogou o pregão sob a justificativa de que a proposta da agência vencedora era muito alta. Outra mentira: o edital publicado pelo tribunal estabelecia o valor do contrato em R$ 10 milhões”, conclui.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Flavio Koutzii: Orçamento Participativo é dívida do governo Tarso

Entrevista realizada pelos jornalistas Guilherme Kolling e Paula Coutinho, publicada hoje (5) no Jornal do Comércio:

 


Um dos quadros mais respeitados do PT gaúcho, Flavio Koutzii deixou o Palácio Piratini após um ano como secretário de Estado na Assessoria Superior do Governador, por razões pessoais. Fora do governo, ele elogia iniciativas do primeiro ano da gestão Tarso Genro (PT), como reajustes salariais ao funcionalismo e a busca de empréstimos para investir. Num contexto de crise internacional e cortes em países da Europa, Koutzii destaca medidas do petista para preservar direitos, nas quais ele inclui o projeto de reforma da previdência, barrado no Judiciário. Entretanto, nesta entrevista ao Jornal do Comércio, observa que o governo Tarso ainda tem “uma dívida” por não ter implementado o Orçamento Participativo – adotado no governo Olívio Dutra (PT, 1999-2002) e que deu destaque às gestões petistas na prefeitura da Capital.





Jornal do Comércio – Um dos temas caros ao governador é a participação popular. Mas o Orçamento Participativo (OP) ainda não foi implementado.
Flavio Koutzii - Implantar o Orçamento Participativo ainda é uma dívida do governo do Estado, (o OP) é um processo extraordinário.
JC – Mas outros mecanismos de participação foram criados na gestão. Não substituem o OP?
Koutzii – De jeito nenhum. Cada um tem o seu valor específico, podem ser até inovadores, mas não substituem (o OP). O Gabinete Digital, por exemplo, tem uma sintonia com possibilidades de comunicação virtual, que são cada vez mais atuais e necessárias. Mas o OP tem um elemento nuclear que consiste no vínculo direto entre o cidadão e decisões sobre uma parte do orçamento do Estado, através de um sistema organizado e interativo. Para muitos, se transformou num pequeno novo degrau de cidadania. Houve algumas deformações…
JC – Houve um certo aparelhamento ao longo dos anos?
Koutzii – Que, às vezes, nem era partidário. O sujeito virava “o cara do OP”. Acho difícil até haver atividade humana em que isso não aconteça. Mas (o OP) tem uma vitalidade fundamental. E cheguei a ler que há uma orientação explícita do governador para acelerar (sua implementação).
JC – O governador diz que um dos eixos do governo é tornar o Estado referência internacional em participação. Sem o OP isso é possível?
Koutzii – Acho que não.
JC – E de uma maneira geral, como avalia o governo Tarso e a conjuntura política do Estado?
Koutzii - A primeira coisa que chama atenção é a situação mundial. Nos anos 1990, houve a materialização das divergências entre o campo popular nucleado pelo PT e a nova onda neoliberal que elegeu seus presidentes – Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso. De lá para cá, já tivemos a gigantesca crise de 2008 e estamos desde o ano passado vivendo uma espécie de degradação profunda de grande parte dos países europeus. A Grécia está se transformando em um protetorado da banca europeia e alemã. Aquele modelo (neoliberal) está dando no que está dando. O fato de que os governantes foram substituídos por outros diretamente ligados à esfera financeira mostra que cada vez mais os interesses do mercado aumentam e cada vez menos os interesses e os direitos da população permanecem.
JC – Tarso Genro fala em “governos de joelhos para o capital financeiro internacional”.
Koutzii – É uma expressão utilizada por ele, assim como citou Chico Buarque: “Tornar essa terra um imenso Portugal”… Então, aqui as coisas se encontram, se as condições para governar o Estado são mais ou menos com as dificuldades que sabemos, de crise estrutural, então vamos ter duas “mágicas” iniciais: a primeira, caminhamos por um discurso de governo no qual não priorizávamos o lado da crise nem o habeas-corpus de alguns meses dando explicações. E isso balizou o jeito com que o governo vai se comportar. Criamos um ritmo de iniciativas e de lógicas, um privilégio, já que no primeiro ano de governo vamos alcançar uma série de resultados significativos, comparado aos anos anteriores.
JC – Quais resultados?
Koutzii – Anunciamos, antes de assumir, empréstimos na ordem de R$ 2,1 bilhões e eles se materializaram. Fomos o primeiro Estado a chegar ao Bndes (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e ao Bird (Banco Mundial), isso já estava elaborado no final da campanha (de 2010). Outra coisa muito marcante é a inflexão para dar um jeito nesta balança dura: como lidar com o mínimo de reposição salarial sem a unilateralização de investimentos. Conseguimos garantir a chegada dos empréstimos incluindo aquela pendenga de 20 anos que envolvia a CEEE. Não é um dinheiro do governo, mas permite também desafogar a situação. São resultados financeiros que garantem um patamar básico para incrementar certas linhas de investimento, como o das estradas.
JC – E o funcionalismo?
Koutzii - Oferecemos 10,5% para o magistério no terceiro mês do primeiro ano de governo. E no terceiro mês do segundo ano colocaremos mais 23%. Também informamos o nosso plano para 2014. Claro que existe essa polêmica sobre o índice de cálculo para alcançar o piso nacional (INPC ou Fundeb), mas é extremamente importante que o professor terá, descontando inflação, um acréscimo real de salário de mais de 50%. Claro que é pouco frente à gigantesca defasagem, mas é muito frente à capacidade de resposta parcial que vários governos deram. Ou seja, somos contrários à política que se desenvolve na Grécia e Portugal, a política de redução de direitos.
JC – Ao citar essas medidas, o senhor quer dizer que o governo não cortou e rompeu com o dilema “investir ou repor salários”?
Koutzii – Isso. Esse governo não está dando as costas para o magistério, pelo contrário, está propondo em direção a uma meta dentro de limites. Me incomoda um pouco essa lógica… O papel do sindicato é defender as ideias que ele considera adequadas, mas o papel de um governo ou de um agente político é discutir o sentido das ideias. Ou seja, ser do Cpers não quer dizer que a realidade não conta. Quando tentam deixar tudo igual, “nada é melhor, tudo é porcaria”, a direção vai se enfraquecendo.
JC – Isso pode ser um rompimento do Cpers com o PT?
Koutzii – Isso é uma ideia (relação PT e Cpers) que a direita desenvolvia muito nos governos Antonio Britto (PMDB, 1995-1998), Germano Rigotto (PMDB, 2003-2006) e Yeda (Crusius, PSDB, 2007-2010). Os núcleos mais conhecidos de dirigentes (do Cpers) tinham filiação no PT, hoje há um peso maior do que antes de partidos como o P-Sol e o PSTU. Mas esse dilema vale para todos (governos). Vivi isso como chefe da Casa Civil no governo Olívio, era especialmente sensível para mim, que tinha lutas junto ao magistério. Eles não vão romper com o partido, alguém pode achar que sim… Mas acho que há uma espécie de disjuntor que desliga um pedaço da realidade de alguns líderes sindicais. Coloquei o quadro mundial porque isso reforça a necessidade, mesmo para lideranças sindicais, de perceber quem são os que têm mais proximidade com parte dos valores que eles defendem e quem são os que têm absoluta distância disso.
JC – O governo Tarso deu reajustes e vai investir. Mas isso será feito com empréstimos. E o Estado já deve mais de R$ 40 bilhões. Até quando isso é sustentável?
Koutzii – O drama é real e estrutural. As receitas são diferentes: no governo anterior (Yeda Crusius) era o “déficit zero”, o caixa estar equilibrado e não aumentar o buraco. Nós estamos mais interessados no “buraco da vida de cada um”. É uma diferença gigantesca, por isso, acho muito válido esse esforço que fizemos. É claro, isso vai aumentar o volume da nossa dívida, mas destaco o fato de que o tema da dívida não tem solução nos termos em que está, nem para nós nem para os outros estados, é impagável. Não tem como escapar de uma renegociação da dívida nos próximos anos, alterando seus termos. Para começo de conversa, deixar de ter aqueles 13% obrigatórios (da receita do Estado para pagar a dívida com a União).
JC – Neste momento, aumentar a dívida pode ser positivo?
Koutzii – É positivo porque dinamiza a capacidade de investir, de ter um volume mais respeitável aos assalariados no Estado. Então, todos esses elementos são ativantes e positivos, com a ressalva de sermos obrigados a aumentar a dívida. Mas, ao mesmo tempo, existe um elemento da dinâmica econômica que ajuda em geral o Estado em vários compartimentos.
JC – O projeto de reforma da previdência de 2011 não é contraditório à tese de preservar direitos dos trabalhadores?
Koutzii – Não, pelo contrário. Estamos falando de um drama estrutural, um desequilíbrio profundo na arrecadação. Nossa tradição política sempre foi de tentar defender isso como um direito indiscutível das pessoas. Mas nos diferentes governos, quase ninguém conseguiu passar de uma preliminar. É singular e notável que esse governo, no primeiro ano, deu um primeiro passo no assunto mais difícil, que mexe com interesses legitimíssimos das pessoas. E graças ao arco de alianças mais amplo que lhe dá base – que outros governos tiveram, mas a prova de como era difícil é que provocava fraturas na sua base – consegue aprovar. Então, passo um, o Executivo projeta e envia; dois, o Legislativo aprova; três, o Judiciário bomba. A modificação de alíquota (de contribuição para a previdência, que foi reajustada, mas com um redutor para salários menores) foi o que os desembargadores contestaram. E tinha a criação da previdência complementar, uma medida razoável, mas o combate completo a isso tenta mistificar dizendo que é “privatização”, mas não era. Nosso projeto tinha uma cláusula específica para não acontecer o que houve outras vezes, Britto e Yeda criaram fundo previdenciário e, perdendo a eleição, resolveram pagar contas com esse dinheiro. Então, o projeto permite manter o Instituto da Previdência e não o desvitalizar a cada ano. Quero registrar de forma muito crítica essa decisão do Judiciário gaúcho. Não por ser um doutor que sabe mais de leis do que eles, porque não sei. A questão é um pouco mais profunda.
JC – Em que sentido?
Koutzii – Um tema dessa magnitude é central para a sociedade. A desmoralização completa ou a falência futura do sistema da previdência são uma derrocada para a sociedade. E o Judiciário nos fez voltar à estaca zero. O fundo complementar e um aumento pequeno de alíquota apenas estancam a hemorragia. É muito dramático. Certas decisões acabam desvitalizando a democracia, porque se os caminhos legais, institucionais, são esses e em um poder fundamental do tripé, que é o Judiciário, não passa… E já digo, preliminarmente, que provavelmente do ponto de vista de amparo legal não se tem dúvida. Mas também não se tem dúvidas de que as grandes Cortes decidem sobre as coisas com uma grande possibilidade de prosperar na sociedade para o lado positivo.
JC – O governo Tarso apresentou projetos de ampliação de incentivos fiscais via Fundopem. O PT mudou?
Koutzii – O PT não sei, o governo sim…
JC – E sua posição sobre os incentivos fiscais?
Koutzii – Continuo pensando o mesmo, prós e contras. A Grécia é a expressão mais aguda dessa lógica de concessão crescente de competências do Estado para o setor privado. Como está posto no caso da Andrade Gutierrez (na questão da Copa), que é emblemático. E esse é o padrão, não é uma exceção! Parecia uma sociedade secreta, não se comunicava, quase uma máfia, mamando em dinheiro público… Achei formidável a reação do Banrisul. É um fato ruim, mas legal do ponto de vista de maturidade política, a opinião pública entendeu que o banco estava correto. Como vai emprestar sem garantia? O que me impressionou foi a desfaçatez da empresa, que é uma multinacional, ter avaliado a questão com tanta ignorância e desprezo à realidade do Estado. Mas essa lógica chantagista – “e tu me dá tudo porque te darei a graça de construir esse negócio” – é a mesma que eu via das montadoras. Não há diferença na lógica de base. Pelo menos a montadora construiu e produziu. Agora (no caso da Andrade Gutierrez) temos uma situação em que não sabemos como vai terminar (se vai reformar o estádio Beira-Rio).

Entrar em pânico


texto publicado no blog Política para Políticos



A alegria da vitória só encontra paralelo na profunda tristeza, carregada de culpa, da derrota. Só quem já experimentou as duas sensações, pode avaliar devidamente a intensidade dos dois sentimentos. É um jogo sustentado pela esperança. Esperança mesmo quando as razões para ela desaparecem. A derrota é a sentença definitiva: não há mais espaço para esperança.

Se o edifício da racionalidade de sua campanha começa a balançar, não deixe o pânico tomar conta.
Antes de começar, a campanha é toda ela racionalidade: qual o posicionamento mais adequado, qual o “foco” da candidatura, o que corrigir na imagem do candidato, como planejar a agenda de visitas e viagens, etc.
Iniciada a campanha, todo aquele edifício de racionalidade começa a balançar, pelo fato de que os outros candidatos começam o seu trabalho. O candidato começa então a comparar o que seus adversários fazem, com o que sua campanha está fazendo. Ele fica, a partir de então, sujeito à duas pressões: manter o curso definido, mesmo que os resultados não apareçam imediatamente, ou seguir as pistas do que os outros estão fazendo, e que lhe parece que está funcionando.
Com o andamento da campanha aquela racionalidade inicial então, ainda que seja mantida, fica “sitiada” pelos sentimentos. O candidato fica cada vez mais irritável, impaciente, insatisfeito. O tempo, inexorável na sua marcha rumo ao dia da eleição, intensifica a ansiedade, e agrava os inevitáveis erros.
É nesse momento que as pesquisas podem vir a se tornar a “tortura” do candidato. Como expressão da “realidade verdadeira”, cada pesquisa é aguardada com enorme ansiedade. Se os resultados são bons, uma onda de tranqüilidade e otimismo passa do candidato para todos os seus auxiliares. Mesmo que se policiem, o pensamento da vitória se insinua na campanha.
Se os resultados são ruins, o grau de tolerância varia na razão inversa da proximidade da eleição. Se ainda falta bastante tempo, há paciência para reuniões e discussões, nas quais busca-se interpretar as razões do insucesso, e as medidas para reverter o quadro.
O pânico se instala na campanha, quando fica impossível de não reconhecer que:
    1 - há uma evidente tendência de queda nas pesquisas, ou uma estabilidade em patamar baixo que não reage às tentativas feitas; 2 - o tempo que resta, até o dia da eleição, tornou-se exíguo e reduzido.
Nestas situações, a possibilidade do pânico vir a se instalar, é muito elevada. A iminência da derrota desencadeia comportamentos irracionais. O candidato que começou com expectativas moderadas, comporta-se como se não mais admitisse a hipótese da derrota. Instalado o pânico, as decisões são tomadas de forma imediatista e emocional quando, mais que nunca, se necessita de serenidade, objetividade e frieza. A tendência quase invariável é buscar identificar o culpado (dentro ou fora da equipe de campanha) ao invés de buscar as causas reais do insucesso.

Se o pânico tomar conta da campanha, as decisões são tomadas de forma imediatista e emocional.
A principal conseqüência do pânico, é a desconfiança, ou píor ainda, o pensamento estratégico pelas ações que parecem prometer resultados imediatos. A campanha perde seu eixo, sem substituí-lo por outro, e aceita ser pautada pela dos adversários e pelas pesquisas.
Abandonada a perspectiva estratégica, busca-se a solução mágica, aquela que adotada, produz resultados imediatos. Este é o momento em que as velhas controvérsias voltam à tona, não mais como opções estratégicas, mas como “remédio salvador”. Divergências, por exemplo, sobre:
  • Atacar ou não atacar
  • Usar a emoção na publicidade ou apresentar propostas
  • Fazer promessas impactantes ou manter o princípio da responsabilidade
  • Denunciar os institutos de pesquisa ou agüentar calado
  • Explicar “aquela questão pendente” sobre a candidatura ou continuar evitando-a, para não parecer defensivo
  • Cancelar outras programações e ir para as ruas buscar o eleitor ou manter seu planejamento
  • Usar o debate para reverter o quadro (obrigação de ganhar o debate) com um lance ousado ou não
O importante a assinalar é que estas e outras decisões cruciais, numa situação de pânico, tendem a ser analisadas num clima passional, exigindo resultados imediatos, e não mais na atmosfera racional e objetiva, que é o pré-requisito indispensável para uma decisão estratégica. Dificilmente uma campanha reencontra seu rumo, depois de instalado o pânico. Por isso, tente evitá-lo.
Primeiro identificando os problemas antes de eles se tornarem graves, e, se isso não for possível, conquistando, pela disciplina, a serenidade necessária para um encaminhamento racional da crise. Em qualquer hipótese, nunca é demais recordar que a derrota faz parte do jogo, que é o desfecho normal para a maioria dos candidatos, que ninguém ganha sempre, e que haverá outras eleições para disputar e ganhar.
O fato de você não ganhar não significa necessariamente que o eleitor o rejeitou. A conjuntura política de cada eleição é sempre única, e sempre favorece mais alguns candidatos que a outros. Sua obrigação não é ganhar, e sim a de fazer uma campanha competente e competitiva, que dê ao eleitor a melhor alternativa que você pode oferer-lhe. A decisão final é dele.

domingo, 4 de março de 2012

Nacionalizando São Paulo

por Marcos Coimbra*

Chega a ser comovente a satisfação com que alguns setores da sociedade paulista receberam a decisão de Serra de disputar as eleições este ano. Desde o dia em que fez o anúncio, estão em êxtase.
Foi nítido o aplauso de alguns veículos da grande imprensa da cidade. Editoriais e colunistas celebraram o gesto “de estadista” do ex-governador, com o entusiasmo de quem noticia um fato de importância capital para o Brasil.
Na internet, seja nos blogs da direita, seja nas manifestações “espontâneas”, viu-se um clima que misturava júbilo e animosidade. Vinha daqueles que se sentiam órfãos de uma candidatura que “enfrentasse” o “lulopetismo”. Ficaram felizes quando seu campeão se dispôs a entrar no páreo.
Serra - não fosse ele quem é - parece estar se sentindo bem no papel que lhe está sendo oferecido. Tudo que mais quer é (re)assumir o posto de “líder nacional que luta contra Lula e o PT”.
É como se o passado recente, o presente e o futuro se entrelaçassem em uma só história. Nela, 2012 é apenas uma etapa - em si desimportante - no meio do caminho entre 2010 e 2014.
No discurso em que comunicou a decisão de concorrer, foi explícito: seria candidato para, eleito, impedir, com o “peso e a importância que tem São Paulo”, o “avanço da hegemonia de uma força política no país”, assim solucionando os “dissabores que o processo democrático tem enfrentado” (seja lá o que for que chama “dissabor”).
A proclamação de que entrou na disputa para “conter o avanço do PT” foi logo recompensada. No dia seguinte, o maior jornal conservador da cidade saudou a “federalização” da eleição, dizendo que o gesto de Serra “reanima (sic) a possibilidade (...) de existência de uma alternativa ao lulopetismo no comando dos destinos nacionais”.
Para o ex-governador, rasgou seda: “José Serra cria um fato político que transcende os limites do Município”.
Enquanto prosperava essa troca de amabilidades sob a luz dos holofotes, nos desvãos da internet o tom era mais pesado, ainda que com conteúdo semelhante.
Depois de meses amuados, também os ciber-brucutus do serrismo se sentiram “reanimados” pela perspectiva de derrotar os adversários. Os radicais se alvoroçaram.
Parece perfeito: um político que se oferece para fazer aquilo que um segmento da sociedade almeja e diz o que essas pessoas querem ouvir. Serra deseja ser candidato para derrotar o “lulopetismo” e há quem torça para que a eleição de São Paulo seja isso. Qual o problema?
O problema é que nem ele, nem seus amigos veem a eleição de prefeito como um fim (mas os eleitores sim).
Ou faria sentido “enfrentar o lulopetismo” tomando conta da prefeitura? Administrando a Guarda Municipal, a merenda escolar, o transporte público? Lidando com camelôs e perueiros? Distribuindo uniformes escolares? Tentando acabar com os congestionamentos no trânsito? Construindo piscinões?
Pode haver - e há - quem queira ver sangue no embate PSDB vs. PT. A dúvida é se o ringue apropriado é uma prefeitura - mesmo a de São Paulo que é, apenas, maior que as outras.
Na hora em que a campanha levar o ex-governador ao Jardim Elba, em Sapopemba, o que ele vai dizer aos moradores? Que vai conter o “avanço do PT”? Como? Brigando com o governo federal, com Dilma e seus programas?
Ou vai fazer como em 2010, prometendo que manterá e melhorará iniciativas como o Bolsa-Família, o Prouni, o Minha Casa, Minha Vida? Que vai fazer tudo aquilo com que Fernando Haddad se comprometerá, só que com mais “competência”, pois tem mais “experiência”?
E na hora em que seu vigor anti-lulopetista arrefecer? Na hora em que voltar a ser o Serra de 2010, o “Zé que vai continuar a obra do Lula”?
Só há um jeito de Serra manter a contundência oposicionista que tanto agrada a seus amigos: convencer-se de que a eleição está perdida. Só nessa hipótese será coerente com o que esperam dele. 

* sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

sábado, 3 de março de 2012

O “desenvolvimentismo de esquerda”


Por José Luís Fiori

No Brasil, a relação entre a esquerda e o desenvolvimentismo nunca foi simples nem linear. Sobretudo, depois do golpe militar de 1937, e do Estado Novo de Getulio Vargas, que foi autoritário e anti-comunista, mas foi também responsável pelos primeiros passos do “desenvolvimentismo militar e conservador”, que se manteve dominante, dentro do estado brasileiro, até 1985. Neste contexto, não é de estranhar que a esquerda em geral, e os comunistas em particular, só tenham mudado sua posição crítica com relação ao desenvolvimentismo depois da morte de Vargas.
Não é fácil classificar idéias e hierarquizar instituições. Mas mesmo assim, é possível identificar pelo menos três instituições que tiveram um papel central, nos anos 50, na formulação das principais idéias e teses do chamado “desenvolvimentismo de esquerda”. Em primeiro lugar, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que apoiou a eleição de JK, em 1955, mas só no seu V Congresso de 1958, conseguiu abandonar oficialmente a sua estratégia revolucionária, e assumir uma nova estratégia democrática de aliança de classes, a favor da “revolução burguesa” e da industrialização brasileira, que passam a ser classificadas como condição prévia e indispensável de uma futura revolução socialista. Em segundo lugar, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), que foi criado em 1955, pelo governo Café Filho, e que reuniu um numero expressivo e heterogêneo de intelectuais de esquerda que foram capazes de liderar uma ampla mobilização da intelectualidade, da juventude, e de amplos setores profissionais e tecnocráticos, em torno do seu projeto nacional- desenvolvimentista, para o Brasil. Por fim, desde 1949, a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), produziu idéias, informações e projetos que influenciaram decisivamente o pensamento da esquerda desenvolvimentista brasileira. Mas apesar de sua importância para a esquerda, a CEPAL nunca foi uma instituição de esquerda.
Do ponto de vista político prático, no início da década de 60, a “esquerda desenvolvimentista” ocupou um lugar importante na luta pelas “reformas de base”, mas ao mesmo tempo, se dividiu inteiramente, na discussão publica do Plano Trienal proposto pelo ministro Celso Furtado, em 1963. Mas logo depois do golpe militar de 1964, a esquerda e o desenvolvimentismo voltaram a se divorciar, e sua distância aumentou depois que o regime militar retomou e aprofundou a estratégia desenvolvimentista do Estado Novo. Três dias depois do golpe, o ISEB foi fechado; o PCB voltou à ilegalidade e a própria CEPAL fez uma profunda auto-crítica de suas antigas teses desenvolvimentistas. Mesmo assim, apesar destas condições políticas e intelectuais adversas, formou-se na Universidade de Campinas, no final dos anos 60, um centro de estudos econômicos que foi capaz de renovar as idéias e as interpretações clássicas – marxistas e nacionalistas — do desenvolvimento capitalista brasileiro.
A “escola campineira” partiu da crítica da economia política da CEPAL, e de uma releitura da teoria marxista da revolução burguesa, para postular a existência de várias trajetórias possíveis de desenvolvimento para um mesmo capitalismo nacional. Por isso, a escola campineira fez sua própria leitura e reinterpretação do caminho específico e tardio do capitalismo brasileiro e dos seus ciclos econômicos E posicionou-se favoravelmente a uma política desenvolvimentista capaz de levar a cabo os processos inacabados de centralização financeira e industrialização pesada da economia brasileira. Hoje, parece claro que a “época de ouro” da Escola de Campinas estendeu-se da década de 70 até sua participação decisiva na formulação do Plano Cruzado, que fracassa em 1987.
É verdade que logo depois do Cruzado, e durante a década de 90, a crise socialista e a avalanche neoliberal arquivaram todo e qualquer tipo de debate desenvolvimentista, independente do que passou em Campinas. Mas parece claro que a própria escola recuou, neste período. E dedicou-se cada vez mais ao estudo de políticas setoriais e específicas, e para a formação cada vez mais rigorosa de economistas heterodoxos, e de quadros de governo. Seja como for, a verdade é que – com raras exceções — depois do Plano Cruzado, a “escola campineira” perdeu sua capacidade de criação e inovação dos anos 70, e a maioria de suas idéias e intuições originárias acabaram se transformando em fórmulas escolásticas. Por isto, não é de estranhar que neste início do século XXI, quando o desenvolvimentismo e a escola campineira voltaram a ocupar um lugar de destaque no debate nacional, a sensação que fica da sua leitura, é que o “desenvolvimentismo de esquerda” estreitou tanto o seu “horizonte utópico”, que acabou se transformando numa ideologia tecnocrática, sem mais nenhuma capacidade de mobilização social. Como se a esquerda tivesse aprendido a navegar, mas ao mesmo tempo tivesse perdido a sua própria bússola.