Da Carta Capital
por Delfim Netto, em 11/09/11.
por Delfim Netto, em 11/09/11.
O “mercado” sente-se injuriado! Os arrogantes
analistas que tão bem defendem os interesses dos clientes rentistas não
perdoam a ousadia do Banco Central de ignorar suas avaliações
“científicas” e fazer a baixaria de cortar em meio por cento a taxa
básica de juro, contrariando o consenso pacientemente costurado de
manter a Selic onde estava, aqueles confortáveis 12,5%.
As afirmações de que o BC abriu mão de sua “independência” ou
abandonou o sistema de metas de inflação para atender o governo, além de
irresponsáveis ofendem a memória alheia.
É interessante como se proclama a independência quando sobem os
juros; por que a sensação de perda apenas quando os juros baixaram? A
decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de cortar a taxa básica
de juro talvez tenha sido a primeira demonstração em muitos anos de um
BC independente perante o sistema financeiro privado, quer dizer,
voltar a ser um organismo do Estado brasileiro.
Isso revela que ele observou com cuidado os problemas da economia
internacional, foi profundo no exame da deterioração financeira dos
países-problema para tomar uma decisão autônoma, diante da convicção que
adquiriu sobre os riscos que temos pela frente. A realidade é que a
economia mundial está se despedaçando a olhos vistos e o melhor que o BC
tem a fazer é procurar se antecipar às consequências de uma dramática
redução do crescimento na grande maioria dos países.
Essa percepção de que é melhor não esperar acontecer parece ter sido a
grande mudança de postura entre o que aconteceu com o BC em 2008 e o
que está se processando agora. Naquela ocasião tivemos a oportunidade de
fazer um corte radical nos juros, o que teria evitado uma boa parte da
queda de crescimento do nosso PIB em 2009. Não o fizemos por um
excesso de prudência e também porque não tínhamos as informações que
talvez orientassem melhor o BC, como está acontecendo hoje.
A surpresa que tomou conta do tal mercado e produziu a raivosa reação
que estamos -vendo hoje foi simplesmente porque muitos autores das
análises pretensamente científicas não imaginaram que o BC poderia não
obedecer às suas conclusões. Estavam viciados em conduzir o Copom pela
coleira, convencidos de que era sua a visão privilegiada do mundo e não
tinha probabilidade de erro.
O BC agiu certo em não esperar mais para iniciar a redução da taxa
básica de juro. As medidas de natureza fiscal e de política monetária
adotadas recentemente pelo governo Dilma estão reduzindo a taxa de
crescimento do PIB mais depressa do que se esperava. Que efeito se
poderia tirar, então, das taxas de juro, ainda? Que controlem a inflação
ou derrubem mais o crescimento? Que contenham o consumo e produzam
desemprego?
Todos os bancos centrais têm obrigação de observar o nível da
atividade e sabem que mudanças na política monetária têm efeitos com
defasagens variáveis. Devem olhar, então, não apenas a taxa de inflação
futura, mas também para o ritmo de crescimento futuro da economia. E
não podem perder de vista a realidade das condições físicas objetivas,
que levam ao altíssimo custo social da tentativa de correção de
desajustes estruturais, reduzindo o crescimento do PIB à custa do
aumento da taxa de juro real, com o que se destrói, por tabela, o
equilíbrio fiscal.
Com a piora dos números externos, constatada na última semana de
agosto, o Brasil precisa se concentrar em: 1. Reforçar o equilíbrio
fiscal de longo prazo, buscando inclusive a aprovação no Congresso das
medidas que podem ser votadas já. 2. Manter sob controle as despesas de
custeio e melhorar a qualidade do financiamento da dívida pública. 3.
Adotar medidas microeconômicas para corrigir os desequilíbrios do
mercado de trabalho, o que obviamente não pode ser obtido com manobras
de juros.
Isso possibilitará ao BC pros-seguir com persistência a necessária
redução da nossa taxa de juro real, abrindo espaço para o investimento
público e para a aceleração dos investimentos privados.
Delfim Netto
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