Editorial do blog Sul21, publicado em 14/05/12.
Após 124 anos da abolição da escravatura no Brasil o martírio
dos negros ainda não teve fim. O Brasil foi o último país do mundo a
abolir a escravidão negra e, mesmo assim, o fez de forma incompleta.
Visando não criar impactos profundos na produção agrícola e não diminuir
os lucros dos proprietários, a abolição se fez por etapas. Sem se
preocupar em criar condições de sobrevivência para os recém-libertos, a
abolição não foi acompanhada da geração de opções de trabalho e renda.
Por pressão da Inglaterra, que dominava os mares e o comércio
internacional e necessitava do assalariamento dos trabalhadores para a
expansão do seu mercado de consumo, foi proibido o tráfico negreiro.
Depois, foram libertos os recém-nascidos, que eram numerosos e
precisavam ser mantidos até por volta dos sete anos de vida, quando
começavam a trabalhar. Em seguida, foi abolida a escravidão dos
sexagenários, que eram pouquíssimos, pois a imensa maioria morria cedo
consumida pelo trabalho degradante e as péssimas condições de vida a que
eram submetidos, mas constituíam peso morto e geravam despesas para os
“senhores”.
Sem instrução, sem treinamento para as novas formas de trabalho e,
sobretudo, sem receber terras onde pudessem exercer a principal
atividade produtiva a que se dedicavam, os negros libertos foram
entregues à própria sorte. Ficaram, na imensa maioria das vezes,
trabalhando sem remuneração para os mesmos antigos senhores ou foram
expulsos das propriedades onde serviam. Muitos passaram a perambular
pelas estradas e ruas, sendo acusados de serem “indolentes”, “avessos ao
trabalho”, “capoeiristas”, “lundusistas”, “sambistas” e “malandros”.
Não se fez o que os autênticos abolicionistas reivindicavam, ou seja,
uma reforma agrária que garantisse terras aos negros libertos e a
possibilidade de seu cultivo para que gerassem renda e desenvolvimento. O
resultado foi a transformação da quase totalidade dos antigos escravos
em novos miseráveis. Tornaram-se cidadãos de segunda ou de terceira
classe. Para se ter uma ideia do abismo social-racial existente no
Brasil, basta que se constate que o nível de escolaridade dos negros
brasileiros era inferior, no início do século XXI, ao nível dos negros
sul-africanos no final do apartheid.
A dívida social com os negros brasileiros perdura ainda hoje. O Censo
Demográfico de 2010 apurou que dos 16 milhões de brasileiros que vivem
em situação de extrema pobreza (com renda mensal de até R$ 70,00) 11,5
milhões, ou seja, 72% do total são pardos e negros. Os dados
estatísticos não deixam dúvida sobre a dívida social com os negros no
Brasil: se verificam entre eles os mais altos índices de analfabetismo,
desemprego, mortalidade infantil e entre jovens, violência, entre
outros.
O Brasil tem avançado no resgate desta dívida social, por exemplo,
com a adoção de cotas raciais nas universidades públicas, com a
definição da discriminação racial como crime inafiançável e com a
criação de programas de distribuição de renda e de apoio às famílias em
situação de vulnerabilidade social. Há muito, no entanto, a ser feito e
seria bom que todos nós, independente de nossas etnias, nos uníssemos
para quitar, no menor tempo possível, o débito que ainda perdura.
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