publicado no blog RSURGENTE, em 24/06/12.
O que foi tentado contra Lula, na época do chamado mensalão –que por
escassa margem de votos não teve o apoio da OAB Federal numa histórica
decisão do seu Conselho ainda não revelada em todas as suas implicações
políticas – foi conseguido plenamente contra o Presidente Lugo. E o foi
num fulminante e sumário ritual, que não durou dois dias. Não se alegue,
como justificativa para apoiar o golpe, que a destituição do Presidente
Lugo foi feita “por maioria” democrática, pois a maioria exercida de
forma ilegal também pode ser um atentado à democracia. É fácil dar um
exemplo: “por maioria”, o Poder Legislativo paraguaio poderia legislar
adotando a escravidão dos seus indígenas?
No Paraguai o Poder Legislativo na condição de Tribunal político
atentou contra dois princípios básicos de qualquer democracia
minimamente séria: o princípio da “ampla defesa” e o princípio do
“devido processo legal”. É impossível um processo justo – mesmo de
natureza política – que dispense um mínimo de provas. É impossível
garantir o direito de defesa – mesmo num juízo político – sem que o réu
tenha conhecimento pleno do crime ou da responsabilidade a partir da
qual esteja sendo julgado. Tudo isso foi negado ao Presidente Lugo.
O que ocorreu no Paraguai foi um golpe de estado “novo tipo”, que
apeou um governo legitimamente eleito através de uma conspiração de
direita, dominante nas duas casas parlamentares. Estas jamais engoliram
Lugo, assim como a elite privilegiada do nosso país jamais engoliu o
Presidente Lula. Lá, eles tiveram sucesso porque o Presidente Lugo não
tinha uma agremiação partidária sólida e estava isolado do sistema
tradicional de poder, composto por partidos tradicionais que jamais se
conformaram com a chegada à presidência de um bispo ligado aos
movimentos sociais. A conspiração contra Lugo estava no Palácio, através
do Vice-Presidente que agora “supreso” assume o governo, amparado nas
lideranças parlamentares que certamente o “ajudarão” a governar dentro
da democracia.
Aqui, eles não tiveram sucesso porque – a despeito das recomendações
dos que sempre quiseram ver Lula isolado, para derrubá-lo ou destruí-lo
politicamente – o nosso ex-Presidente soube fazer acordos com lideranças
dos partidos fora do eixo da esquerda, para não ser colocado nas
cordas. Seu isolamento, combinado com o uso político do”mensalão”,
certamente terminaria em seu impedimento. Acresce-se que aqui no Brasil –
sei isso por ciência própria pois me foi contado pelo próprio José
Alencar- o nosso Vice presidente falecido foi procurado pelos golpistas
“por dentro da lei” e lhes rejeitou duramente.
A tentativa de golpe contra o Presidente Chavez, a deposição de Lugo
pelas “vias legais”, a rápida absorção do golpe “branco” em Honduras, a
utilização do território colombiano para a instalação de bases militares
estrangeiras, tem algum nexo de causalidade? Sem dúvida tem, pois
esgotado o ciclo das ditaduras militares na América Latina, há uma
mudança na hegemonia política do continente, inclusive com o surgimento
de novos setores de classes, tanto no mundo do trabalho como no mundo
empresarial. É o ciclo, portanto, da revolução democrática que, ou se
aprofunda, ou se esgota. Este novos setores não mais se alinham,
mecanicamente, às posições políticas tradicionais e não se submetem aos
velhos padrões autoritários de dominação política.
Os antigos setores da direita autoritária, porém, incrustados nos
partidos tradicionais da América latina e apoiados por parte da grande
imprensa (que apoiaram as ditaduras militares e agora reduzem sua
influência nos negócios do Estado) tentam recuperar sua antiga força, a
qualquer custo. São estes setores políticos – amantes dos regimes
autoritários – que estão embarcando neste golpismo “novo tipo”, saudosos
da época em que os cidadãos comuns não tinham como fazer valer sua
influência sobre as grandes decisões públicas.
É a revolução democrática se esgotando na América Latina? Ou é o
início de um novo ciclo? A queda de Lugo, se consolidada, é um brutal
alerta para todos os democratas do continente, seja qual for o seu matiz
ideológico. Os vícios da república e da democracia são infinitamente
menores dos que os vícios e as violências ocultas de qualquer ditadura.
Pela queda de Lugo, agradecem os que apostam num autoritarismo
“constitucionalizado” na A.L., de caráter antipopular e pró-ALCA.
Agradecem os torturadores que não terão seus crimes revelados, agradecem
os que querem resolver as questões dos movimentos sociais pela
repressão. Agradece, também, a guerrilha paraguaia, que agora terá
chance de sair do isolamento a que tinha se submetido, ao desenvolver a
luta armada contra um governo legítimo, consagrado pelas urnas.
(*) Governador do Rio Grande do Sul