publicada em Correio do Brasil.
29/4/2012 11:41,14
Trata-se de uma crise civilizatória que exige transformar totalmente
os padrões culturais e o sistema de produção e consumo como única forma
de preservar a vida de nossa espécie. O capitalismo já ameaçou arrasar a
civilização nos terríveis anos de guerra geral entre 1914 e 1945,
agravados pela Grande Depressão de 1929 e culminados com o genocídio de
Hiroshima e Nagasaki. Quem sabe em que tragédia maior teria terminado
aquele drama se não fosse pela derrota infligida ao nazismo pelo
Exército Vermelho.
O transtorno atual se iniciou em 1973, quando o presidente Richard
Nixon interrompeu o deslizamento da economia estadunidense para o
abismo, provocado pelos gastos da guerra do Vietnã, o aumento dos preços
do petróleo e o declínio na taxa de lucro. Unilateral e ditatorialmente
desligou o dólar – moeda de câmbio internacional – do padrão ouro e o
pôs a “flutuar”. Vulnerava assim, em proveito dos capitais ianques e em
detrimento dos demais países – sobretudo os pobres – os acordos de
Bretton Woods, que pautaram as regras da economia internacional sob a
batuta dos Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial.
A partir de então, Washington empreendeu uma demencial voragem de
impressão de dólares e instrumentos de dívida sem respaldo produtivo,
com os quais inundou os circuitos financeiros globais de moeda
desvalorizada e levou à maior estafa da história da humanidade. A
especulação financeira passou a ocupar um lugar muito mais relevante que
a produção e o comércio na circulação monetária e reforçou as políticas
neoliberais, experimentadas no Chile sob a ditadura de Pinochet
(1973-1990), elevadas à categoria de dogma de fé mundial pelos governos
de Ronald Reagan e Margaret Thatcher (1979-1990).
São essas políticas generalizadas de diminuição do Estado, contenção
salarial, desmantelamento das conquistas dos trabalhadores, circulação
livre de capitais mas não da força de trabalho, privatização do
patrimônio público, socialização das perdas das corporações, especulação
até com os alimentos, inclemente degradação ambiental e início de um
novo ciclo de guerras coloniais (Afganistão, Iraque, Líbia), as quais
têm conduzido à debacle econômica manifestada abertamente a partir do
estouro da bolha imobiliária em Wall Street (2008).
Citada por poucos autores, outra causa fundamental, na ordem
geopolítica, da descomunal ofensiva internacional do capital contra os
trabalhadores e povos oprimidos, foi a queda da União Soviética e demais
países da experiência socialista do Leste da Europa, empurrada sim, por
gravíssimos erros e desvios de seus partidos dirigentes, mas também
portadora de valiosas experiências na libertação humana e fator de
equilíbrio até aquele momento no balanço internacional de poder. A
arremetida capitalista foi favorecida pelos traumas subjetivos que a
inesperada catástrofe provocou, aprofundados por uma vulgar campanha
antissocialista que dura até hoje e a deserção para as fileiras do
liberalismo econômico – sem exceção – das cúpulas social-democratas
europeias e partidos associados em outras latitudes, assim como de
muitos intelectuais. Enquanto isso, um número considerável dos partidos e
grupos de orientação marxista e socialista demoraram a sobrepor-se à
comoção e fazer uma leitura correta da nova realidade.
Em 2010 irrompeu na Europa a chamada crise da dívida soberana com
graves consequências sociais, acentuadas pelo ultraliberalismo da
senhora Merkel. A Espanha entrou de novo em recessão e se vaticina a
rápida queda da importância, do tamanho de sua economia e sua quebra não
distante, dadas a fragilidade de seus bancos, às extremas medidas de
ajuste ordenadas por Berlim, cumpridas ao pé da letra pelo fidalgo
Rajoy.
Sendo assim, arrastará consigo a União Europeia, atingirá os Estados
Unidos, que padecem essencialmente os mesmos problemas, solapados pela
suicida injeção de liquidez, e são, no final das contas, o maior
responsável pela crise.
Angel Guerra Cabrera é jornalista do periódico La Jornada.