quarta-feira, 18 de julho de 2012

O "mensalão" como operação de marketing e como golpe branco fracassado, por Emir Sader

 publicado, em 18/07/2012, no blog Carta Maior



Mais além dos fatos concretos, a operação de marketing do “mensalão” merece fazer parte dos manuais de marketing politico. Nunca na história brasileira uma criação dessa ordem foi capaz de projetar e consolidar imagens na cabeça das pessoas, que as impedem de entender o fenômeno e avaliá-lo na sua realidade concreta, porque sua imaginação, seus instintos, já estão vacinados e conquistados pelas imagens projetadas pela campanha.

Uma jornalista da empresa da “ditabranda” entrevistou um dia a um parlamentar, presidente de um dos partidos da base aliada do governo, que teve uma das pessoas indicadas pelo partido para um cargo governamental, pego em flagrante , filmado, com som, em operação de suborno. O partido que o indicou – PTB – considerou que nao recebeu o apoio devido por parte do governo e seu presidente resolveu ligar o ventilador.

Disse que o governo pagava um “mensalão” a uma porção de gente. O jornal imediatamente cunhou a expressão e deu inicio àquele tipo de campanha cuja reiteração, por todos os órgãos da mídia privada, transformou a insinuação numa verdade supostamente incontestável.

O que ficou na imaginação das pessoas era literalmente que indivíduos chegavam no Palácio do Planalto com malas vazias, entravam numa sala contigua à do Lula, enchiam de dólares e saiam, mensalmente. A operação de marketing tornou-se um caso de manual de marketing, pelo seu sucesso. A partir a insinuação de um politico sem nenhuma respeitabilidade, se dava inicio à campanha, em que a oposição – liderada pela mídia privada – considerava que terminaria com o governo Lula.

Tudo foi se dando como bola de neve. O próprio jornal da família que emprestou carros para órgãos repressivos da ditadura cunhou o selo “mensalão”, com o qual cobria todas as atividades políticas nacionais. Até a eleição interna do PT foi incluída nessa rubrica.

Condenou-se moral e politicamente a dirigentes e políticos ligados ao governo, com o objetivo de ferir de morte o governo Lula, como repetição muito similar à crise de 1954, que terminou com o suicídio de Getúlio. Dois então membros da equipe do Lula chegaram – conforme entrevista posterior de Gilberto Carvalho – a ir ao Lula, levando a proposta opositora: todas as acusações seriam retiradas, inclusive o suposto impeachment, contanto que Lula renunciasse a se candidatar à reeleição.

Tinham receio de propor impeachment, pelas repercussões populares que poderia ter, então preferiam usá-lo como ameaça. O tiro saiu pela culatra. Lula reagiu dizendo que sairia às ruas para defender seu mandato, convocava os movimentos populares a reagir à tentativa de golpe branco.

A oposição, depois da cassação do Zé Dirceu, jogava, partindo do que considerava evidências contra o governo, com a vulnerabilidade do governo, alegando que Lula sabia dos fatos. Não foi o que aconteceu. Conseguiram várias cassações, conseguiram diminuir o apoio do Lula mas, principalmente, deram a pauta política do país.

O caso permitia desqualificar o Estado, o governo Lula, o PT. O Estado, por definição, para a direita, é corrupto ou corruptível. O governo Lula, o PT e os sindicatos teriam “tomado de assalto ao Estado” e imposto seus interesses particulares. O diagnóstico foi retirado diretamente do arsenal neoliberal.

Os governos de esquerda no Brasil – Getúlio, Jango, Lula – não terminariam seus mandatos. Fracassado o governo Lula, se cumpriria o prognóstico de um ministro da ditadura: “Um dia o PT vai ter que ganhar, vai fracassar, aí vamos poder dirigir o país com tranquilidade”.

Sob a forma do impeachment ou da renúncia de Lula a disputar um segundo mandato ou, ainda, com sua eventual derrota, asfixiado pela oposição – que já havia dito que sangraria o governo, até derrotá-lo nas eleições de 2006 -, se daria um golpe branco e a esquerda estaria desmoralizada e derrotada por um longo período.

Mas não contavam com a capacidade de reação de Lula e com os efeitos das políticas sociais, já em marcha. O povo, com a consciência de que era o seu governo e que sua eventual derrubada faria com que ele, povo, pagasse o preço mais alto da operação da direita, reagiu. A oposição foi pega de supresa pelas reações, que levaram à derrota da tentativa de derrubar o governo. Mais do que isso, levaram à derrota do candidato da oposição – o duro e puro neoliberal Alckmin –, porque a oposição também foi vitima da sua própria campanha.

Como esbravejava o Otavinho, na primeira reunião do comitê de direção da sua empresa: - Onde é que nós erramos?

Erraram porque acreditaram que eram onipotentes. Afinal foi a mídia golpista que levou o Getúlio ao suicídio, que promoveu o golpe militar que derrubou o Jango e que, acreditavam, levaria o governo Lula à derrota e a esquerda à desmoralização.

Foram derrotados em 2006, em 2010 e tem todas as possibilidades de serem derrotados de novo em 2014. Mais do que isso, tiveram que reconhecer que o prestígio do governo vem de suas politicas sociais, que transformaram democraticamente o Brasil. Que seu poder de fogo como cabeça da oposição é decrescente, que entraram em decadência irreversível.

Agora, sete anos depois, tentam ainda explorar o sucesso de marketing, espremendo tudo o que podem, raspando o tacho da panela, buscando voltar a pautar o país em torno do seu sucesso de marketing. Não se dão conta que o país mudou, que desde então perderam duas eleições presidenciais, que o Estado brasileiro reconquistou legitimidade por suas políticas sociais e pela sua ação de resistência à crise internacional? Que as mídias alternativas ganharam um poder de esclarecimento da opinião publica, que não tinham naquele momento?

Mas não lhes restam outras armas, senão a de explorar o embolorado tema do “mensalão”, para recordar como já foram bem mais poderosos no passado. Seus outros argumento naufragaram: o Estado mostra eficiência na condução do país, o livre mercado levou o capitalismo internacional à sua pior crise em 80 anos, o povo reconhece que melhorou suas condições de vida, apoia e vota no governo, as alianças internacional da política soberana do Brasil projetam o país no plano internacional como nunca antes, ao mesmo tempo que se mostram muito mais eficazes do que o Tratado de Livre Comércio e a Alca que a direita pregava.

Em suma, a história avançou desde 2005 e na direção da derrota da oposição, da criação de uma nova maioria politica no pais. A permanência do monopólio antidemocrático dos meios de comunicação é a arma principal de que a direita dispõe e está disposta a usá-la até o fim, na sua derradeira encenação: o julgamento do “mensalão”.

Mas a história e a vida não se fazem com marketing. Nem mesmo mais vender os produtos da sua mídia mercantil eles conseguem. Lula os derrotou, demonstrando que se pode – e se deve – governar o país sem almoçar e jantar com os donos da mídia. Porque Lula não teve medo da mídia, condição –nas suas palavras – para que haja democracia no Brasil.

A primeira vez a encenação teve ares de tragédia – não consumada pela oposição. Esta segunda tem ares de farsa.

Eles passarão, nós passarinhos.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Violação Legal da Vida Privada, José Reis*





A Constituição da República do Brasil, entre outras questões, versa sobre os Direitos e Garantias que os indivíduos possuem, inclusive contra o próprio Estado. São garantias constitucionais aos indivíduos, previstas no art. 5º, inc. XI, a inviolabilidade  à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas.
Por ser funcionário público municipal, tive estas garantias retiradas no dia 03/07, quando a Prefeitura Municipal de Porto Alegre deu conhecimento do meu salário, através da internet, baseada na interpretação da chamada Lei da Transparência, que se transformou num novo instrumento de caça de marajás e corruptos, e não num instrumento de transparência e controle como pretendiam os legisladores.
Desta forma, aqui em Porto Alegre, eu e os demais 26.000 servidores públicos, a exemplo de outros milhares de funcionários públicos espalhados pelo país, passamos a ser INDIVÍDUOS distintos e rebaixados perante a Constituição, pois, para nós a mesma não se aplica integralmente. Além disso, passamos a ser expostos à luz do dia, a exemplo dos animais em um zoológico. Agora, quando transitarmos nas ruas, estaremos sujeitos a encontrar amigos, familiares e pessoas que nem conhecemos tratando de nossa remuneração, sem qualquer consentimento nosso.
E qual argumento sustenta tal violação de privacidade que se “pretende legal”? O fato de que a população paga os impostos e por isso tem o direito de saber a remuneração de cada servidor público, já que seria “nosso patrão”.
Ora, me parece que a Ciência Política, já havia explicado que a muitos anos atrás a sociedade delegou poderes ao ente estado, para administrar os seus interesses coletivos. Para administrar este ente, delegou a seus representantes legais, eleitos por ela mesma, nas democracias.
O estamento legal e administrativo desenvolveu-se a tal ponto que passou a determinar e exigir que o acesso ao emprego público se desse por processo seletivo, chamado concurso público, à exceção dos cargos de livre exoneração e nomeação, para evitar a nomeação de apaniguados e compadrios. Quando um cidadão ou cidadã habilita-se a um cargo público, em regra, é dada toda a publicidade.
Ao tomar posse, outro ato ao qual se dá publicidade, o servidor assina um contrato de trabalho com o ESTADO sujeita a normas e regras também conhecidas através dos estatutos. Toda a vida funcional e laboral do servidor é divulgada através de publicações dos atos que lhe concedem qualquer vantagem, pecuniária ou não, e dos que retiram através de punições. Entretanto, até hoje, por conta das garantias constitucionais, lhe era garantido á privacidade ao seu salário. Agora, não mais. Estamos expostos. Nosso contrato de trabalho foi alterado, mais uma vez, em nome de uma moral duvidosa.
No entanto, esta lógica de que por pagar impostos os cidadãos e cidadãs são nossos patrões, e por isso devem tomar conhecimento de nossos salários, pergunto se a mesma não pode ser estendida a outros, por similaridade.
Vejamos outra abordagem. Na composição do preço de qualquer mercadoria ou serviço está embutido o custo do pagamento dos trabalhadores que executaram aquele produto ou serviço. Logo, ao pagar por este produto estou também pagando parte do salário dos mesmos. Por similaridade, então, também sou patrão do trabalhador que produziu aquele bem ou serviço. Assim, também devo ter o direito de conhecer a sua remuneração? Provavelmente, dirão que não.
Mas, que lógica canhestra é esta? Por que não posso exigir que ao entrar num estabelecimento qualquer estejam expostos os salários de todos que trabalham no estabelecimento para eu saber quanto valor do bem ou serviço comporá a remuneração daquele trabalhador ou trabalhadora. Em especial, em deveríamos aplicar este princípio nas empresas e estabelecimentos que executam serviços concedidos pelo estado ou que recebam verbas públicas de qualquer natureza.
Certamente, alegarão que é uma relação privada. Mas, a relação do funcionário público com o estado também não é privada. Ou, para estes, vale a lógica do “grande irmão”, da Revolução dos Bichos. Devem ser expostos a uma VIOLAÇÃO LEGAL DE SUA PRIVACIDADE, perdendo Direitos e Garantias constitucionais, pois são potenciais corruptos e marajás.
*funcionário público municipal, economista e cientista político.