segunda-feira, 25 de junho de 2012

Um golpe de novo tipo contra Lugo, por Tarso Genro (*)



publicado no blog RSURGENTE, em 24/06/12.

 
O que foi tentado contra Lula, na época do chamado mensalão –que por escassa margem de votos não teve o apoio da OAB Federal numa histórica decisão do seu Conselho ainda não revelada em todas as suas implicações políticas – foi conseguido plenamente contra o Presidente Lugo. E o foi num fulminante e sumário ritual, que não durou dois dias. Não se alegue, como justificativa para apoiar o golpe, que a destituição do Presidente Lugo foi feita “por maioria” democrática, pois a maioria exercida de forma ilegal também pode ser um atentado à democracia. É fácil dar um exemplo: “por maioria”, o Poder Legislativo paraguaio poderia legislar adotando a escravidão dos seus indígenas?
No Paraguai o Poder Legislativo na condição de Tribunal político atentou contra dois princípios básicos de qualquer democracia minimamente séria: o princípio da “ampla defesa” e o princípio do “devido processo legal”. É impossível um processo justo – mesmo de natureza política – que dispense um mínimo de provas. É impossível garantir o direito de defesa – mesmo num juízo político – sem que o réu tenha conhecimento pleno do crime ou da responsabilidade a partir da qual esteja sendo julgado. Tudo isso foi negado ao Presidente Lugo.
O que ocorreu no Paraguai foi um golpe de estado “novo tipo”, que apeou um governo legitimamente eleito através de uma conspiração de direita, dominante nas duas casas parlamentares. Estas jamais engoliram Lugo, assim como a elite privilegiada do nosso país jamais engoliu o Presidente Lula. Lá, eles tiveram sucesso porque o Presidente Lugo não tinha uma agremiação partidária sólida e estava isolado do sistema tradicional de poder, composto por partidos tradicionais que jamais se conformaram com a chegada à presidência de um bispo ligado aos movimentos sociais. A conspiração contra Lugo estava no Palácio, através do Vice-Presidente que agora “supreso” assume o governo, amparado nas lideranças parlamentares que certamente o “ajudarão” a governar dentro da democracia.
Aqui, eles não tiveram sucesso porque – a despeito das recomendações dos que sempre quiseram ver Lula isolado, para derrubá-lo ou destruí-lo politicamente – o nosso ex-Presidente soube fazer acordos com lideranças dos partidos fora do eixo da esquerda, para não ser colocado nas cordas. Seu isolamento, combinado com o uso político do”mensalão”, certamente terminaria em seu impedimento. Acresce-se que aqui no Brasil – sei isso por ciência própria pois me foi contado pelo próprio José Alencar- o nosso Vice presidente falecido foi procurado pelos golpistas “por dentro da lei” e lhes rejeitou duramente.
A tentativa de golpe contra o Presidente Chavez, a deposição de Lugo pelas “vias legais”, a rápida absorção do golpe “branco” em Honduras, a utilização do território colombiano para a instalação de bases militares estrangeiras, tem algum nexo de causalidade? Sem dúvida tem, pois esgotado o ciclo das ditaduras militares na América Latina, há uma mudança na hegemonia política do continente, inclusive com o surgimento de novos setores de classes, tanto no mundo do trabalho como no mundo empresarial. É o ciclo, portanto, da revolução democrática que, ou se aprofunda, ou se esgota. Este novos setores não mais se alinham, mecanicamente, às posições políticas tradicionais e não se submetem aos velhos padrões autoritários de dominação política.
Os antigos setores da direita autoritária, porém, incrustados nos partidos tradicionais da América latina e apoiados por parte da grande imprensa (que apoiaram as ditaduras militares e agora reduzem sua influência nos negócios do Estado) tentam recuperar sua antiga força, a qualquer custo. São estes setores políticos – amantes dos regimes autoritários – que estão embarcando neste golpismo “novo tipo”, saudosos da época em que os cidadãos comuns não tinham como fazer valer sua influência sobre as grandes decisões públicas.
É a revolução democrática se esgotando na América Latina? Ou é o início de um novo ciclo? A queda de Lugo, se consolidada, é um brutal alerta para todos os democratas do continente, seja qual for o seu matiz ideológico. Os vícios da república e da democracia são infinitamente menores dos que os vícios e as violências ocultas de qualquer ditadura.
Pela queda de Lugo, agradecem os que apostam num autoritarismo “constitucionalizado” na A.L., de caráter antipopular e pró-ALCA. Agradecem os torturadores que não terão seus crimes revelados, agradecem os que querem resolver as questões dos movimentos sociais pela repressão. Agradece, também, a guerrilha paraguaia, que agora terá chance de sair do isolamento a que tinha se submetido, ao desenvolver a luta armada contra um governo legítimo, consagrado pelas urnas.
(*) Governador do Rio Grande do Sul

sábado, 23 de junho de 2012

Fortunati promove “trenzinho da alegria” na Procuradoria, por Paulo Muzzell

publicado no blog RSURGENTE.

 
A “partida” estava prevista para fevereiro. Trem na estação, caldeiras fervendo a todo vapor. Infelizmente um sério contratempo, a posição firme e contrária ao projeto do líder do governo, vereador João Antonio Dib (PP) adiou a “festa”. Ela ocorreu meses depois, na quarta feira passada, em tumultuada sessão plenária da Câmara.
Matéria veiculada neste mesmo espaço há quatro meses já resumiu algumas “barbaridades” contidas no projeto de lei complementar 014 do Executivo municipal. Rememorando: Fortunati propôs uma lei orgânica que dá à Procuradoria praticamente o status de um terceiro poder independente, um “pequeno judiciário” da esfera municipal. Um verdadeiro delírio! Os procuradores terão estatuto e política salarial à parte, reforçando seus poderes de “casta” na Prefeitura.
Fortunati apelou para absurdo argumentando: que a aprovação da lei não vai gerar nenhum acréscimo de despesa aos cofres municipais. Esta afirmativa foi veementemente questionada pelo próprio líder do governo, João Dib, que até citou um artigo do projeto que desmente e contradiz a afirmativa do prefeito ao autorizar abertura de créditos orçamentários para atender o acréscimo de despesas dele decorrentes. O prefeito além de mal assessorado, muito provavelmente não deve ler as exposições de motivo que assina. Tentando dirimir esta importante dúvida um vereador solicitou ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) a rodagem da folha atual e a simulação da folha futura decorrente da aprovação e vigência da lei. Por razões óbvias não foi atendido.
João Dib criticou, também, o disposto no artigo 120, que “funde os cargos de procurador e de assessor jurídico. Com uma “penada”, sem concurso público, 72 assessores jurídicos transformaram-se em procuradores, num mero “passe de mágica” , sem a realização do concurso público previsto na Constituição brasileira. É a volta às práticas da República Velha, a entrada pela porta dos fundos, um novo “trenzinho da alegria” municipal. Uma flagrante ilegalidade e imoralidade, promovida justamente pelos profissionais que tem por ofício zelar pelo cumprimento da lei. Confirma-se mais uma vez o velho adágio: “em casa de ferreiro, espeto de pau”.
O artigo 45 estabelece um prazo de doze meses para que seja elaborada lei estabelecendo os parâmetros e os níveis de uma nova lei salarial, dos procuradores, totalmente descolada do plano de carreira dos demais servidores. Separa-se, como o governo concebeu e pretende, a “casta” dos procuradores dos demais trabalhadores, considerados e transformados numa espécie de segunda linha ,a ampla maioria que está fora do “Olimpo”.
Provavelmente teremos, após a sanção do prefeito, novos desdobramentos. Além da flagrante inconstitucionalidade do trenzinho dos assessores jurídicos, há outros questionamentos da legalidade de conceder benefícios que implicam em aumento de despesa nos prazos vedados pela lei eleitoral.
O projeto foi aprovado com 26 votos favoráveis e 5 contra. Apresentamos a seguir como votaram os vereadores:
SIM
Adeli Sell (PT), Carlos Comassetto (PT), Carlos Todeschini (PT), Thiago Duarte (PDT), João Bosco Vaz (PDT), Márcio Bins Ely (PDT), Mauro Zacher (PDT), Idenir Cecchim (PMDB), Professor Garcia (PMDB), Sebastião Melo (PMDB), Valter Nagelstein (PMDB), João Nedel (PP), Kevin Kriger (PP), Toni Proença (PPL), Paulinho Rubem Berta (PPS), José Freitas (PRB), Waldir Canal (PRB), Airton Ferronato (PSB), Bernardino Vendrusculo (PSD), Nelcir Tessaro (PSD), Tarciso Flecha Negra (PSD), Mario Manfro (PSDB), Alceu Brasinha (PTB), DJ Cassia (PTB), Dr. Goulart (PTB), Elias Vidal (PV).
NÃO
Antonio Dib (PP), Luiz Braz (PSDB), Haroldo de Souza (PMDB), Fernanda Melchiona (PSOL), Pedro Ruas (PSOL).
A vereadora Maria Celeste PT) e o vereador Elói Guimaraens (PTB) não votaram; o vereador Mauro Pinheiro (PT) se absteve e os vereadores Beto Moesch Moesch (PP) e Sofia Cavedon (PT) se encontravam em representação externa.

domingo, 17 de junho de 2012

Bolsa Família reduz violência, aponta estudo da PUC-Rio.

publicado no Globo on-line, em 17/06/12.

 

Programa foi responsável por 21% da queda da criminalidade em SP



Ana Clara (no centro, sentada) e outros alunos da José Lins do Rego
Foto: Eliária Andrade
Ana Clara (no centro, sentada) e outros alunos da José Lins do Rego Eliária Andrade
RIO e SÃO PAULO - A redução da desigualdade com o Bolsa Família está chegando aos números da violência. Levantamento inédito feito na cidade de São Paulo por pesquisadores da PUC-Rio mostra que a expansão do programa na cidade foi responsável pela queda de 21% da criminalidade lá, devido principalmente à diminuição da desigualdade, diz a pesquisa. É o primeiro estudo a mostrar esse efeito do programa na violência.
Em 2008, o Bolsa Família, que até ali atendia a famílias com adolescentes até 15 anos, passou a incluir famílias com jovens de 16 e 17 anos. Feito pelos pesquisadores João Manoel Pinho de Mello, Laura Chioda e Rodrigo Soares para o Banco Mundial, o estudo comparou, de 2006 a 2009, o número de registros de ocorrência de vários crimes — roubos, assaltos, atos de vandalismo, crimes violentos (lesão corporal dolosa, estupro e homicídio), crimes ligados a drogas e contra menores —, nas áreas de cerca de 900 escolas públicas, antes e depois dessa expansão.
— Comparamos os índices de criminalidade antes e depois de 2008 nas áreas de escolas com ensino médio com maior e menor proporção de alunos beneficiários de 16 e 17 anos. Nas áreas das escolas com mais beneficiários de 16 e 17 anos, e que, logo, foi onde houve maior expansão do programa em 2008, houve queda maior. Pelos cálculos que fizemos, essa expansão do programa foi responsável por 21% do total da queda da criminalidade nesse período na cidade, que, segundo as estatísticas da polícia de São Paulo, foi de 63% para taxas de homicídio — explica João Manoel Pinho de Mello.
O motivo principal, dizem os autores, foi a queda da desigualdade causada pelo aumento da renda das famílias beneficiadas— Há muitas explicações de estudos que ligam queda da desigualdade à queda da violência: uma, mais sociológica, é que diminui a insatisfação social; outra, econômica, é que o ganho relativo com ações ilegais diminui — completa Rodrigo Soares. — Outra razão é que muda a interação social dos jovens ao terem de frequentar a escola e conviver mais com gente que estuda.
Reforma policial ajudou a reduzir crimes
Apesar de estudarem no bairro que já foi tido como um dos mais violentos do mundo, os alunos da Escola Estadual José Lins do Rego, no Jardim Ângela, periferia de São Paulo — com 1.765 alunos, dos quais 126 beneficiários do Bolsa Família —, dizem que os assaltos e brigas de gangues, por exemplo, estão no passado.
— Os usuários de drogas entravam na escola o tempo todo — conta Ana Clara da Silva, de 17 anos, aluna do ensino médio.
— Antes, você estava dando aula e tinha gente vigiando pela janela — diz a diretora Rosângela Karam.
Um dos principais pesquisadores do país sobre Bolsa Família, Rodolfo Hoffmann, professor de Economia da Unicamp, elogia o estudo da PUC-Rio:
— Há ali evidências de que a expansão do programa contribuiu para reduzir principalmente os crimes com motivação econômica — diz. — De 20% a 25% da redução da desigualdade no país podem ser atribuídos ao programa; mas há mais fatores, como maior valor real do salário mínimo e maior escolaridade.
Professora da Pós-Graduação em Economia da PUC-SP, Rosa Maria Marques também lembra que a redução de desigualdade não pode ser atribuída apenas ao Bolsa Família:
— Também houve aumento do emprego e da renda da população. E creio que a mudança na interação social dos jovens beneficiados contou muito.
Do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, o professor Ignácio Cano concorda com a relação entre redução da desigualdade e queda da violência:
— Muitos estudos comparando dados internacionais já apontaram que onde cai desigualdade cai criminalidade.
Mas são as outras razões para a criminalidade que chamam a atenção de Michel Misse, coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ. Misse destaca que a violência na capital paulista vem caindo por outros motivos desde o fim dos anos 1990:
— O estudo cobre bem os índices no entorno das escolas. Mas não controla as outras variáveis que interferem na queda de criminalidade. Em São Paulo, a violência vem caindo por pelo menos quatro fatores: reforma da polícia nos anos 2000; política de encarceramento maciça; falta de conflito entre quadrilhas devido ao monopólio de uma organização criminosa; e queda na taxa de jovens (maioria entre vítimas e autores de crimes), pelo menor crescimento vegetativo.
Para Misse, a influência do programa não foi pela desigualdade:
— É um erro supor que só pobres fornecem agentes para o crime; a maioria dos presos é pobre, mas a maioria dos pobres não é criminosa. Creio que, no caso do Bolsa Família, o que mais afetou a violência foi a criação de outra perspectiva para esses jovens, que passaram a ter de estudar.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Criminalização do funk e extermínio de MCs, por Danilo Cymrot*

publicado no blog sul 21, em 15/06/12.

UPPs são moralistas com os bailes funk, que são banidos das comunidades. Já em SP, homicídios de funkeiros são encarados como merecidos.
O funk não é caso de polícia. No entanto, é assim que os bailes funk, confinados nas periferias e favelas, têm sido encarados pelo poder público e por grande parte da mídia.
Sob os pretextos de combater o barulho excessivo, as brigas, o tráfico de drogas, a corrupção de menores e a apologia ao crime, os bailes funk chegaram a ser, na prática, proibidos em todo o território fluminense a partir da segunda metade da década de 1990, por meio de leis que impunham uma série de requisitos burocráticos para sua realização de maneira lícita.
Apenas no ano de 2009 foi aprovada uma lei, de autoria dos deputados Marcelo Freixo (PSOL) e Wagner Montes (PDT), que reconhece o funk como movimento cultural de caráter popular e veda ações discriminatórias por parte do Estado.
Mas ela não tem sido respeitada. A instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em comunidades no Rio de Janeiro tem sido acompanhada por uma política bastante moralista e paternalista com relação aos bailes, encarados não como um importante espaço de sociabilidade e lazer juvenil, mas como resquícios do tempo de “dominação” dos traficantes.
Em nome da manutenção da ordem, comandantes das UPPs se comportam como xerifes, impondo toques de recolher. Ao proibir os bailes, no entanto, o Estado faz com parte dos jovens dessas comunidades se desloque para bailes em áreas ainda não “pacificadas”.
Caberia, pois, ao Estado, permitir a realização de bailes pacíficos, em locais com infraestrutura adequada e isolamento acústico. É preciso reconhecer que funk é cultura. Há historicamente a tendência de compreender a cultura “de pobre” como cultura pobre. Não que os funkeiros precisem ter seu gosto chancelado pelo Estado ou por outros setores da sociedade. Basta que não tenham seu gosto criminalizado.
Quando não são acusados de fazer letras pobres e alienadas, os MCs são acusados de compor músicas que fazem apologia ao crime, taxadas de “proibidões”. Por outro lado, consumo de drogas e violência existem em praticamente todos os locais de divertimento de jovens, inclusive em “baladas” caras de bairros nobres, mas nem por isso a polícia proíbe tais festas.
Não se deve ter a ilusão de que a criminalização do funk se restringe ao Rio. A gigantesca e protagonista força cultural do funk nas periferias de São Paulo tem sido condenada à invisibilidade. Quando retratada, aparece como fenômeno que tira a paz dos moradores dos bairros onde os bailes ocorrem e, portanto, legitima a repressão policial.
O resultado trágico dessa política pode ser constatado na sequencia de assassinatos de grandes ídolos do funk da Baixada Santista. Só no último mês de abril, foram executados MC Primo e, onze dias depois, MC Careca. Os principais suspeitos, até o momento, são policiais militares. Já são cinco assassinatos de ídolos do funk na Baixada Santista em 24 meses. Outros MCs declararam que já receberam ameaças de morte.
Não só a origem social dos ídolos torna essas mortes invisíveis, como, nesses casos, costuma-se responsabilizar a própria vítima por seu destino, sugerindo-se apressadamente que sua morte é resultado esperado (merecido?) de seu suposto envolvimento com traficantes.
Nesse ponto, o extermínio de MCs talvez represente a face mais radical da política de “tolerância zero” contra os funkeiros.

*Danilo Cymrot, 26, é mestre e doutorando em criminologia pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

domingo, 3 de junho de 2012

As singulares ações “sociais” do governo Fortunati, por Paulo Muzell

publicado no blog RSURGENTE, em 29/05/12.

 

O Brasil é um país muito desigual e que tem, ainda, um considerável contingente de pessoas que vivem na marginalidade e na extrema pobreza. Esta população precisa de programas de apoio, de inclusão e de assistência social. O governo federal, especialmente nos últimos dez anos, vem fazendo a sua parte, criando programas e ampliando recursos. Já as prefeituras nem sempre. Aqui em Porto alegre as coisas vão mal. Os vereadores das bancadas de oposição ao governo Fo-Fo (Fogaça-Fortunati) têm reiterado com insistência a necessidade do aumento do orçamento da Fundação de Assistência Social e Comunitária (FASC), o órgão municipal que atende o setor. E citam números oficiais que comprovam sua tese: a fundação teve no ano passado pouco mais de 100 milhões de reais num orçamento municipal de quase quatro bilhões. Já o investimento foi muito pior: foram aplicados em obras apenas 350 mil reais, ou seja, 0,1% do investimento total da Prefeitura. Entre 2008 e 2011 o número de moradores de rua em Porto Alegre cresceu 12%.
Faltam recursos para o setor assistencial, mas, em contraste, sobram para atender outras “necessidades” bastante discutíveis como o aumento do número de cargos em comissão e criação de novas micro-secretarias fantasmas que atendem a interesses bem específicos, pode-se dizer, particulares. Neste contexto nasceu a Secretaria Municipal de Direitos Animais, a SEDA, velho sonho e aspiração de Regina Becker, a primeira dama.
Vale a pena consultar o site da SEDA, temos lá informações curiosas, elucidativas. Na prestação de contas das ações da secretaria em nenhum momento aparece o seu secretário – Urbano Schmitt -, da Governança (SMGAE) e que responde cumulativamente pela SEDA. A figura central é Regina Becker, ora apresentada como primeira-dama, ora como “voluntária”, observe-se, uma voluntária com incomum protagonismo e destaque. Vale a pena citar algumas ações veiculadas no site. Regina Becker visita o Hospital São Pedro, preocupada com a saúde dos cães abandonados que lá se encontram. Depois: “Regina Becker visita empresa porto-alegrense que criou linha de cosméticos para cães”. A primeira-dama explica e justifica: “cosméticos não são perfumaria, são importantes para os bichanos.” Para completar: a SEDA organiza uma “campanha do agasalho”, absoluta necessidade para proteger o “melhor amigo do homem” dos rigores do nosso inverno.
A Procempa tem tido destaque no elenco de ações inusitadas e discutíveis do governo Fo-Fo. Primeiro: quintuplicou o número de cargos em comissão que atenderam, sempre, às necessidades dos companheiros desamparados. Vereadores não eleitos, ex-secretários, ex-adjuntos, ex-prefeitos tornados inelegíveis ou não re-eleitos, independente de terem formação ou qualificação profissional compatível, encontraram lá na empresa um bom acolhimento, um “repouso amigo” e bem remunerado.
As investigações que originaram a CPI do convênio Prefeitura-Instituto Ronaldinho Gaúcho trouxeram uma informação relevante. A partir das respostas aos pedidos de informações dos vereadores, ficou-se sabendo que os equipamentos de informática adquiridos pela Procempa e que funcionavam nos centros de capacitação digital na Restinga foram transferidos, pasmem, para a Sogipa. A Procempa instalou lá um novo centro de capacitação digital, disponibilizando equipamentos e pessoal. Muito provavelmente a justificativa encontrada para tão estapafúrdia decisão deve ter sido a de que os associados do clube, os “velhinhos” residentes na Carlos Gomes, Bela Vista, Moinhos de Vento e adjacências eram carentes de inclusão digital, lamentável deficiência que os impossibilitava de comunicar-se com seus netinhos residentes no exterior.
Há muitos anos que os mais de vinte mil municipários da capital demandam dos sucessivos governos a criação de um bom plano de saúde. Fortunati num dissídio passado prometeu e definiu um convênio com o IPE como a solução, aceita pelos servidores da Prefeitura. Até hoje não cumpriu.
Enquanto a solução para a grande maioria demora, não se viabiliza, para pequenas minorias “incrustadas” no poder a solução é rápida. Expliquemos. A Procempa mantém para seus funcionários o melhor plano de assistência à saúde da Prefeitura. Assistência médica UNIMED completa, serviços odontológicos, fisioterapia, além de atendimento psicológico e psiquiátrico. Plano VIP, acessível aos trabalhadores e mantido graças a subsídios pagos pelos cofres da empresa, entenda-se, pelo caixa fazendário. Pois em 2008 vários secretários e ex-secretários do atual governo em reunião do conselho da Administração da empresa – do qual eram membros -, aprovaram por unanimidade a inclusão dos seus nomes como beneficiários do plano de saúde dos funcionários da Procempa.
Não há nenhuma dúvida: o governo Fo-Fo pode ter prioridades discutíveis, mas em momento algum descuida dos “seus”.